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Relatos de criação | A jornada de Leonilia e os desafios da animação

Elias e Gustavo Fontele Dourado falam sobre o filme de animação “Hacker Leonilia”, contemplado pelo “Rumos Itaú Cultural 2023-2024”

Publicado em 01/10/2025

Atualizado às 09:57 de 01/10/2025

Projeto: Hacker Leonilia
Proponentes: Elias Fontele Dourado e Gustavo Fontele Dourado

 Hacker Leonilia, projeto selecionado pelo Rumos Itaú Cultural 2023-2024, não marca o nosso começo no mercado cinematográfico de maneira geral, mas é a estreia em roteiros de longa-metragem e, especificamente, em animação. Desde 2014, eu, Gustavo, atuo profissionalmente no audiovisual, exercendo as funções de direção, produção executiva e roteiro. Como produtor-executivo, participei de dois longas-metragens documentais, além de dezenas de curtas de ficção. Atualmente, estou produzindo um longa de animação com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Distrito Federal e da Lei Paulo Gustavo, enquanto Elias faz sua estreia como roteirista de longa-metragem e de animação. Sua experiência envolve alguns curtas como roteirista, consultor de roteiro e diretor musical. Juntos, somos sócios da Fontele Studios, uma empresa de audiovisual que participa de diversos festivais e mercados de cinema nacionais e internacionais.

O projeto começou como um curta-metragem roteirizado durante a pandemia de covid-19 e finalizado agora, em 2025. Durante o processo, surgiu a ideia de transformá-lo em longa-metragem, e, para isso, precisávamos roteirizá-lo primeiro. Submetemos o projeto ao Rumos Itaú Cultural em 2023 e começamos a trabalhar no roteiro em 2024. 

O filme de animação, voltado para jovens e adultos, se passa no futuro. Leonilia, uma hacker idosa e negra, precisa lidar com seu egoísmo para escapar de um metaverso problemático e reencontrar a sua neta. As técnicas pretendidas são o 2D e o stop-motion em bordados.

 Processo criativo e desafios

Conseguimos entregar pelo menos duas versões completas do roteiro e concluímos tudo o que estava previsto no plano inicial do projeto. Além disso, contamos com relatórios de consultoria, identidade visual com logo, material de pitching, artes conceituais e produção executiva.

O maior desafio foi organizar e filtrar as ideias durante a escrita do roteiro e, ao longo do tempo, aperfeiçoá-las. Nosso objetivo era alcançar um equilíbrio entre originalidade e comunicabilidade. Outro ponto importante foi equilibrar o lado bom e o lado ruim da protagonista, preservando os conflitos que ela precisa enfrentar e transformar, passando por um processo de reinvenção pessoal. 

No início, tínhamos muitas ideias, mas percebemos que seria necessário descartar algumas para priorizar outras. Outro grande desafio foi pensar no desfecho do filme e na crítica ao uso extremo da inteligência artificial no gerenciamento da crise climática. Nós nos desafiamos a refletir sobre essa mensagem e buscamos formas de construí-la para não parecer muito pedagógica e, ao mesmo tempo, que ela permanecesse relevante para os dias atuais. Também refletimos sobre como trazer brasilidade ao roteiro de forma orgânica. Por último, houve o desafio de escrever o roteiro de forma coletiva, em que cada um contribuiu de maneira substancial e equilibrada. 

 Inspiração e influências

Um sentimento que predominou foi o de evolução gradativa com a escrita. À medida que avançávamos, o roteiro ia tomando forma e melhorando. Percebemos que a escrita evoluiu muito quando colocamos mais intensidade no processo criativo, o que nos permitiu identificar o que funcionava e o que não saía de acordo com o discutido.

Nossas maiores inspirações surgiram dos debates sobre o roteiro, com foco nas discussões sobre personagens e no universo da obra – sempre testamos opções e discutimos para avaliar se faziam sentido no projeto e também para fins de comparação. O projeto, em si, é um experimento com elementos pouco comuns no gênero de ficção científica, que adaptamos a nosso favor. Também pesquisamos outras obras, como leituras, filmes, séries, artes plásticas e jogos.

Recentemente, conferimos a trilogia Qatsi, com os filmes Koyaanisqatsi, Powaqatsi e Naqoyqatsi. São trabalhos que criticam o uso desequilibrado da tecnologia e, consequentemente, seu impacto sobre a natureza. Acreditamos que nosso filme tem como construção de mundo essa mensagem, e esse tema será discutido entre as personagens e ao longo da obra. Também nos inspiramos em muitas animações, como Wall-E (narrativa mais clássica e ecológica) e As andorinhas de Kabul (narrativa menos clássica e animação mais adulta e política). Além disso, notamos algumas conexões estruturais com o jogo recém-lançado Split fiction, sobretudo nas possibilidades de conflitos entre duas personagens, seus anseios e sua evolução. 

Etapas de produção e aprendizados

Contamos com a colaboração de diversos artistas. O roteiro foi escrito por dois roteiristas, que tiveram peso igual nas decisões e na estruturação narrativa. A dimensão coletiva foi fundamental para aprimorar o projeto, que já é bastante pessoal. Ao recebermos o retorno de consultoras e da produção executiva, poderemos tensionar as ideias do projeto e entregar um resultado mais concreto e equilibrado. 

Consideramos o público jovem e adulto, porém o trabalho é mais adulto devido à sua abordagem crítica sobre o uso inadequado da tecnologia e o impacto desta no meio ambiente. As relações entre as personagens são mais sérias, e não se trata de um filme infantil. Sempre escrevemos a história com um público mais maduro em mente.

Estamos no desenvolvimento avançado, com pelo menos dois tratamentos completos. A última entrega ao Itaú Cultural foi bastante satisfatória, mas acreditamos que o projeto só será finalizado quando produzirmos o filme. Após essa entrega, devemos revisar alguns pontos, já pensando na produção do longa-metragem. Uma das principais mudanças é que agora consideramos inserir poucas cenas de sonho utilizando a técnica de stop-motion em bordado. Com essa linguagem, podemos criar um experimento artístico mais inovador e interessante. A linguagem do filme vai ser predominantemente 2D, mas pretendemos deixar o longa mais plástico visualmente, com intervenções artísticas.

Para fins de roteirização, concluímos o projeto com o Itaú Cultural, mas, como dissemos anteriormente, o filme só terá o roteiro totalmente finalizado quando começarmos a produzir a animação, pois, a partir desse momento, ele não poderá passar por muitas modificações. Está nos nossos planos a captação de verba na Agência Nacional do Cinema (Ancine), no FAC do Distrito Federal e em outros mecanismos de fomento. 

Um dos maiores aprendizados foi perceber que a força do conflito entre as personagens e seus universos é uma grande motriz narrativa. Como se trata de um filme que promove uma transformação individual e coletiva, o aprendizado com as outras personagens e seus contextos é uma das coisas que mais importam.

Ao longo do processo, também enfrentamos conflitos de escrita essenciais para o aprimoramento do projeto, pois foram uma maneira de colocá-lo à prova e tentar melhorar o que estava mais carente. Alguns exemplos incluem as reuniões com as consultoras, a visão da produção executiva e os encontros criativos entre os roteiristas. Tudo isso contribuiu para que o projeto fosse aprimorado, e ainda assim não perdemos a força pessoal da obra, mesmo com muitas avaliações coletivas. Escrever com duas ou mais pessoas foi um grande enriquecimento como roteiristas, e agora estamos mais aptos para desenvolver novos roteiros de longa-metragem.

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