Rumos Artes Visuais 1999-2000 +
Rumos Arte e Tecnologia – Novas Mídias 1998-1999

O programa Rumos foi formulado no final dos anos 1990 com as áreas de Novas Mídias e Artes Visuais. Sua premissa geral – fomentar produções emergentes em todo o território nacional, promovendo mapeamentos, incentivos à produção e trocas entre agentes de diversas regiões – foi aplicada a essas áreas, criando as bases de programas que duraram 15 anos e passando por diversos ajustes ao longo do tempo. Em sua primeira edição, o Rumos Artes Visuais confrontou-se com contrastes regionais que dificultavam um
entendimento comum da arte contemporânea e, sobretudo, dos sistemas de produção, formação e circulação da arte. Experimentações em fotografia e vídeo, na primeira edição e na seguinte, serviram como um meio de convergência entre as produções de contextos tão distintos. Nesse momento, o programa exercia papel legitimador comprometido com uma imagem pluralista do país, ao mesmo tempo que descobria seu potencial como rede de encontro e, potencialmente, de reflexão.

Paulo Miyada

RUMOS ARTES VISUAIS 2001-2003
RUMOS ARTE E TECNOLOGIA – TRANSMÍDIA 2002-2003

Consolidando-se em sua segunda edição, o Rumos Artes Visuais fortaleceu sua identidade como espaço de formação não apenas para artistas, mas também para curadores. Ao mesmo tempo, iniciativas em várias partes do país refletiam a disposição do circuito de arte brasileiro em fomentar e divulgar a produção de artistas em processo de formação, em programas de abrangência nacional ou regional. Estavam sendo feitas apostas para o futuro da arte no Brasil. Ainda que algumas regiões se mostrassem mais resistentes e muitas iniciativas tenham se descontinuado por falta de recursos e planejamento, os espaços para a arte contemporânea se multiplicaram no começo dos anos 2000, tanto em quantidade quanto em diversidade de modelos de gestão. Para parte dos artistas, a ênfase nos debates sobre a novidade das linguagens foi em muitos casos superada pela disposição concreta de atuar em espaços físicos e simbólicos do espaço urbano. Enquanto isso, o Rumos Novas Mídias tornou-se Transmídia, refletindo as urgências em se definir conceitos suficientemente abrangentes para as produções nascentes.

Paulo Miyada

RUMOS ARTES VISUAIS 2005-2006
RUMOS ARTE E TECNOLOGIA – ARTE CIBERNÉTICA 2006-2007

Com 79 artistas selecionados, a terceira edição do Rumos Artes Visuais enfatizou certo
equilíbrio e abrangência na abordagem das linguagens – do desenho ao vídeo, passando pela instalação e pela intervenção urbana –, ao mesmo tempo que concentrou seus esforços reflexivos em pensar os significados associáveis ao conjunto da produção emergente da arte contemporânea brasileira. Nos argumentos dos curadores e palestrantes convidados, foram recorrentes as discussões sobre os contrastes e continuidades entre as particularidades dos contextos locais e as tendências de alcance global. Também foram discutidas algumas das expressões mais comuns nos debates sobre arte brasileira dessa década: os coletivos artísticos; os reflexos de uma crescente internacionalização; e a profissionalização do circuito no que tange a seus mais jovens artistas. Paralelamente, o desenvolvimento recente da área de arte e tecnologia levou à adoção de um terceiro e definitivo nome para sua seção do Rumos: a arte cibernética.

Paulo Miyada

RUMOS ARTES VISUAIS 2008-2009
RUMOS ARTE E TECNOLOGIA – ARTE CIBERNÉTICA 2009

Diante da impressionante multiplicação de programas para artistas emergentes, em
todas as latitudes do país, a abrangente equipe curatorial dessa edição do Rumos Artes Visuais constatou que havia se concretizado uma das metas originais do programa Rumos: certa universalização da ideia de arte contemporânea em escala territorial. Simultaneamente, porém, preocuparam-se com os possíveis
efeitos colaterais dessa expansão, assim como com suas lacunas, omissões e descontinuidades mais graves. As exposições com os artistas selecionados após a etapa de mapeamento deram destaque a reflexões sobre localidade e espaço, o que fez ecoar nas exposições a qualidade inter-regional do programa. Enquanto isso, o Rumos Arte Cibernética alcançou sua última edição, confrontando os possíveis hiatos entre seu campo de atuação e aquele da arte contemporânea.

Paulo Miyada

RUMOS ARTES VISUAIS 2011-2013

Em sua última edição, o programa Rumos Artes Visuais enfatizou a ideia de viagem como seu tema e princípio fundamental – capaz mesmo de suplantar a preocupação da edição prévia com a cultura popular de cada sítio. Em retrospecto, tendo em vista os 15 anos de sua realização, o quadro encontrado mostra que o deslocamento é uma marca dessa geração de artistas e faz parte de suas trajetórias de vida, de suas
oportunidades profissionais e mesmo, em escala internacional, de parte das chaves de leitura de seus trabalhos. Além dos aspectos citados nas outras edições, destaca-se grande mudança na abordagem do
vídeo pelos artistas. Com essa edição, missão parcialmente cumprida, o Rumos Artes Visuais encerrou o modelo que o difundiu, dando lugar a um novo programa transdisciplinar de fomento.

Paulo Miyada

Outros programas nacionais no final dos anos 1990

Se, de meados dos anos 1980 ao princípio dos anos 1990, a singular Galeria Macunaíma da Inap-Funarte do Rio de Janeiro funcionou para artistas em começo de carreira de todo o Brasil como oportunidade para realizar sua primeira exposição individual, no final dos anos 1990 esse papel era cumprido pelo Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo (desde 1989), pela Temporada de Projetos do Paço das Artes (desde 1997), pelo Centro Universitário Maria Antonia e pelos editais de ocupação das salas da Funarte em vários estados do país (mais numerosos, mas com menor visibilidade do que antes) – todos esses programas elegiam, via júri, um conjunto de mostras individuais de pequeno ou médio porte.

Paulo Miyada


O programa Antarctica Artes com a Folha experimentou, em 1996, um modelo que depois poderia ser relacionado com o prêmio CNI Sesi Senai Marcantonio Vilaça (desde 2004), o Prêmio Investidor Profissional de Arte (Pipa, desde 2010), o Prêmio EdP (desde 2010) e outros. Em comum, eles possuem o seguinte programa: promoção de levantamentos nacionais de artistas emergentes (mais ou menos experientes, em cada caso), que conta com um comitê curatorial e resulta em publicações e exposições coletivas com trabalhos significativos dos artistas selecionados. A propagação desses projetos reflete a consolidação da figura dos jovens artistas como parte do circuito da arte no país.

Paulo Miyada

Tecnologia como aposta institucional

A existência de um programa Rumos dedicado às novas mídias, lançado um ano antes do programa de artes visuais, reflete a aposta do Itaú Cultural na tecnologia e na digitalização como meta institucional. Desde sua criação, em 1987, o instituto apostou na digitalização como campo de atuação, o que tomou forma com o pioneiro Centro de Informática e Cultura, cujos desdobramentos hoje atravessam iniciativas como a enciclopédia digital e os bancos de dados dos documentos de Hélio Oiticica e Leonilson. Uma década depois, o Rumos Novas Mídias refletiu esse campo de interesses ao passar a apoiar a pesquisa e a produção de expressões artísticas que contassem com meios digitais, eletrônicos e/ou virtuais.

Paulo Miyada

Emergentes?

O termo emergente refere-se a artistas em começo de carreira e, potencialmente, em processo de crescimento profissional e artístico. Junto com artista jovem, trata-se de um termo cheio de contradições. Do ponto de vista prático, o programa Rumos resolveu a ambiguidade desses termos definindo a participação apenas de artistas com um número máximo de anos de carreira. Isso, no entanto, nunca liberou os curadores de, a cada edição, se debaterem sobre o significado do “novo” na arte contemporânea.

Paulo Miyada


"Jovem" é um termo de convenção, muitas vezes preenchido pelas projeções psicológicas de quem lhe atribui as qualidades do frescor, da espontaneidade, da capacidade inovadora ou iconoclasta. "Jovem" quer dizer "inédito". O "inédito" é um conceito ambíguo, porque nem sempre esconde o fato de que também pode faltar ao trabalho de muitos artistas de 20-25 anos um caráter verdadeiramente independente e singular. É a idade onde as "influências" mais funcionam. "Jovem" pode remeter a uma prática ainda não firmada e consolidada. Muitos artistas "jovens" produzem coisas muitos menos "originais" e singulares do que seus colegas maiores.

