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obra de Rejane Cantoni

NFT e o direito

Artigo de Gustavo Martins de Almeida apresenta um panorama geral sobre os non-fungible tokens (NFT) e explicita a relação dessa tecnologia com o campo da arte

Publicado em 22/06/2023

Atualizado às 03:00 de 11/05/2025

por Gustavo Martins de Almeida

NFT, a abreviação de non-fungible token, o identificador digital exclusivo que registra a propriedade de um ativo digital que entrou no senso comum e viu milhões gastos nas imagens e vídeos mais procurados, foi nomeado Palavra do Ano 2021 do Dicionário Collins. É uma das três palavras baseadas em tecnologia que fazem parte da extensa lista de dez palavras do ano, sete delas incluídas no site do Dicionário Collins.

(Collins Dictionary)

 O futuro já está aqui – só não está distribuído uniformemente.

(William Gibson, tradução nossa) 

Resumo

O presente artigo visa apresentar um panorama dos non-fungible tokens (NFT) no estado da arte. Começarei abordando a evolução da tecnologia e os reflexos das inovações na sociedade. Em seguida, trato da arte corporificada em objetos físicos e do surgimento da arte representada por meios incorpóreos, como hologramas e arquivos de computador. A produção de arte em suportes digitais e a sua aceitação pela sociedade representam a legitimação dessa arte em suporte intangível, porém com a característica da reprodutibilidade ilimitada. Surge, então, o NFT como mecanismo decorrente do chamado blockchain, que permite individualizar a obra de arte imaterial, tornando-a única. Essa evolução da tecnologia é o objeto do presente artigo, sendo certo que o seu conceito jurídico ainda não está definido.

Introdução

A evolução tecnológica permite uma visão tridimensional que, a cada instante, contempla o passado, o presente e, mais do que nunca, as perspectivas do futuro (WHITEHEAD, 2012).  Uma visão panorâmica desse processo permite imaginar os passos seguintes dessa cadeia evolutiva, muito embora determinados saltos rompam com a estrutura precedente, alterando substancialmente as características de hábitos sociais. O fim do século XX e o início do XXI marcam a transição da sociedade de consumo (e de conhecimento) apoiada em bens materiais para aquela com a crescente presença de bens imateriais.

Desmaterialização é a palavra que caracteriza o início do século XXI, e que se relaciona com o tema deste artigo. Situando o momento atual na história, após anos de produção e utilização de bens materiais e corpóreos, os bens imateriais e intangíveis predominam na sociedade, salvo em poucas exceções, como a habitação, a alimentação e o transporte. O Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 83º, definiu que, para os efeitos legais, se consideram bens móveis, entre outros, as energias que tenham valor econômico – por exemplo, a energia elétrica. A propriedade material está hoje relativamente bem equacionada pelo Direito, com regras para a aquisição de bens imóveis e móveis pautadas pelos registros e pela tradição, respectivamente.

Eric Caprioli (2000) discorreu sobre o novo conceito de patrimônio, com ênfase no imaterial – por exemplo, jogos, imagens, textos, patentes e obras literárias –, no seguinte trecho:

[...] como escreveu um eminente autor, ao longo do século XX, a noção de patrimônio sofreu profundas alterações sob a influência da evolução econômica e social. Na sociedade da informação, não há dúvida de que a aceleração do tempo e a redução do espaço, inerentes às novas redes de comunicação (internet), terão impacto no patrimônio. Riquezas intangíveis (trabalhos originais digitalizados, informações) circulam on-line quase instantaneamente, enquanto o fluxo de riquezas materiais trocadas fisicamente está se acelerando (CAPRIOLI, 2000, tradução nossa).

Nos anos 1960, o cidadão era um simples receptor de conteúdo, principalmente com o advento dos satélites de comunicação. Com o computador e a internet, o indivíduo passou a ser, também, emissor e produtor de conteúdo. Hoje, os digital influencers e os youtubers atingem rapidamente milhões de seguidores.

Com o computador e a internet, o indivíduo passou a ser, também, emissor e produtor de conteúdo. Hoje, os digital influencers e os youtubers atingem rapidamente milhões de seguidores.

