2

CURATORIAL

Calder e a Arte Brasileira:

Geometria, Corpo e Movimento

Das esculturas em arame aos móbiles, o curador aborda as especificidades da obra do artista norte-americano e sua influência na produção artística brasileira.

 

A influência de Alexander Calder (1898-1976) na arte brasileira ainda é pouco estudada. Discutiu-se muito sua relação com o Brasil, mas pouco sua reverberação na criação artística propriamente dita. Arriscaria dizer que Calder está para o neoconcretismo assim como o artista Max Bill (1908-1994) está para o concretismo. A obra do norte-americano é uma espécie de antídoto lúdico e processual à austeridade maquínica e serial advinda do artista suíço.

 

Contribuição decisiva, embora indireta, para a disseminação do trabalho de Calder no Brasil foi dada por Mário Pedrosa em seus textos seminais sobre o escultor, escritos ainda na década de 1940. Instalou-se ali, com enorme cumplicidade, a semente do que brotaria uma década depois no neoconcretismo – o uso de materiais comuns, a dinamização da forma plástica, o desrecalque do corpo e a quebra de uma distância mais contemplativa e cerimoniosa do público com a obra. A importância do diálogo entre Calder e Pedrosa mistura-se, claro, a uma série de outras referências e articulações produzidas no interior da cena cultural brasileira.

 

Não se trata de opor neoconcretismo a concretismo, nem Calder a Bill, mas de enxergar – por meio dessas analogias – outras possibilidades de entendimento da apropriação da tradição construtiva/neoplástica que garantia à forma, agora liberada do plano, três potencialidades combinadas: integração espacial, efusão orgânica e energia rítmica. De certa maneira, o que se desdobraria dos móbiles e se disseminaria no neoconcretismo seria uma equação, sempre singular, de improviso e rigor, corpo e geometria, construção e intuição

 

Desde as performances com o Cirque Calder, na década de 1920, é notável em Calder sua capacidade de dar leveza e movimento a um material industrial como o arame. Depois, as formas passam a ser delicadamente animadas pelo vento, dando origem aos móbiles. Calder

é dos poucos artistas modernos que não temeu a simplicidade e a graça. Isso garantiu à tradição construtiva uma liberdade expansiva que iria posteriormente

influenciar músicos, dançarinos, poetas e, evidentemente, toda uma nova possibilidade de escultura integrada ao movimento – a arte cinética.

 

Esta exposição, que coloca a obra de Calder em diálogo com a arte brasileira, é um pequeno recorte de um universo cheio de possibilidades. Ela se divide em três momentos. No segundo subsolo, vemos a relação geracional com a tradição concreta e neoconcreta, a vontade comum de concentração e expansão da forma abstrata – no plano pictórico e fora dele. Aí, a linha pode tanto se estruturar geometricamente como se ampliar organicamente.

 

No primeiro subsolo, pretende-se sugerir o desdobramento subliminar da influência de Calder na arte contemporânea brasileira. O ponto que cabe ressaltar aqui é a presença do corpo na ativação da forma, a incorporação do movimento e da geometria atravessados por um contexto social e cultural específico, onde passado e futuro se entrecruzam. Dos Bichos, bilaterais e parangolés de Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980) às esculturas de Waltercio Caldas (1946-), Ernesto Neto (1964-) e Carlos Bevilacqua (1965-), o que percebemos é o quanto a nossa modernidade singularizou-se pelo vigor de uma vontade construtiva tensionada e alimentada por uma precariedade constitutiva. O equilíbrio é contingente e arriscado – como nos móbiles.

 

Completando a exposição, no primeiro andar, o movimento das formas se verticaliza, solta-se na arquitetura, expande-se na atmosfera. Os móbiles desenham no espaço, desmaterializam-se, resistem à gravidade. Escultura como sopro vital, como energia lúdica, que se renova com o tempo, perde contato com o chão, fazendo do ar e do ritmo elementos formais. Vibra entre estes trabalhos um otimismo desalienante que nos lembra, silenciosamente, que a arte e a graça são formas de resistir – à idiotia, à instrumentalização, à morte.

 

Luiz Camillo Osorio

[Professor do departamento de filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), pesquisador do CNPQ e curador do Instituto PIPA. Entre 2009 e 2015,
foi curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) e, em 2015, curador do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza. É também crítico de arte e curador de
Calder e a Arte Brasileira]

 

2016 - DESENVOLVIDO PELA CONTEÚDO COMUNICAÇÃO