Stéphane Huchet, "Rumos: Continuidades ou Big Bang Simbólico?", em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 295

A estrutura do programa

O conceito que norteou o mapeamento promovido pelo programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais 1999/2000 foi o de iniciar um processo e não apenas realizar mais um evento. Assim, o programa não foi pensado como mero mecanismo de captação de atrações inéditas para mostras episódicas. A intenção foi criar uma interlocução mais estreita com o meio artístico [...].

Ricardo Ribenboim, então diretor superintendente do Itaú Cultural, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 5

Desequilíbrios, Nordeste (CE, RN, PI, MA)

Nessa região, quase tudo está por fazer. O ensino das artes visuais não existe na universidade. Os mais próximos desse conteúdo são os cursos de arquitetura e comunicação social [...] Os centros culturais seguem o mesmo perfil de carência absoluta, com uma única exceção: o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza [...]. Registre-se também a existência do Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Produção –, que, inspirado em experiência realizada pelo Torreão, em Porto Alegre, promove ações que contribuem para a reflexão sobre a produção contemporânea.

Angélica de Moraes, curadora-coordenadora, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 11


Desequilíbrios, Sul

Há abundância de cursos universitários específicos de licenciatura em artes (Passo Fundo, Rio Grande, Ijuí, Blumenau e Criciúma) e de bacharelado (Porto Alegre, Pelotas, Novo Hamburgo, Florianópolis e Joinville). [...] As boas condições de ensino promoveram a existência de numerosa e qualificada classe artística, que vem aprofundando e consolidando uma produção de alto nível há pelo menos duas décadas. Paradoxalmente, no entanto, as outras instâncias do circuito são bastante acanhadas, o que resulta em enorme frustração quanto à visibilidade dessas obras.

Angélica de Moraes, curadora-coordenadora, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 11

Os meios da arte contemporânea

Os ensaios curatoriais produzidos na primeira edição do Rumos Artes Visuais refletem um desafio peculiar: a indefinição entre meios e linguagens na arte contemporânea. Embora a diversidade de técnicas que podem conviver nas práticas dos artistas contemporâneos já tenha se tornado um ponto pacífico em muitas escolas e no sistema profissionalizado da arte, ela volta a ser um ponto de pauta quando um programa como o Rumos enfrenta os ambientes profundamente desiguais de cada região do país. Em Porto Velho, Cuiabá ou Rio Claro, o diálogo muitas vezes acaba se concentrando em responder a perguntas como: “O que faz de um trabalho contemporâneo? É preciso ser mais (ou menos) do que uma pintura?”. Nessa primeira edição, os ensaios curatoriais responderam à pergunta de forma oblíqua: apostaram várias vezes em recortes orientados por técnicas específicas – fotografia e vídeo, não por acaso, ocupam lugar central em cinco dos dez dos agrupamentos propostos pelos curadores.

Paulo Miyada


A mostra reúne alguns artistas das principais vertentes da produção artística brasileira contemporânea, mapeadas pela primeira edição do programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais. É, pois, uma espécie de resumo dos caminhos que vêm sendo trilhados pela arte da década de 90: a exploração das imagens fotográficas, videográficas etc., a investigação de suportes e meios não convencionais, a repetição, a modulação e as intervenções no corpo e no espaço.

Fernando Cocchiarale, curador-coordenador, “Vertentes Contemporâneas”, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 142

Especulando o fotográfico

Nas duas primeiras edições do Rumos Artes Visuais, é notável a presença de artistas selecionados por experimentos os mais variados em fotografia e vídeo. Somando esses suportes, pode-se contar mais de um terço dos primeiros participantes dessas edições. Por um lado, a atenção dos curadores a esses experimentos permitiu aproximar o programa de jovens de várias partes do Brasil, mesmo em lugares com poucas escolas dedicadas diretamente à arte contemporânea. Por outro, a difusão e o barateamento de equipamentos os tornavam cada vez mais acessíveis e permitiam uma variedade de ensaios visando “expandir” os limites de cada mídia, seja explorando suas possibilidades de inserção espacial, seja interferindo nos seus processos técnicos.

Paulo Miyada


Consideravelmente fertilizada pelos seus desdobramentos no tempo e na morfologia trazidos com o cinema, o vídeo e a edição eletrônica, a fotografia contemporânea condensa não só poéticas individuais muito nítidas como instaura a mais absoluta relativização do sentido da visão. Manipulada, distorcida, recortada e reconfigurada, a imagem é cada vez menos um índice da realidade e cada vez mais a construção de uma sintaxe artística. Nesse sentido, é a mais acabada expressão de uma época (a nossa) que viu ruir todas as certezas.

Angélica de Moraes, curadora-coordenadora, com João Henrique do Amaral, “Fotografia: o Espelho Infiel”, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 12

Mapeamento inicial como legitimação

Com média de idade entre os artistas selecionados um pouco maior que a das edições posteriores – 32 anos –, o primeiro Rumos Artes Visuais expôs, ao lado de jovens de vinte e poucos anos, uma quantidade significativa de artistas que não podiam ser exatamente caracterizados como “talentos emergentes”, mas, sim, como artistas consolidados em suas regiões, que passavam por processo de legitimação em escala nacional.

Paulo Miyada

Políticas culturais na era do incentivo fiscal

Mesmo considerando que os investimentos por meio de lei de incentivo superam os fomentos feitos diretamente com recursos da União, as políticas culturais dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva conseguiram enfatizar uma imagem da cultura nacional baseada na diversidade de suas regiões e grupos sociais. Se, por um lado, os principais equipamentos culturais e fluxos de investimento em eventos e espaços expositivos continuam concentrados entre São Paulo e Rio de Janeiro, por outro, foram ensaiadas políticas afirmativas para os demais estados e ganharam visibilidade programas com mote de integração intra-regional. O próprio Rumos pode ser aí contextualizado: trata-se de um programa de escala nacional, cujos princípios celebram a diversidade e o potencial cultural brasileiro, viabilizado pela lei federal de incentivo à cultura.

Paulo Miyada


Em 1986 foi promulgada a primeira lei de incentivo fiscal no Brasil – conhecida como Lei Sarney. Foi o primeiro instrumento legal por meio do qual o governo disponibiliza um montante de sua arrecadação, da qual abrirá mão, a agentes da iniciativa privada que investirem recursos financeiros em projetos culturais previamente aprovados por instâncias governamentais. Na gestão federal de Fernando Collor, no princípio dos anos 1990, a política cultural apostou na redução dos incentivos públicos diretos, manifesto pelo fechamento da Funarte e na revogação da Lei Sarney. Fundada em seguida, por pressão da sociedade, a Lei Rouanet criou um novo canal de incentivo fiscal, mantido após a refundação da Funarte, em 1992. Durante as duas décadas que se seguiram, a difusão das iniciativas apoiadas pelo Ministério da Cultura por meio da lei de incentivo potencializou a realização de médios e grandes eventos e a criação ou a consolidação de espaços culturais financiados majoritariamente por bancos e outras instituições privadas.

Paulo Miyada

Viagens como escola 1

Além de proceder ao levantamento segundo os índices de contemporaneidade e indicar artistas para mostras itinerantes, a equipe de curadores fez, em cada região visitada, um breve diagnóstico da situação do ensino, da difusão e do estado técnico e conceitual das artes visuais [...]. Uma vez que o programa está baseado em complexo conjunto de ações, entre elas as exposições, certamente as atividades que a instituição vem promovendo deverão propiciar mudanças qualitativas de que breve saberemos as conseqüências.

Maria Eugênia Saturni, coordenadora, em Rumos Artes Visuais 1999-2000, p. 9

Formação de artistas e, também, de curadores

O programa tem como principal objetivo colaborar no processo de formação dos artistas e curadores participantes, recém-surgidos no circuito artístico. [...] Com base no conceito de que o confronto das produções regionais reforça a multiplicidade e a riqueza da arte brasileira, a cada edição do programa são selecionados artistas e indicados curadores de várias partes do país. Ganha destaque assim a arte feita além do tradicional circuito representado pelas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Itaú Cultural, “Mapeamento da Produção Emergente”, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 6


Foram ajustados os modos de organização das equipes curatoriais. Assim, além de se apresentar como divulgador de produções novas, o Rumos Artes Visuais passou a defender seu papel como espaço de formação para os artistas e também para os curadores, que passavam por uma oportunidade excepcional de renovação de ideias e repertórios em escala nacional. Em alguns casos, os curadores adjuntos experimentaram no Rumos uma de suas primeiras atividades profissionais; assim como os artistas, parte deles adensou sua trajetória a partir daí e outros procuraram caminhos paralelos, no ensino ou em outras áreas ligadas à pesquisa artística.

