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Planta, Planeta, Moglinho – você escolhe –, natureza e cultura indígena na fachada do IC

Engajado nos temas da ancestralidade e do meio ambiente, André Mogle põe pedaços de natureza no caos urbano da Avenida Paulista

Publicado em 08/08/2025

Atualizado às 14:19 de 08/08/2025

por Duanne Ribeiro

Uma flor nasceu na rua: a fachada do Itaú Cultural (IC), na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), conta agora com uma pintura do artista visual André Mogle, que mobiliza vivências do meio ambiente e da ancestralidade.

Para o site do IC, André comentou sua relação com a arte e como criou o trabalho que trouxe ao banco na entrada da organização: “A ideia desse projeto foi que quem sentasse ali de alguma maneira se sentisse conectado com a arte”.

Nascido em 1985, ele atua nas artes visuais desde 1998. Visite seu site. A pintura da fachada compõe o projeto Jardim urbano. Veja outras entrevistas com artistas que ocuparam esse espaço.

Sentado em um banco de cimento, André Mogle observa sua pintura na estrutura, um sol bem amarelo.
Pintura da fachada do Itaú Cultural, por André Mogle, em agosto de 2025 (imagem: Letícia Vieira)

Como começou o seu contato com a arte?

O meu contato com a arte começou na época da escola, no caminho da escola. Já havia algumas manifestações artísticas na rua, como o grafite, a pichação. E desde criança eu tive um engajamento melhor, até em questão de escola, em questão de disciplina em casa, quando eram atividades manuais. Tudo que eu tinha que pegar para fazer, que eu tinha que abusar da minha criatividade, eu me dedicava muito. 

O grafite na rua, a pichação no caminho da minha escola… Os terrenos baldios eram bem usados para isso, e eu atravessava esses terrenos para cortar caminho. Isso foi despertando em mim… Eu chegava na escola, ficava no caderno fazendo aquilo que eu via na rua. Depois, com o tempo, comecei a desenvolver minhas próprias criações. Daí em diante, com o grafite bem ativo no meu dia a dia, passei a adentrar mais esse campo da arte.

Seus temas são as suas raízes e a natureza. Como você pensa esses dois temas, como eles marcam o seu trabalho?

Eu sou um cara muito conectado com essa parte do céu, da lua, das estrelas, e com o tempo fui entendendo que eu tinha essa coisa mais sensível para o lado da ancestralidade. Eu quis por muito tempo ser uma pessoa urbana mais comum, mas estava lutando contra algo que era mais forte, que estava dentro de mim. 

Essa coisa da ancestralidade forte, a natureza, eu tiro tudo dos meus antepassados. Sou uma extensão do que eles foram, no tempo de hoje. A única diferença é que estou em um meio mais urbano, mais desenvolvido, [a] que eu até demorei para me adaptar; na verdade, não sou muito adepto a tudo isso que vem chegando. Então é assim que a natureza está bem presente na minha vida. 

E eu também acabo falando um pouco de conscientização de classe e de sustentabilidade, pelo fato de eu ter vindo da periferia. Entrei na arte através do grafite e, para mim, sempre foi muito difícil. Eu sempre fui um artista, mas, até entender o mercado de arte, entender o que era mesmo aquilo que estava aflorado dentro de mim, permeei vários cantos. Aprendi a viver com o pouco que eu tinha e a estar sempre tentando devolver isso dentro dessa minha vontade de viver da arte, de uma forma mais segura. É algo difícil, você viver de arte aqui. 

Aqui [no IC], o projeto já me fez ficar num campo mais de natureza, devido à liberdade que eles me deram de pesquisa. Eu pesquisei algo sobre a região e vim bem forte nessa questão da natureza, para poder contar um pouco da história do local.

Você sempre faz assim? Quando vai pintar, você pesquisa a região?

Às vezes o lugar não precisa do diálogo, né? Eu pinto muito o que eu sinto, então foi uma coisa que senti mesmo quando eles me chamaram para participar do projeto. O nome do projeto era Jardim urbano, e a primeira coisa que me veio à minha mente era que a proposta era a gente poder entender o lugar como um só. A conexão da arte com o urbanismo e onde esses dois estão inseridos.

São plataformas, são camadas. Antes tinha a parte que era originária, dos nativos. Antes do desenvolvimento. Então, eu peguei e usei a história da ancestralidade dos povos originários que viveram aqui. Coloquei a arquitetura, porque estou pintando em cima de um banco, e retratei o grafite, que ainda vem de uma maneira mais contemporânea, em cima. Essas três camadas me fizeram estudar e chegou nesse resultado.

Você fez essa pesquisa sobre os povos indígenas locais, mas você tem ascendência indígena também? Por que você tem esse interesse?

Eu tenho uma ascendência indígena muito forte. A minha avó foi criada em uma aldeia e [depois] foi ter família fora. Minha avó nasceu com essa cultura, e eu peguei isso muito dela. Ela reunia os netos, misturava lá sardinha, farinha, peixe, que era a maneira como ela comia na aldeia. Ela contava muita história pra gente, [histórias] que a minha bisavó contava para ela. Isso está muito dentro de mim e eu me sinto nesse lugar de, mesmo que for de uma maneira lúdica, leve, trazer isso à tona, colocando sempre em pauta no meu trabalho essa questão da minha ancestralidade, dos meus traços indígenas, da sequência da cultura. 

Para este trabalho, o que você foi pesquisar para falar sobre os povos indígenas? O que você trouxe?

Para esta pintura eu trouxe essa retratação de lembrar sempre dos povos originários, lembrar que, antes de o desenvolvimento urbano ganhar forma, já existiam vidas, e não só aqui, em todo o nosso território. Trazer essa questão de a gente olhar com um olhar de respeito.

