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O funk na periferia de São Paulo

Renato Barreiros, atuou frente à subprefeitura da Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, entre os anos de 2008 e 2010, e pôde...

Publicado em 06/04/2015

Atualizado às 14:42 de 22/01/2021

O distrito de Cidade Tiradentes, localizado na zona leste de São Paulo, abriga o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, com cerca de 40 mil unidades. A pobreza do distrito contrasta com a grande quantidade de artistas da cena funk que tem surgido nos últimos anos.

Renato Barreiros, 36 anos, atuou frente à subprefeitura da região entre os anos de 2008 e 2010, e pôde acompanhar de perto a explosão do funk na periferia de São Paulo. Além de ter atuado na gestão pública, ele dirigiu e produziu os documentários Funk Ostentação e No Fluxo. A seguir, ele conta um pouco como foi sua experiência como gestor público e diretor de cinema.

OBS: Conte como o funk chegou a São Paulo e o que é o Fluxo. Qual a diferença entre o Fluxo e os bailes de salão?

RB: O funk chegou a São Paulo pela periferia, que escutava muito desse som que vinha da Baixada Santista e do Rio. MC Primo, Dinho da VP, Renatinho e Alemão e Chiquinho e Amaral eram alguns dos MCs da Baixada mais escutados, e MC Frank, Ticão e Os Havaianos eram algumas das influências do Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo eram poucos os MCs de funk com alguma expressão, Backdi e Bio G3, na zona leste, e o MC Zoio de Gato, na zona sul, já faziam algum sucesso. Os bailes de salão normalmente têm shows com MCs famosos e DJs; já nos Fluxos, que são realizados no meio da rua ou em algum espaço público, são os donos dos carros que colocam as músicas que eles e os amigos mais curtem. O Fluxo é algo meio anárquico − embora sempre tenha um organizador que faz os convites nas redes sociais −, quem quiser vai com o seu carro colocar som ou com seu trailer que vende cachorro-quente ou bebida; os frequentadores muitas vezes compram em algum supermercado e levam o que vão beber. Os bailes de salão têm um dono, um promotor, e são realizados em espaços privados onde as pessoas têm que pagar para entrar e só podem consumir o que é vendido lá dentro.

Como foi o processo de criação dos documentários Funk Ostentação e No Fluxo?

Acompanho o funk desde 2008, quando organizei o 1º Festival de Funk de Cidade Tiradentes, que foi onde surgiu o funk ostentação. Então, o documentário Funk Ostentação foi feito para contar essa história que acompanhei desde o início, a de um dos maiores movimentos culturais de massa dos últimos anos. Quando percebi o espaço que o funk ostentação estava tomando na periferia de São Paulo, achei que seria importante um documentário contando um pouco como isso aconteceu e o que tinha a ver com o fenômeno da “nova classe média”, sobre a qual a imprensa começava a falar. O No Fluxo, por sua vez, na verdade pontua o fim desse processo de emergência da “nova classe média”. Ele mostra que o funk ostentação deixou de ser o estilo musical mais consumido na periferia de São Paulo e analisa como os bailes funk de rua se tornaram um fenômeno, junto com o “passinho do Romano” e o retorno do funk proibidão e do funk de apelo sexual. Como acompanho o movimento, percebi o que estava acontecendo e resolvi documentar a transformação. Sempre tive total apoio dos artistas ou das pessoas nos lugares aonde fui filmar. Por não ter recursos, esse apoio é vital! E, depois, são os próprios jovens que fazem a divulgação. O Funk Ostentação já passou dos 2 milhões de visualizações nos diversos links que copiaram o documentário e o No Fluxo já está com mais de 300 mil visualizações. Os recursos são os amigos que ajudam, as pessoas que dão uma força porque acreditam no projeto, nunca houve captação.

O Fluxo gera algum tipo de Economia Criativa?

O funk cria milhares de empregos nas periferias do Brasil, desde o DJ que produz as músicas ou se apresenta com o MC até o DJ que faz baile sozinho, os MCs de funk, os produtores, os promotores de evento, os divulgadores do YouTube, os diretores que fazem clipes... A Prefeitura de São Paulo realizou alguns eventos no Autódromo de Interlagos, onde havia autorização para vender lanches e bebidas, boa estrutura e diversos shows; é uma tentativa de regularizar os Fluxos. Mas realmente não é uma tarefa fácil. O prefeito também regulamentou uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores que permite a comida de rua.

Como se dá o processo de expansão do funk enquanto produto cultural? Quais os principais canais? E como você explica esse poder de viralização do funk?

Com a internet, o público definitivamente pode escolher o que quer ouvir. Antes, você tinha alguns filtros, como o rádio, as gravadoras e a TV, que muitas vezes barravam algumas expressões culturais de acordo com seus interesses. Com o barateamento das novas tecnologias, ficou muito mais fácil produzir uma música, gravar um CD, passar uma música de um celular para o outro via bluetooth; e foi assim que o tecnobrega, o funk, o lambadão cuiabano e o pagode baiano, entre outros gêneros musicais, conseguiram se difundir. Agora, com os sites de compartilhamento e o YouTube, o céu é o limite para esses ritmos populares. Acho que, sempre que um gênero musical se preocupa em se enquadrar para entrar no circuito “comercial” (gravadoras, emissoras de rádio e televisão), ele acaba deixando um pouco de sua originalidade de lado, e na internet não existe essa preocupação. O funk hoje é, sem dúvida, a voz da periferia de São Paulo, o canal pelo qual se expressa e representa boa parte dos sentimentos dessa juventude, e por isso seu poder de viralização é tão grande.

Como foi sua experiência na gestão pública frente à subprefeitura de Cidade Tiradentes? Que diálogo o poder público pode desenvolver com um movimento como o Fluxo? Que políticas para cultura podem ser pensadas nesse caso?

Em Cidade Tiradentes criamos o Festival de Funk, que teve três edições e revelou nomes como MC Dede, Nego Blue, Bonde TNT, Backdi e Bio G3, entre outros, que hoje são escutados em todo o Brasil. Fizemos também o Baile Funk Permitidão, que terminava às 22h e trazia atrações locais. Havia um controle para tentar que os menores de idade não consumissem bebida alcoólica e respeitávamos o horário da Lei do Silêncio; era uma alternativa para a juventude se divertir sem precisar realizar os Fluxos noite adentro. Acho que o poder público tem que pensar que as pessoas têm o direito de se divertir, sem repressão. Se não houver uma alternativa para os jovens se divertirem, o que vai acontecer são festas em lugares impróprios durante toda a madrugada, e a vizinhança não vai dormir.

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