Paulo Miyada

Absorção dos artistas jovens pelo circuito (São Paulo)

O Centro Cultural São Paulo e o Paço das Artes realizam projetos semelhantes de seleção por meio de portfólios de artistas jovens, que são contemplados com mostras individuais ao longo do ano, realizadas em paralelo a exposições de artistas com trajetória consolidada. Os dois museus de arte contemporânea da cidade – Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM, e Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC/USP – também têm projetos voltados para a produção jovem: o Panorama de Arte Brasileira, do MAM, é realizado bienalmente e mescla trabalhos de artistas consagrados com os de emergentes, assim como o Heranças Contemporâneas, do MAC.

Juliana Monachesi in Cristina Freire, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p.18


Absorção dos artistas jovens pelo circuito (Rio de Janeiro)

O interessante a observar é a forma como vem ocorrendo certa permeabilidade entre o ensino institucional de arte e os núcleos alternativos administrados por artistas. [...] Além de estarem se tornando uma referência às artes, assim como um acontecimento nas cidades, são iniciativas que, no decorrer de suas experiências, estão tomando a dimensão de uma política cultural e social, graças a sua natureza relacional e crítica. [...] Esses grupos são os mais atuantes no cenário artístico carioca e fluminense e aglutinam, em torno deles, boa parte da produção artística emergente. São eles: Atelier DZ9, Portas Abertas e Prêmio Interferências Urbanas (coordenado por Júlio Castro), Espaço Agora, Projeto Capacete, Galeria do Poste (Niterói), Zona Franca e Projeto Dromo.

Marisa Cesar Flórido e Fernando Cocchiarale, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 14


Absorção dos artistas jovens pelo circuito (Belo Horizonte)

Entre os espaços expositivos da cidade, vale ressaltar o esforço que vem sendo realizado pelo Centro Cultural da UFMG, que tem priorizado a apresentação de mostras individuais de jovens artistas, tornando possível uma importante etapa na maturação do processo de trabalho destes.

Paulo Schmidt e Fernando Cocchiarale, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 13


Absorção dos artistas jovens pelo circuito (Olinda e Recife)

O Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, situado em Olinda, conserva rico acervo de arte moderna. Tem galerias para exposições, mas suas condições físicas ressentem-se da falta de conservação. Foi a sede do Salão dos Novos, realizado em 2000, evento que se mostrou importante por dar visibilidade a vários artistas em processo de afirmação de suas trajetórias. [...] Situado na sede do Departamento de Extensão Cultural [da UFPE, Recife], o IAC realiza, na Galeria Pequeno Formato, mostras de porte reduzido de jovens artistas da cidade.

Maria do Carmo de Siqueira Nino e Moacir dos Anjos, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 28

Rotas alternativas

Por afirmar apostas em artistas em formação, muitas vezes mostrando alguns de seus primeiros trabalhos, o Rumos selecionou diversos profissionais que acabaram mudando de área de atuação nos anos que se seguiram. Nesse grupo estão aqueles que declaradamente preferiram atuar em áreas criativas diversas – como cenografia, direção e produção – e também os que continuaram produzindo, mas sem interlocução, intensidade e quantidade suficientes para se manterem inseridos no circuito das artes visuais.

Paulo Miyada


Uma parcela significativa dos artistas participantes do Rumos tiveram alguma formação acadêmica na área de artes visuais; desses, muitos ingressaram em programas de pós-graduação e, posteriormente, passaram a atuar como professores. Para alguns, isso garantiu um lugar de pesquisa e aprofundamento do trabalho, enquanto, para outros, houve relativa desaceleração da produção e participação em exposições.

Paulo Miyada

Desafio institucional

Até quando vamos enviar curadores para rastrearem situações de arte contemporânea e, de consciência limpa e dever cumprido, constatar mais uma vez que por ali nada acontece? É tirânico esperar parcerias quando já sabemos que elas não têm condição de se estabelecer. O problema é muito mais profundo, e necessita-se saber dar sem esperar receber. Já não basta a inclusão no mapa de um olhar descompromissado, é necessário criar um mapa de ações efetivas e generosas.

Eduardo Frota e Jailton Moreira, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 22

A necessidade da formação em detrimento do espetáculo

[Nas bienais Ceará América (Fortaleza, 2002) e do Cariri (Juazeiro do Norte, 2001)] segue-se com o pensamento do poder messiânico dos grandes projetos, porém sem o lastro cultural devido, correndo o risco de terminarem não encontrando sustentação adequada nas frágeis malhas culturais. São propostas que embora bem-intencionadas buscam apenas uma visibilidade, negligenciando as carências de formação. Enganam-se ao achar que certas lacunas de toda uma dinâmica cultural possam ser suprimidas pelo poder mágico do grande evento.

Eduardo Frota e Jailton Moreira, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 22

Novos espaços, agentes e termos

A composição dos três curadores-coordenadores dessa edição do Rumos Artes Visuais pode ser tomada como um indicativo da renovação dos espaços da arte contemporânea no Brasil. Enquanto Cristina Freire era reconhecida por seu trabalho em uma estabelecida instituição paulista (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), Moacir dos Anjos era então curador de um dos museus fundados fora do eixo Rio-São Paulo no final da década de 1990 (Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, no Recife) e Jailton Moreira era apresentado como fundador de um espaço independente voltado para a arte contemporânea em Porto Alegre (Torreão). Apesar da diferença de estatuto entre as instituições representadas por esses profissionais, a presença de um museu jovem e um espaço independente nesse conjunto reflete a importância crescente desses modelos como referências para abordar a pluralidade do circuito artístico brasileiro.

Paulo Miyada

Vontade de atualização

Existe [...] certo “desencanto” causado pela pouca representatividade da pintura em salões de arte. Para esses artistas, a prática da pintura ou de outros meios mais tradicionais, como a gravura, sempre foi a principal via pela qual a grande maioria se inicia em atividades artísticas [...]. Nesse contexto, os artistas muitas vezes sentem-se impelidos a alterar, às vezes abruptamente, a direção de sua produção, passando a trabalhar com formas expressivas não tradicionais (instalação, performance, novas tecnologias), suposto condicionante de sua inserção no meio de artes na contemporaneidade.

Maria do Carmo de Siqueira Nino e Moacir dos Anjos, “Rio Grande do Norte/Paraíba/Pernambuco”, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 26

A cidade e a sociedade como problema

Em especial no recorte curatorial proposto por Marisa Cesar Flórido – chamado Sobre(A)ssaltos e realizado em Belo Horizonte – experimentou-se refletir sobre uma parcela significativa da geração de artistas mapeados cujos processos de formação e atuação eram fortemente marcados por experiência de autogestão de espaços independentes, formação de coletivos de artistas e imersão nos espaços públicos de suas cidades. Interessados em retomar certa atitude de confrontação com a realidade social e, ao mesmo tempo, buscar novas formas de organização e colaboração, esses artistas estimularam a curadora a propor uma itinerância que envolvia a proposição de novas obras e ações, a ser formuladas especialmente para a cidade que receberia o recorte. Infelizmente, a segunda itinerância dessa mostra, que iria a Porto Alegre, acabou cancelada – o que impediu que a proposta se desdobrasse com as variações que outra cidade poderia incitar.

Paulo Miyada


São poéticas que guardam entre si e as cidades a contaminação e a dispersão dos territórios: a flutuação de fronteiras e de significados entre o autor e o espectador, a arte e o mundo. Uma constituição relativa que implica e evidencia a trama de relações na qual esses trabalhos se inserem, engendram e criticam: uma trama de afetos, sistemas e fenômenos exteriores ao universo soberano e autônomo da arte moderna, às condições abstratas e ideais de espaço e de tempo que esta reivindicava. Invadindo-se pelas alteridades, deslocam-se para os espaços do mundo, realizam-se na circunstância e nos encontros fortuitos, submergem na entropia urbana.

