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As teias do contemporâneo

Por José Castello

Depois de, em edições anteriores, vasculhar os territórios do Singular e do Estranho, o laboratório do Rumos Jornalismo Cultural 2011-2012 optou por um tema, na aparência, mais objetivo: o mundo contemporâneo. Mas que armadilha! Afora a onipresença da tecnologia, que é, de fato, a sua alma, o mundo contemporâneo se caracteriza pela ausência de características. O contemporâneo é fluido, é inconstante, é fragmentado, é traiçoeiro. É veloz, mas é também volátil. É opaco, mas também aleatório. Tempo de paradoxos, ele se caracteriza por deslocamentos súbitos, por imagens instantâneas e por presenças fantasmáticas em tempo real. É um mundo que nos transforma em prisioneiros do presente, ou ainda mais que isso: em prisioneiros do instante. Define-se como uma grande teia que nos envolve a todos – seguindo o modelo fundamental da web. Mas, como todos sabem, as teias se caracterizam, antes de tudo, por seus furos. Quanto mais o presente se trança, mais coisas ele deixa escapar. Quanto mais ele se espalha e nos envolve, mais objetos dele escorrem. Como retratar – como pegar – um mundo cuja característica fundamental talvez seja a de se mostrar intocável? Mundo regido pelo virtual, ele duplica as presenças ao infinito, de modo que o presente se transforma em um abismo. Posso estar em São Paulo, mas meus olhos estão em Nova York, minha mente está conectada com alguém em Amsterdã e meus arquivos da internet estão guardados em Hong Kong. Afinal, onde estou?

As noções de tempo e de lugar – que garantiram a estabilidade do mundo ao longo dos séculos – agora fracassam. Como fixar, então, um mundo que não se deixa fixar? Como produzir reportagens a respeito de um contemporâneo que se define, justamente, pelos deslocamentos bruscos, pelas aparências dúbias e pelo despedaçamento? O contemporâneo é o lugar, por excelência, do incerto. Contudo, o jornalismo exige sempre fatos palpáveis, eventos objetivos e alguma certeza. Não é um projeto fácil retratar um mundo que escapa a todo retrato. Pois foi justamente esse o desafio oferecido aos 12 corajosos universitários da edição 2011-2012 de nosso laboratório.

Tudo se agrava porque os próprios estudantes habitam, irremediavelmente, seu objeto. Eles fazem parte desse objeto. “São” o próprio objeto. O tema do contemporâneo apresenta, assim, um forte aspecto autobiográfico. Outra fronteira se esfrangalha: aquela que separa o objeto do sujeito. A primeira dificuldade é, por certo, a de tomar distância. Para quê? Para ver. A proximidade, no bom jornalismo, se parece com a cegueira. E, no entanto – outro paradoxo – o contemporâneo é um mundo governado pelo detalhe e pelo instante. Do acúmulo interminável de detalhes – páginas na web, sites, blogs, mensagens no Facebook, seguidores no Twitter, longos e-mails, abruptas transmissões em tempo real, imagens intermináveis – se compõe o nosso presente. O presente dos alunos também. De certo modo, eles foram então obrigados a tomar distância em relação a eles mesmos. O que não é uma tarefa fácil, se é que é uma tarefa possível.

É difícil imaginar como o futuro verá nosso mundo contemporâneo. Provavelmente, como uma grande turvação. Mas como observá-lo desde o presente? A solução foi sair à caça de eventos culturais – já que se trata de jornalismo cultural – que o ilustrem. Eu ia dizer: que o expliquem. Mas isso é impossível! Em um mundo fragmentado, só vemos fragmentos. Em um mundo aleatório, a única saída é se entregar à gratuidade do instante. Se o mundo contemporâneo é veloz, só resta correr atrás dele. Se é volátil, opaco, líquido, tudo o que nos resta é nos contentar com as pequenas frações do real que nos chegam. A cultura, nesse ponto, se transforma em um objeto de salvação, à medida que ela espelha, sintetiza e elabora os atributos de seu tempo. Ao perseguir exemplos da cultura contemporânea, os repórteres do laboratório produziram, eles também, um pouco de cultura. Suas corajosas reportagens não chegam a dar conta do presente, nem se esperava isso deles. Elas nos defrontam, apenas, com rápidos lampejos de um século – o contemporâneo – que de tão etéreo parece, muitas vezes, feito de pura luz.