A ancestralidade é uma coisa latente na gente, ela influencia cada um – há quem pare para observar isso, e talvez haja pessoas que não conseguem ter essa sensibilidade. Mas eu, num todo, estou sempre tentando deixar em alta que a gente tem que cuidar e tem que respeitar, porque é uma herança que a gente pegou aqui muito rica.

Em setembro será aberta no IC a Ocupação Ailton Krenak, sobre esse escritor e liderança indígena. A pintura estará presente na organização ao mesmo tempo que a exposição. Você conhece a obra do Ailton?

Conheço a obra, conheço o artista; apesar de não ter um contato direto, eu o acompanho pela rede social e já vi algumas ações dele. Nunca tive a oportunidade de encontrá-lo. Talvez possa ter uma oportunidade.

E o que você acha das ideias dele? Elas se relacionam com a pintura que você fez, com essa pesquisa?

Acho que eu ajo de uma maneira um pouco mais contemporânea, porque tenho essa coisa, com tudo isso que falei, de ser nascido no meio urbano, então eu venho com uma mistura. [E] eu trago [isso] com o grafite, que já é uma maneira mais nova de se expressar. Também acabei criando uma identidade, como se fosse um ser, uma maneira [pela qual] eu enxergo o povo originário que está dentro de mim.

Então é um pouco diferente: o estudo dele é muito mais direcionado, ele tem muito mais... Onde ele fala, ele tem uma propriedade muito grande, um grande respeito. Eu tenho uma casca que está dentro de mim e que aos pouquinhos estou tirando, uma casquinha colocando para o lado de fora, mas que ainda também não conheço totalmente. São coisas que me tocam.

Lembro, do seu site, uma frase que era assim: que o seu trabalho “coloca pedaços de natureza no meio do caos urbano”. Por que é importante fazer isso?

Olha, quando eu comecei, surgiu esse ser, esse personagem que é um ser híbrido, lúdico. Ele está nesse plano e num plano paralelo ao mesmo tempo. Ele surgiu sendo uma árvore e aí se desenvolveu. Eu o colocava nas alvenarias públicas, onde, se eu olhava para um lado, tinha cinza de concreto; olhava para o outro lado, tinha cinza; para o chão, asfalto; e acima tinha o teto. Ou num túnel ou numa passarela. Então, eram lugares onde era totalmente ausente o verde, não existia o verde. E aí eu colocava esse personagem, e ainda faço isso. 

Hoje, com tudo o que eu fui me desenvolvendo, ainda consigo abrir outros tipos de diálogo, não somente sobre a questão da natureza: eu também uso [o personagem] para falar das pessoas em condição de rua, para falar de afeto, de falta de afeto, de correria. Hoje as pessoas são mais, no meu ver, aceleradas, não param para amar – e amar não é você ter um companheiro, você ter uma companheira, amar é você amar viver, amar quem está do seu lado, amar o ser humano, amar a natureza. Então, eu estou sempre tentando deixar [o personagem] mais amplo, para ele crescer junto com tudo que está acontecendo, e ele ter lugar de fala em todos os lugares. 

Esse personagem é chamado de Homem-Planta, como já vi, ou não tem nome?

O nome mesmo não fui eu que dei, o pessoal chama de Moglinho, de Planta, de Plantinha, de Mundo, de Planeta. É muito legal, eu não dei nome justamente por isso, porque acho que para cada pessoa ele entra de uma maneira diferente, não tem algo direcionando, sabe? Se entra, é porque tinha que entrar e fazer parte.

E ele está na pintura aqui na fachada?

Ele está aí, eu o coloquei representando os povos originários. Fiz uma série uma vez com... Houve uma época em que a gente estava lutando pela demarcação [de terras indígenas] e pelo fim do garimpo, para a preservação de algumas aldeias, e aí eu fiz uma série [inspirada em] povos originários, e nunca mais havia usado ele assim, com a cara pintada e tal. Aqui foi o primeiro lugar em que eu usei assim de novo após essa série. É isto que eu estava falando: é o mesmo personagem, só que ali ele está com o rostinho pintado, está demonstrando ser um indígena. Ele também carrega a marca do que eu quero falar na hora ali, mas, neste projeto do Itaú Cultural, foi a primeira vez após essa minha série de povos originários que eu usei [essa forma de representação]. 

Como é que você espera que tanto o público do IC quanto as pessoas que passam pela Paulista sejam impactadas pela sua pintura?

A ideia desse projeto foi que quem sentasse ali de alguma maneira se sentisse conectado com a arte. Na parte do banquinho, eu fiz umas corredeiras de água, como se você sentasse mesmo no meio da natureza, no meio de um valezinho... E do lado de lá eu estou falando dos povos originários. Então, é um lado de conforto e um lado de reflexão. 

E já está dando bastante resultado. O que eu entendi é que as pessoas já estão acostumadas com esse projeto; cada dia que passa vão acompanhar mais. Eu conversei com muita gente que acompanha todos os desenhos, todos os projetos, todos os artistas que passaram neste ano, e entendi que eles estavam se identificando já com aquilo que eu estava fazendo, mesmo sem eu explicar ou sem estar ainda com a plaquinha [da legenda da obra] ali. Eu vi que gostaram do cuidado que estou tendo, da delicadeza. Com tudo isso, acho que é uma maneira delicada de se expressar no meio da Avenida Paulista, que é um lugar agitado.

Acho que a galera vai conseguir captar a mensagem, vai ter prazer de sentar ali e poder estar com quem está do lado e abrir um diálogo sobre o que está sendo contado.

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