Marisa Cesar Flórido, “Sobre(A)ssaltos”, em Rumos Artes Visuais 2001-2003, p. 135

Glossário de conceitos

Ambientes imersivos, arte biológica, arte telemática, inteligência artificial – esses foram alguns dos conceitos levantados pela edição do Rumos Transmídia visando criar vocabulário para pensar os caminhos percorridos por artistas e pesquisadores das interações entre processos artísticos e mídias digitais e/ou novas tecnologias. Com a disposição em colaborar para o amadurecimento desse debate, o programa não apenas envolvia a exposição de artistas selecionados por uma comissão de curadores, mas também fomentava o desenvolvimento de obras a partir de concepções iniciais e a publicação de pesquisas teóricas.

Paulo Miyada


O Rumos Transmídia reuniu pesquisa e produção em seu escopo. Essa foi uma iniciativa que refletiu a trajetória de muitos artistas engajados em promover obras e debates sobre arte e tecnologia no Brasil – muitos deles ligados a universidades, fosse em São Paulo, fosse no Rio de Janeiro ou em Brasília. A essa altura, os programas de pós-graduação acabaram absorvendo (e formando) diversos dos artistas e pensadores que participaram dessa edição do Rumos, além de ter ajudado a viabilizar algumas de suas propostas, uma vez que sua escala, complexidade e custo constituíam desafios para sua inserção imediata no circuito consolidado da arte contemporânea.

Paulo Miyada

Arte, simplesmente

Com abrangência notável de linguagens e recursos, essa edição diminuiu o pendor notado anteriormente para este ou aquele suporte ou para a supervalorização de formas evidentemente “contemporâneas”. Desenho, pintura, fotografia e vídeos conviveram sem necessariamente se apresentar em suas formas “expandidas” ou “instalativas” – ao mesmo tempo que a presença de coletivos e ações perfomáticas demandaram viagens e ações em espaços públicos. Isso pode ser atribuído ao amadurecimento geral do circuito artístico contemporâneo, já menos preocupado em afirmar explicitamente sua diferença para com a tradição.

Paulo Miyada

Arte brasileira

[...] até que ponto Rumos me pareceu um projeto utópico, no sentido de desejar, além de articular diversos centros do Brasil, unificá-lo, com a apresentação conjunta de artistas de formação e procedência tão díspares? [...] Ao tentar perceber como um jovem curador brasileiro vê a arte denominada brasileira, damos de frente com uma nebulosa, tal o emaranhado de palavras que não conseguimos decifrar: “Não há uma arte brasileira no sentido naturalizante de algo identificável espontaneamente. O conceito de arte brasileira é um produto artificial de vontade de representação”. Seria mais fácil dizer que “arte brasileira” é um termo artificioso. Porém, para mim, arte brasileira, há muitos anos, é a arte realizada no Brasil. Ponto.

Aracy Amaral, “Introdução”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 19


Visitar Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nos obriga a alargar alguns conceitos: o que é Brasil e o que é arte contemporânea. São Estados que se sentem muito mais próximos das culturas dos países fronteiriços (Bolívia e Paraguai) do que das metrópoles litorâneas ou de São Paulo e que ainda buscam se acomodar à divisão do grande Estado de Mato Grosso nos anos 70. [...] Em Mato Grosso o discurso foca a importância do estabelecimento de parâmetros estéticos locais independentes dos centros de poder da arte. Não houve acesso à produção emergente, mas o pouco que foi mostrado demonstrou a forte ligação com a arte popular, a arte naïf e o artesanato. Os artistas que não bebem nessas fontes voltam-se para experimentações de materiais sob moldes acadêmicos.

Cristiana Tejo, “Mato Grosso”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 84


O artista em Rio Branco “aspira” a ser contemporâneo, mas ganha a vida fazendo artesanato. Muitas vezes, essas duas linhas de atividade coexistem sem muito sucesso, vale dizer. Cabe fazer a distinção entre uma situação como a de Americana (interior de São Paulo) e a de Rio Branco: são duas modalidades de autodidatismo que não se equivalem. É possível sentir, na cidade de Rio Branco, um grau mais agudo do olhar: “Nós precisamos desnaturalizar o olhar”, na frase de Hélio Melo.

Lisette Lagnado e Aracy Amaral, “Rio Branco, Acre”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 36

Local/global

Arte contemporânea do Brasil pressupõe arte concebida a partir dos espaços compreendidos dentro de uma dada temporalidade, dentro da qual vivemos. E quais são esses espaços? Aqueles por nós percorridos, de norte a sul, de leste a oeste do país, em toda a sua diversidade, apesar da tentativa de unificação a partir dos cada dia mais poderosos meios massivos de comunicação, que impõem um comportamento e uma mentalidade, a despeito da manutenção de peculiaridades e atributos em muitos quadrantes do Brasil. E peculiaridades são irrigadas simultaneamente pela tradição e/ou pelas circunstâncias cotidianas, assim como pela avassaladora informação externa.

Aracy Amaral, “Introdução”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 9


Global e local são termos, portanto, relacionais – assim como o são centro e periferia –, e não descrições de territórios físicos ou simbólicos bem definidos e isolados. As relações entre essas instâncias não são estabelecidas, entretanto, de modo polarizado, havendo entre elas extensa rede comunicativa destinada à “negociação da diversidade”, da qual fazem parte a mídia, a academia, os museus e diversas outras instituições. A intensificação das relações de troca nessa rede as torna gradualmente impuras, integrantes de um campo onde, em menor ou maior medida, formas culturais que antes não existiam são entretecidas. São esses contatos constantes entre o que é diferente que produzem, por fim, o caráter multicultural das sociedades contemporâneas.

Moacir dos Anjos, “O Local e o Global Redefinidos”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 279


Local/global (Recife)

Diferentemente da geração 90, que buscava conciliar a cultura local com as influências vindas de fora (apesar de uma grande diversidade), a geração 2000 em sua maioria apresenta uma produção com sotaque atenuado, ou seja, com pouca referencialidade com a cultura popular de Pernambuco ou com traços que poderiam ser identificados como sendo de um determinado lugar. Os grupos se aglutinam de acordo com seus interesses e repertórios e são muitos os artistas jovens que se organizam em rede com artistas de Porto Alegre, São Paulo, Fortaleza, João Pessoa, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, quebrando essa persistente dicotomia Centro e periferia.

Cristiana Tejo, “Sotaques Atenuados e Proliferação de Centros”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 209


Local/global (Brasília)

Talvez seja esta a questão que realmente nos interessa: a circunstância geográfico-simbólica de determinado conjunto de obras define um certo tipo de abordagem, um certo olhar sobre/do mundo? Essa é uma pergunta que assedia muito mais freqüentemente os leitores/comentadores do que os artistas, quando elaboram seus trabalhos. Encarada como referência que pode orientar as visitas aos ateliês, as discussões de projetos com artistas, as leituras de portfólios enviados, ela também parece sempre se construir entre a documentação e a interpretação ficcional, assim como nos ensinaram a geografia e a cartografia.

Marília Panitz, “Brasília, Centro Excêntrico”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 273

Coletivos

Escrever sobre a arte que está sendo feita no Brasil em grandes centros pressupõe dominar ou assumir toda uma terminologia implantada a partir dos últimos certames, como “coletivos”, “interativos”, “artistas em residência” etc. Por parte do jovem artista, assinala uma aceitação em “pertencimento” – expressão muito utilizada – a toda uma postura de grupo e a abdicação, em vários casos, a um proceder individual e recolhido. Na verdade, esses termos não apontam para nada de novo, pois arte ‘interativa’, com outra denominação, “arte participante”, existia, como se sabe, com grande ênfase nos anos 60 entre nós e no exterior. “Em residência” é, igualmente, um sistema de trabalho-estímulo para artistas existente há muito no exterior e que aqui aportou nos últimos anos, enquanto “coletivos” tem um sentido aproximado de “grupos”, reunião de artistas com algum objetivo comum.

Aracy Amaral, “Paradoxos Brasil”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 115


A participação do coletivo Cine Falcatrua e do projeto colaborativo Re:Combo nessas edições do Rumos Artes Visuais e Rumos Arte Cibernética, respectivamente, marcam no Brasil o auge (entre 2003 e 2006) de um ciclo de multiplicação de coletivos de criação ou colaboração artística desde o final da década de 1990. Trata-se de iniciativas de formato e dimensão variáveis, por vezes abrangendo produção de autoria compartilhada, noutras apenas articulando o trabalho pessoal de cada participante. Em todo caso, funcionaram como espaços de circulação de ideias, encontro e conexão inter-regional e proposição para a cena artística e/ou para as suas cidades – com potencial para atuar além da zona de alcance das instituições.

Paulo Miyada


Participaram do Rumos Artes Visuais os grupos/coletivos: Ateliê Aberto (Campinas, SP), Mergulho (Porto Alegre, RS), Anti Prosa (Brasília, DF), Grupo EmpreZa (Goiânia, GO), Coletivo Gráfica Utópica (Rio de Janeiro, RJ), Grupo PS (Joinville, SC) e GIA (Bahia). Além disso, participaram artistas que eram ou estiveram ligados a muitos outros grupos, incluindo o Grupo Camelo (Recife, PE), Núcleo Performático Subterrânea (São Paulo, SP), Laranjas (Porto Alegre, RS), Transição Listrada (Fortaleza, CE), Atrocidades Maravilhosas (Rio de Janeiro, RJ), Urucum (Macapá, AP) e o Branco do Olho (Recife, PE). Pela simples variedade e quantidade desses grupos, atesta-se a relevância que tiveram para essa geração – ainda assim, sua manutenção e continuidade enfrentam os mesmos desafios que os espaços independentes. Dos grupos citados, apenas EmpreZa e GIA estão ativos como lugar de produção artística de autoria coletiva.

Paulo Miyada

Galerias, mercado e internacionalização

Nas primeiras edições do Rumos Artes Visuais, pode-se encontrar exemplos pontuais de artistas que, pouco tempo após sua participação no programa, foram convidados a ser representados por galerias comerciais de médio e grande portes. Em meados da década de 2000, isso começou a se tornar mais e mais frequente. Mesmo que, para esses artistas, ser representado por uma galeria nem sempre implique uma fonte de renda garantida, costuma significar um aumento de visibilidade no circuito da arte contemporânea; multiplicam-se possibilidades de contato e fomento e, nesta geração, não são raros aqueles que realizaram suas primeiras exposições individuais com menos de três anos de trajetória.

Paulo Miyada


Desde o começo dessa década, cresceram as oportunidades para residências e exposições coletivas e individuais de brasileiros no exterior, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Em um primeiro momento, isso se fez de forma pontual – em parcerias e iniciativas galgadas caso a caso pelos artistas ou suas galerias, às vezes contando com pouca infraestrutura e recursos. Dali em diante, essas oportunidades continuaram se multiplicando até alcançar a conjuntura atual, em que se contam anualmente mais de uma dezena de exposições e programas internacionais dedicados à arte brasileira, seja de nomes consagrados, seja de artistas emergentes.

Paulo Miyada


A exibição da produção contemporânea de regiões comumente subordinadas aos mecanismos globais de legitimação simbólica sem reduzi-la a estereótipos identitários não significa, ademais, o apaziguamento dos embates que o controle daqueles mecanismos promove. Expressa, apenas, a gradual e lenta absorção da diversidade cultural do mundo no sistema de artes internacional, incluindo, ainda que de forma quase episódica, acesso a seus espaços de valorização patrimonial.

Moacir dos Anjos, “O Local e o Global Redefinidos”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 284


No Sudeste e no Sul, então, só pode nos surpreender sua possibilidade de se apresentar em individuais e coletivas nos mais diversos países da América Latina (como Argentina, Cuba, México), Europa (Finlândia, Alemanha, França, Espanha etc.) e Ásia (Austrália, Índia, Indonésia). Ficamos nos indagando se essas articulações se operam via internet, ou se são resultado do interesse corrente de curadores de vários países por artistas jovens em geral e dos deslocamentos constantes desses mesmos curadores. Ou se são uma malha de contatos que se intensificam a cada ano, e que propiciam o intercâmbio cujo alcance de contaminação por certo é impossível prever nesse nomadismo globalizante que hoje em dia povoa currículos de artistas que ainda não chegaram aos 35 anos.

Aracy Amaral, “Paradoxos Brasil”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 115-116

Iniciativas em destaque (Bolsa Pampulha)

Vale aqui mencionar com atenção o projeto da Bolsa, dado que na seleção final de Rumos, dos sete artistas de Minas Gerais, cinco foram ou são bolsistas. Concebido pelo Museu da Pampulha (com o apoio da prefeitura de Belo Horizonte), trata-se de uma reformulação do antigo Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte, hoje transformado num programa de estímulo à produção emergente que concede a 12 artistas, bienalmente, bolsas de incentivo para que produzam novas obras. Os artistas residem em Belo Horizonte por um ano e realizam exposições individuais, aos pares, no Museu da Pampulha, ao longo do ano seguinte. Durante o primeiro ano, todos recebem visitas mensais de acompanhamento, realizadas por críticos e curadores. Em 2004, ocorreram as exposições do primeiro grupo de bolsistas.

Luisa Duarte, “Minas Gerais”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 89


Iniciativas em destaque (Alpendre e Dragão do Mar)

O número expressivo de artistas de Fortaleza presente na seleção final reflete o surgimento de uma capital que abriga uma produção emergente qualificada, que merece olhos atentos daqui para frente. A cena não só possui artistas talentosos, mas nota-se que se trata de uma geração informada, que chega com portfólios bem apresentados e um trabalho que reflete um conhecimento do que se passa na arte contemporânea. Verifica-se também uma pluralidade de investigações: obras de teor político, investigações sobre o corpo, pesquisas de caráter mais subjetivo, performances, coletivos etc.

Luisa Duarte, “Fortaleza”, em Rumos Artes Visuais 2005-2006, p. 63

Ponto digital

Em 2002 foi inaugurada a sede reformada do Itaú Cultural. Nela, o espaço de convivência era ocupado com destaque pelo Ponto Digital, ambiente de mobiliário e tecnologia “futurista” – um pouco à maneira do imaginário dos anos 1960 – no qual o público poderia acessar a internet e materiais audiovisuais. Também nesse ano se formou o Itaulab – núcleo de proposição de projetos na área de arte e tecnologia responsável pelo programa Emoção Art.ficial e por outras proposições que procuraram enfatizar abordagens poéticas com sistemas de interatividade.

Paulo Miyada

Arte Cibernética

Campo de estudos interdisciplinar, a cibernética foi estruturada a partir dos anos 1940, cruzando teorias e mecanismos regulatórios de sistemas em comunicação e interação constante com seu contexto. Ao eleger o conceito de arte cibernética, o Rumos afirmava que seus interesses na experimentação tecnológica no campo da arte faria da interação o seu cerne. Seja entre homem e máquina, seja entre ambiente e máquina ou máquina e máquina, a concepção de sistemas capazes de responder de modo orgânico a dinâmicas de interação e mudança deveria ser privilegiada como caso mais pregnante das relações entre arte e novas mídias. A própria seleção dos trabalhos a ser produzidos foi direcionada por esse mote, que, desde 2002, vinha ganhando contornos dentro do Itaú Cultural com o seminário e a mostra bienal Emoção Art.ficial.

Paulo Miyada

Latitudes (Feira de Santana)

Com um campo de arte em plena formação [...] Feira intriga seus visitantes quando, por exemplo, revela possuir grupos de estudos de arte contemporânea (um deles com dez anos de existência, e que dedicou seus encontros de 2007 à discussão da Documenta 12) ou artistas que já participaram, por exemplo, da Bienal de Veneza. Assim, ainda que tais iniciativas sejam fruto da ação isolada de alguns, têm preparado o terreno local para uma aproximação paulatina aos referenciais da produção contemporânea em arte.

Clarissa Diniz, “Feira de Santana”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 75


Latitudes (Uberlândia)

O museu [MuNA] é um verdadeiro laboratório para a UFU. Suas ações são coordenadas pelos próprios professores, como já referido anteriormente, e estudantes de graduação encontram nos seus programas espaço para o desenvolvimento de estágio e pesquisas de iniciação científica [...] Existe uma grande preocupação por parte dos professores que conduzem as atividades do MuNA em fazer com que cada mostra torne-se um programa especial de formação. [...] A cena de Uberlância causou muito boa impressão pelas diferentes estratégias e ações de formação e fomento à jovem produção. Localizada no Triângulo Mineiro e, pela sua própria condição geográfica, bem distante da capital, seus maiores interlocutores estão nos estados de São Paulo e Goiás.

Janaina Melo, “Uberlândia”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 111-113


Latitudes (Vitória)

Na galeria Homero Massena acontece o projeto Bolsa de Ocupação. O projeto, promovido pela secretaria de estado da cultura, tem como principal objetivo conceder bolsas para artistas em início de carreira. Sua estrutura geral consiste na seleção anual de artistas. Durante um período de cinco meses os selecionados recebem uma bolsa de fomento à produção e ocupam o espaço anexo à galeria como ateliê. Nesse período, são acompanhados por um orientador indicado pelo próprio artista. Ao final do programa realizam exposição dos resultados, abrindo o ateliê ao público [...] O projeto é de suma importância, à medida que oferece condições e espaço de trabalho e pesquisa para o jovem artista. Configura-se, ainda, como uma estratégia de fomento à formação, até então inédita no estado.

Janaina Melo, “Vitória”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 109


Latitudes (Curitiba)

A capital do Paraná concentra, atualmente, os principais mecanismos de desenvolvimento de pesquisa em artes visuais e infraestrutura pública para exposições no sul do Brasil. A Bolsa Produção, projeto da Fundação Cultural de Curitiba em parceria com a prefeitura municipal, é o principal instrumento de estímulo para os artistas emergentes da cidade. Atualmente na sua terceira edição, esse projeto concede aproximadamente dez bolsas anuais para artistas locais, com acompanhamento de curadores e realização de uma exposição ao final do período.

Gabriela Motta, “Curitiba”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 163

Equipe nacional

Essa edição do Rumos retomou o formato expansivo de sua equipe curatorial, envolvendo 13 curadores, selecionados entre profissionais ativos em cada região do país. Claramente comprometida com a representatividade de cada região no corpo de curadores, a edição conseguiu reunir profissionais residentes em nove estados diferentes.

Paulo Miyada

Universalismos

O melhor da arte hoje é não privilegiar nenhum meio e tratá-los, todos, horizontalmente, procurando a potência poética dos trabalhos, por isso a quase milenar xilogravura pode conviver lado a lado com vídeos que fazem uso de avançados recursos de computação gráfica. Isso seria a maior conquista daquilo que vem sendo chamado – a partir de Rosalind Krauss – de “arte na era pós-medium”. Nenhum meio, seja pintura, gravura, escultura, instalação, fotografia ou vídeo, nunca foi nem vai ser garantia de talento poético e qualidade artística.

Paulo Sergio Duarte, “Trilhas do Desejo”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 13


Algo que se pode notar, não somente nesta edição do Rumos, mas em diferentes mostras de arte contemporânea no Brasil, é o amplo predomínio do mundo urbano sobre o mundo rural. Este, quando aparece, e é raro, é tratado por linguagens urbanas e as preocupações estão mais voltadas para uma perspectiva influenciada pela ecologia e pelas questões ambientais do que para aquelas propriamente rurais. A arte responde ao deslocamento brutal provocado pelo processo anárquico da urbanização no país. De 45% da população residente em áreas urbanas em 1960, passamos a 81% no ano 2000.

Paulo Sergio Duarte, “Trilhas do Desejo”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 15

Supressão do artesanal?

Ao crescimento do campo da arte contemporânea muitas vezes tem sido equivalente o desmantelamento, e mesmo supressão, de outros sistemas de articulação da produção em arte. A valorização das linguagens, da estética e do pensamento da arte contemporânea quase sempre tem acontecido no Nordeste em detrimento da negação do valor daquilo (e daqueles) que estão fora do modelo da contemporaneidade artística [...] um preocupante panorama de crise entre gerações, agravado pela reestruturação do ambiente institucional que, elegendo como foco a produção contemporânea, termina por não conceder a relevância necessária às obras que conformam uma história da arte de cada localidade [...].

Clarissa Diniz, “Nordeste, Outros Estados (BA, AL, SE, PE)”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 70


[...] a premência do artista em ter sua produção avalizada e inserida no “cânone contemporâneo”, por assim dizer. Esse clamor é sensível sobretudo em estados do Norte e do Nordeste – não por acaso regiões em que o “elemento regionalista” é muito forte na produção, fundindo-se de modo compreensível, mas por vezes um tanto confuso ou equivocado, nos trabalhos de arte. Equivocado porque desprovido da relativa singeleza e espontaneidade – ainda que esquemática – esperadas do produto artesanal que emblematiza uma cultura específica, ou porque a incorporação deliberada desses estilemas aponta para aspirações de outro cunho, sem, no entanto, articular a contento esta transposição.

Guy Amado, “Longitudes, (L)Atitudes e Regionalismos”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 20, p. 70


Por meio das conversas nos ateliês, com poucas exceções, os artistas demonstram ressalvas a respeito das “condutas” contemporâneas, muitas das vezes confundidas como uma imposição do “colonialismo interno” que não respeita suas diferenças e os impele a abandonar suas raízes em detrimento de um modo de pensar puramente globalizado. De tudo, permanece uma certeza – o Acre é um local propício ao investimento das instituições culturais, justificado pela qualidade e independência de seus artistas.

Armando Queiroz, “Região Norte, Acre, Rio Branco”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 30, p. 70

Lacunas

Diversas cidades, incluindo capitais, continuaram descritas pelos curadores viajantes como espaços de precariedade institucional – com falta de lugar de formação e pouca visibilidade para os poucos artistas locais interessados na arte contemporânea. É o caso de São Luís, Maranhão, para citar apenas um exemplo. O ponto em comum entre tais lugares é a virtual ausência de políticas públicas (continuadas ou mesmo esporádicas) nesse nicho da cultura – o que torna um esforço como o do programa Rumos insuficiente como estímulo para a dinamização e conexão dos artistas.

Paulo Miyada


Ao mesmo tempo que o Rumos Artes Visuais enfatizava a possibilidade de colaboração entre curadores ativos nos mais variados estados do país, as viagens de sua equipe demonstraram que, ao longo desses anos, algumas cidades (apesar de contarem com significativo número de artistas contemporâneos e circuito artístico mais ou menos dinâmico) não chegaram a formar uma geração de curadores, pesquisadores ou críticos. A curto prazo isso não impediu que cidades como Goiânia e Salvador tivessem artistas mapeados e selecionados pelo Rumos, mas a médio prazo os viajantes começaram a identificar a falta de novos profissionais nessa área como um fator que dificulta a profissionalização do meio e esmorece o desafio contínuo às pesquisas poéticas do artistas locais.

Paulo Miyada

Possível descolamento com o concreto

A ausência de temáticas sociais mais fortes é outro traço que chama a atenção, não apenas entre os artistas selecionados, mas entre todos os inscritos. Não vi nenhum trabalho que fizesse referência, mesmo indireta, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou à favelização do país, por exemplo. Os temas, quando presentes, com frequência estão ligados à existência mais imediata e individual [...].

Paulo Sergio Duarte, “Trilhas do Desejo”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 15, p. 70


Em conversas informais é que me foi passada a compreensão de que o neto do migrante nordestino da construção civil dos anos 1960, filho do operário sindicalizado das grandes greves de maio de 1978, pôde estudar e tornar-se artista, isto é, no mínimo, um panorama esclarecedor do que representa a região hoje no Brasil. Santo André e o Grande ABC não têm a devida moeda de câmbio cultural com a capital. O sistema paulistano de arte dá as costas para a realidade e a vida do ABC e comenta-se a miúdo que os curadores da capital não visitam a região. Há algo a ser descoberto neste mil-folhas pós-industrial.

Marcio Harum, “Santo André”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 151-152

Descontinuidades

Talvez um dos principais atributos do programa Rumos em sua primeira formulação tenha sido sua continuidade, que pode ser contraposta, por exemplo, a uma grande quantidade de programas regionais destacados por um ou outro mapeamento e depois descontinuados. Programas de bolsa de produção, salões, residências e até bienais promovidas pelas secretarias de cultura de municípios e estados foram iniciados e interrompidos por mudanças de gestão, enquanto iniciativas privadas – fossem comerciais, fossem independentes – por vezes se esvaíram por demandas econômicas e/ou exaustão de seus promotores.

Paulo Miyada


Um fato relevante apontado no mapeamento anterior e que merece observação era uma presença mais significativa de galerias focadas na produção emergente. Pode-se dizer que, atualmente, todas as principais galerias comerciais cariocas têm um núcleo dedicado a esses artistas e que algumas delas voltam-se integralmente a eles [...] Porém, esse fenômeno das galerias merece observação mais detida, pois, às vezes, se tem a impressão de que a abertura desses espaços é proporcional ao número de fechamentos.

Guilherme Bueno, “Rio de Janeiro”, em Rumos Artes Visuais 2008-2009, p. 128

Lugar e espaço

Dos quatro curadores adjuntos – Alexandre Sequeira, Christine Mello, Paulo Reis e Marília Panitz –, três deles (os primeiros) propuseram recortes curatoriais apoiados em termos teóricos e metafóricos sobre espaço e lugar nos seus textos, “Mirantes”, “Espaço em Relação” e “Um Lugar a Partir Daqui”. Em comum, procuraram afirmar a afinidade da arte com o campo de relações que transforma o espaço – noção geométrica e objetiva – em lugar – situação social e cultural.

Paulo Miyada


Também os trabalhos selecionados demonstraram uma forte ênfase na espacialidade de suas montagens. Repertórios e linguagens da pintura, da escultura, do objeto, do desenho e até da gravura foram processados pelos artistas em “fomas instalativas” – quer dizer, em montagens que se resolvam integradas ao espaço expositivo, muitas vezes criando ambiente imersivos para os visitantes ou, pelo menos, explorando volumes e planos na escala dos elementos arquitetônicos do espaço (paredes, pilares, bancos etc.).

Paulo Miyada

Arte, também, cibernética

Uma vez que o Rumos Arte Cibernética buscava privilegiar não apenas a interatividade, mas também o sentido poético das produções selecionadas, sua existência paralela e separada em relação ao Rumos Artes Visuais passou a ser lida como um eventual obstáculo futuro. Como interpretar o fato de que mais da metade dos selecionados nessa edição vinha de formação em engenharia, computação ou outros cursos na área de exatas? E o que pensar da crescente presença de “novas mídias” empregadas pelos artistas selecionados pelo Rumos Artes Visuais? O desafio legado pelos diversos Rumos da área de arte e tecnologia para a reformulação do programa foi como aproximar e cruzar efetivamente o amadurecimento técnico e o emprego agudo da linguagem nos fomentos promovidos pela instituição.

Paulo Miyada

A viagem como princípio

Em lugar de “mapeadores”, como foram designados até a edição anterior, o que certamente não impede que voltem a ser, passaram a ser chamados de viajantes, termo mais afinado com aquele que se coloca à escuta, que se põe em movimento animado pelo interesse no desconhecido, no outro, naquilo que, pela excepcionalidade, leva ao desejo de fixar, registrar em cadernos, câmaras e gravadores, as próteses portáteis da memória. Nada disso supõe o termo ‘mapeador’ ou seu correlato “cartógrafo”, que sempre possuíram, como demonstra Michel Foucault, grande utilidade para os aparelhos de poder. Mapas e sucedâneos são narrativas codificadas, fontes de informações tão precisas quanto possível acerca de regiões a serem conquistadas.

Agnaldo Farias, “Convite à Viagem”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 49


E se é fato que a história, a cultura supera a geografia, que a língua e a arte são territórios constituídos em dimensões transespaciais, que não existe solidão dentro de uma biblioteca ou diante da possibilidade de se ligar a uma rede, também é verdade que o contato direto, a troca, tem uma outra qualidade. Tanto para um quanto para outro. Pois o que dizer do jovem informado, alinhado com as teorias mais avançadas, que desembarca numa realidade tão diversa das generalidades trazidas pelos livros, divulgadas nos currículos escolares?

Agnaldo Farias, “Convite à Viagem”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 56


A viagem como princípio reiterado

Relativizar a geografia, a cartografia e, sobretudo, a assertividade das ciências de conquista é uma tarefa profícua para o campo da arte. Fazê-lo no contexto do Rumos Artes Visuais é uma forma de manter reflexiva essa estrutura de encontro/confronto entre artistas, curadores e público das regiões do país. Nos quase 15 anos do programa, em suas cinco edições, alguns métodos e debates foram estabelecidos, algumas gerações, alguns “Brasis” são afirmados. Nesse formato de iniciativa que mescla premissas da pesquisa de campo à seleção por edital, das ações processuais ao resultado em exposições, postulados limítrofes, ou híbridos, são gerados. Neles, coexistem o desejo de valorizar e, de certa forma, blindar as diferenças (estéticas, educacionais, institucionais) e, num extremo oposto, o desafio de selecioná-las num conjunto restrito e representativo, conforme critérios de qualidade supostamente universais.

Ana Maria Maia, “Volta ao Dia em 80 Mundos”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 225


O viajante está sempre atento aos ruídos e às falhas que se dispõem no diagrama de um encontro. Sabe ainda que sua presença interfere nos fenômenos que observa e, por essa razão, sente-se convidado a, declaradamente, provocar e se oferecer a uma contaminação mútua. Num esforço em desapegar-se das expectativas que ainda mantém, o viajante abre-se à compreensão da ideia de arte que se constrói em cada lugar que visita, e, portanto, terá suas próprias certezas e familiaridades alteradas. O olhar do viajante é constantemente reinaugurado.

Julio Martins, “Relatos de Certa ‘Margem’: Espírito Santo e Minas Gerais”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 155


A primeira coisa que questionamos foi o termo “mapeamento”. Deveríamos então ser simples mapeadores, visto que mapear abrange somente um contexto mais cartográfico? Optamos por explorar e conhecer novos lugares, novas realidades culturais e novos artistas. O termo que mais se adaptou foi “viajor”. Minha alegria foi constatar, na primeira reunião com os 13 curadores, essa mesma preocupação. Nessa reunião ficou definido que seríamos mais viajantes do que mapeadores.

Franzoi, “Começo... o Viajor”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 189

Relativizando o popular e o regional

Não existe mais arte naïf, talvez nem haja cultura popular. Essa é uma invenção erudita do século XX, uma das mais brilhantes, mas está morta. Pode haver arte para turista, arte para galeristas, arte para intelectuais, mas não há mais arte naïf. Fico pensando nisso, enquanto converso com Adriana. Por isso, gosto de me intrigar com a inserção da pintura “primitiva” de Elisa Martins da Silveira na exposição concretista do Grupo Frente, nos idos de 1955, e sua ausência na crítica de Ronaldo Brito. Penso em Adir Sodré e Gervane de Paula na pintura da geração 80.

Marcelo Campos, “Cada Ribanceira É uma Nação”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 150


A consciência desafiadora do isolamento convoca artistas e agentes culturais a refletir sobre as condições de produção e circulação das cenas nas quais atuam. É mediante esse processo que surgem os regionalismos (como comprometimento de parte da produção poética da região com determinados repertórios populares locais). Esses regionalismos comparecem não como uma aptidão, mas como um itinerário ideológico contundente diante das distâncias (geográficas e culturais) impostas pelas dinâmicas de ocupação do território brasileiro. São eles os elementos que fundam um discurso de descentralização da produção artística, a valorização de uma cultura local e um esforço para fomentar estratégias de visibilidade dessas propostas em um panorama nacional. Entretanto, é esse mesmo isolamento o principal obstáculo a ser superado em uma articulação eficiente entre os polos de produção da região.

Matias Monteiro, “Sonhando Distâncias: Mapeamento da Região Centro-Oeste”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 75

Imigrações como fatos consumados

[...] é fato que parte dos artistas que vivem em outros estados, e que hoje são muitos e responsáveis por pesquisas da mais alta qualidade, seguem fixando-se em uma dessas duas cidades atrás de condições institucionais mais sólidas. Artistas mineiros, gaúchos, goianos, paraenses, paranaenses, pernambucanos, brasilienses e baianos, sobretudo os radicados nesses estados, são os maiores responsáveis pela efetiva oxigenação do meio nacional. E a significativa persistência no deslocamento em direção ao Rio e a São Paulo deve-se a perspectivas variadas e convergentes: complementar a formação engajando-se em programas de pós-graduação; enfrentar um meio mais denso e estimulante por meio de associações, projetos conjuntos ou simplesmente pelo compartilhar de ateliês; ganhar visibilidade por meio de mostras coletivas ou individuais organizadas pelas várias instituições existentes, seja ela estabelecida como um museu, rentável como uma galeria ou alternativa [...].

Agnaldo Farias, “Convite à Viagem”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 53

Residências como rota comum

No princípio dos anos 2010, a já consagrada via de acesso de artistas brasileiros ao exterior através de oportunidades de residência internacional expandiu-se ainda mais – com muitos dos selecionados pelo Rumos Artes Visuais já tendo passado por uma ou mais experiências do tipo. Além disso, as residências dentro do próprio país multiplicaram-se e passaram a atrair mais e mais inscrições, seja de pessoas de outros estados, seja de pessoas do exterior ou até da própria cidade. Hoje, destacam-se programas tão diversos como o Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia (JA.CA.) e o programa de residência artística Terra Una (ambos em Minas Gerais), a Casa Tomada, o Phosphorus e o Red Bull House of Art (todos em São Paulo).

Paulo Miyada

Brasil, Brazil?

A exposição Imagine Brazil, realizada pelo Astrup Fearnley Museet (Oslo, 2013), com curadoria de Gunnar B. Kvaran e Thierry Raspail, serve como ícone da grande quantidade de exposições focadas na recente produção de artistas brasileiros emergentes no exterior, por toda a Europa e Estados Unidos – seja pela mediação de curadores locais, seja pela também crescente disposição de curadores estrangeiros em desenhar leituras sobre o conjunto da produção do país. Da mesma forma, o livro ABC – Arte Brasileira Contemporânea, organizado por Adriano Pedrosa e Luisa Duarte, demonstra a forte representatividade da geração de artistas que foi de interesse do Rumos no panorama geral da arte brasileira. Em ambos, a grande maioria dos artistas emergentes reunidos é representada por médias e grandes galerias comerciais e, deles, cerca de 65% participaram de alguma edição do Rumos Artes Visuais.

Paulo Miyada


O mesmo interesse que multiplica oportunidades de viagem, visibilidade e interlocução internacional para os artistas brasileiros também incorre, vez ou outra, na superposição de chaves de leitura preconcebidas às suas produções. Trata-se de um sintoma inevitável, que só poderá ser atenuado pelo aprofundamento dos recortes curatoriais e por argumentações críticas capazes de superar clichês de autoexotismo. Também é de esperar a difusão do saudável processo de integração que permite aos artistas brasileiros – conforme se consolidam suas trajetórias – participar de mostras cujo mote extravase agrupamentos geracionais e geográficos.

Paulo Miyada

O vídeo junto ao cinema

Comparando com seu emprego nas primeiras edições do Rumos Artes Visuais, o vídeo foi o meio cuja abordagem se transformou mais ampla e radicalmente nos anos de duração do programa. Se víamos a predominância de iniciativas focadas na experimentação da mídia com equipamentos mais ou menos precários, agora há obras produzidas com rigor técnico e elaboração narrativa e/ou cinematográfica; tornaram-se mais precisos também os recursos de projeção e a montagem das videoinstalações. Acompanhando as tendências em bienais e grandes mostras internacionais, o imaginário faça-você-mesmo dos novos meios da década de 1970 foi sublimado pelo desafio de responder ao padrão do cinema e sua atmosfera imersiva.

Paulo Miyada

Fim?

Depois de mapear Juazeiro do Norte, Crato e Sobral fui a Fortaleza. Chegando lá, o artista Júlio Pimenta, editor da revista Reticências Crítica de Arte, formula a seguinte pergunta: “Como esse mapeamento pode ajudar na construção de políticas públicas para as artes visuais?” [...] Talvez a pergunta do artista não seja pertinente no âmbito do programa Rumos. No entanto, questiono-me: qual é a instituição neste país que tem um diagnóstico tão amplo das artes visuais? São dez anos, mais de 50 cidades, incluindo todas as capitais do país. Esse banco de dados, se não serve para formulação de políticas públicas, alimenta o quê?

Sanzia Pinheiro Barbosa, “Região Nordeste”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 89


Para um programa que objetiva “mapear, fomentar, formar e difundir” a jovem produção artística emergente do país, talvez ações nas cidades, com foco na formação, no mapeamento e no fomento, fossem algo que colocasse o Rumos além da lógica das instituições financeiras. [...] O que aconteceria se o Rumos, único no país, distanciando-se do formato de salão tradicional, focasse suas ações nos outros objetivos previstos? E não apenas na difusão. O mapeamento poderia ser potencializado a partir de ações capazes de mobilizar vários agentes do sistema de arte (curadores, artistas, críticos, montadores, produtores), em cidades com potencial na produção. Nesse sentido o Rumos não estaria mais sintonizado com o espírito do agora?

Sanzia Pinheiro Barbosa, “Região Nordeste”, em Rumos Artes Visuais 2011-2013, p. 96


Uma característica que deve ser apontada neste brevíssimo testemunho sobre o início do Rumos Artes Visuais foi a sua capacidade de articular, por meios diversos, pessoas e lugares em torno de projetos comuns. Articulação feita, é necessário frisar, em uma época em que os meios eletrônicos de conexão que se tornaram lugares comuns poucos anos depois ainda não eram disponíveis a todos ou, em alguns casos, sequer existiam. Vistos em perspectiva, aqueles eram anos em que, a partir de uma região, pouco se conhecia da produção de outras, a não ser por um esforço grande de deslocamento físico pelo país. Nesse sentido, o programa certamente contribuiu, já em seu início (ou principalmente em seu início) para o estabelecimento de encontros entre artistas que antes não se conheciam e entre esses e curadores de vários lugares do Brasil; encontros que dariam, nos anos seguintes, frutos diversos em termos de projetos de exposições partilhados, reflexões repartidas, textos produzidos e impulso na criação de redes que os integravam em partes diversas do país.

Moacir dos Anjos, “Quando Acabar É Voltar ao Início”, texto comissionado para a exposição, 2014, p. 5


Ao longo da década e meia em que esteve ativo, o Rumos Artes Visuais manteve-se sempre fiel aos seus principais objetivos. Contribuiu, ao lado de diversos outros programas que foram inaugurados nesse período, para a constituição de um campo nacional de produção, pesquisa e divulgação das artes visuais que não tem mais quase nada em comum, em termos de profissionalismo e complexidade, com aquele que existia quando teve início, ainda amador e fragmentado. Formou artistas, curadores, e também o público. E talvez o índice maior de seu sucesso seja, paradoxalmente, o seu esgotamento, pois o mundo em que ele se fazia necessário deixou de existir. Ao menos em parte. E em parte por causa dele. Foi preciso, portanto, acabar com o Rumos Artes Visuais para que aquilo que venha se afirmar em seu lugar tenha, para esse outro tempo, a relevância que aquele programa teve para o seu. Acabar o Rumos Artes Visuais é ser fiel à sua natureza.

Moacir dos Anjos, “Quando Acabar É Voltar ao Início”, texto comissionado para a exposição, 2014, p. 5

Novo Rumos

Com a reformulação do Rumos, promovida em meados de 2013 e em implementação no presente momento, o fomento à produção artística promovido pelo Itaú Cultural procura romper os formatos consolidados de cada área (artes visuais, cibernética, dança, música etc) e apoiar projetos das mais variadas configurações, muitas vezes com vocação transdisciplinar e inter-regional, mas não necessariamente. Também o mote da produção emergente foi repensado, entendendo-se agora menos como um predicado dos participantes e mais como uma qualidade das proposições submetidas ao edital. Em relação às artes visuais, tais mudanças permitem que o Rumos volte a se diferenciar fortemente das oportunidades já difundidas no meio – caso de programas de divulgação da produção recente de artistas em formação, algo hoje possível através da grande variedade e qualidade de programas promovidos por outros agentes e instituições, que nasceram ou se fortaleceram nos últimos 15 anos.

Paulo Miyada


Talvez, se for legítimo procurar antever algo assim, a qualidade do programa Rumos Artes Visuais que pode provocar maior nostalgia a partir de agora seja sua massiva promoção de deslocamentos e encontros entre artistas e curadores de todo o país. Ainda que outros canais para encontro se delineiem na forma de residências, bolsas e programas, são raras as oportunidades em que esses movimentos são feitos em redes efetivamente amplas e nacionais, farta e generosamente como aconteceu em todas as edições anteriores. Mais do que as exposições, os catálogos e os prêmios, as viagens podem ter sido o principal legado desse programa, fonte de um manancial inestimável de provocações, estranhamentos, amizades, relacionamentos, aprendizados e parcerias; isso em um mundo que ganha cada vez mais em conectividade, ao passo que perde em compartilhamento efetivo de repertórios e ideias.

Paulo Miyada