Compartilhar informações é uma característica da sociedade atual, na chamada sharing economy (RODRIGUES, 2020). Esse compartilhamento é facilitado pela desmaterialização, pela fragmentação de poder na sociedade, pelo que mais e mais pessoas tem acesso a infinitos conteúdos, simultaneamente.[1] O dinheiro eletrônico substitui as cédulas e as moedas; cresce exponencialmente o número de obras literárias publicadas em e-books; as fotografias e os filmes são digitais, sem papel nem celuloide; as cautelas de ações de companhias são virtuais; e as esculturas podem ser feitas em hologramas. Enfim, há uma onda de conversão do acervo cultural em papeis e filmes guardado em arquivos físicos para o mundo imaterial e o armazenamento em nuvem. A imagem em arquivo .jpeg[2] não envelhece, não amarela, não esfarela, como o papel, nem fica quebradiça, como o verniz das pinturas; pode ser reproduzida infinitamente sem perda de qualidade visual e ampliada aos extremos, como nas reproduções de obras de arte armazenadas no Google Arts & Culture.

Blockchain e bitcoin

Nesta terra quase sem lei, de reprodução e circulação desmedidas dos objetos imateriais (textos e imagens) sem perda de qualidade, começaram a surgir meios de identificação e controle desse conteúdo. O pêndulo da história oscilou e a centralização da internet em poucos megaconglomerados da informação quase sem controle (Google, Facebook, WhatsApp, YouTube) começou a ser regularizada pelos Estados. Em 2008, surgiu o blockchain, rede descentralizada de informações na qual os dados inseridos seguem uma linha cronológica sequencial, que contribui para a imutabilidade dos registros. Blockchain, portanto,

É, ainda, uma plataforma para que todos saibam o que é verdadeiro, pelo menos no que diz respeito à informação estruturada gravada. No seu aspecto mais básico, é um código-fonte aberto: qualquer um pode, gratuitamente, baixá-lo, executá-lo e usá-lo para desenvolver novas ferramentas para o gerenciamento de transações on-line. Como tal, ele tem potencial para desencadear inúmeras novas aplicações, além da capacidade iminente de transformar muitas coisas (TAPSCOTT, 2016, p. 36).

Em vez de se concentrarem num provedor, as informações sobre todos os computadores que integram o blockchain são compartilhadas por todos os aderentes, em uma rede compartilhada de informações (sharing information network), um protocolo de confiança.

Neste ponto, cito o famoso artigo de 2008 atribuído a Satoshi Nakamoto (cuja identidade é ignorada, pois não se sabe se é uma pessoa, um grupo ou um pseudônimo), que marca o surgimento do bitcoin como o conhecemos hoje: A peer-to-peer electronic cash system, ou seja, um sistema de dinheiro eletrônico de ponta a ponta. A especialista Dayana Uhdre (2021) diz se tratar de um programa que cria, sobre a camada da internet, uma rede global e distribuída (distributed ledger technology) de registros de transações relativas à transferência de valores diretamente entre partes distintas (peer-to-peer, ou P2P), isto é, sem intermediários centralizadores de operações (bancos, corretoras). Tal circunstância atribui um caráter de sigilo às informações circulantes, daí o termo do momento, “criptoativos”, do latim crypta, que significa caverna, cofre, cova ou galeria subterrânea.[3] O fator tempo é determinante e as informações vão sendo armazenadas nessa rede em ordem cronológica de inserção, com praticamente nenhuma possibilidade de alteração de data, nem de conteúdo.[4]

O fator tempo é determinante e as informações vão sendo armazenadas nessa rede em ordem cronológica de inserção, com praticamente nenhuma possibilidade de alteração de data, nem de conteúdo

Outro significado atribuído ao bitcoin é bem explicado por Uhdre (2021):

Tomando o protocolo Bitcoin como modelo inicial de aproximação, é importante desde já diferenciar as "duas realidades" a que nos referimos com o termo. Podemos estar diante de uma "moeda" digital e virtual – bitcoin, grafado com letra minúscula –, e/ou diante de um protocolo tecnológico desenvolvido sobre a camada da internet – Bitcoin, grafado em letra maiúscula. Ao nos referirmos ao primeiro aspecto, bitcoin, estamos falando de uma moeda virtual (porque só existente no mundo virtual) criptografada (utiliza-se de criptografia assimétrica) e conversível (para moeda fiduciária), baseada em um sistema descentralizado (UHDRE, 2021, p. 32).

As moedas bitcoins passaram a circular, a representar valores e, como a tecnologia geralmente evolui antes de o Direito alcançá-la, surgiu uma defasagem entre o regulamento jurídico e os novos fatos. Diante da realidade inegável do crescimento dos criptoativos, a Receita Federal do Brasil (RFB) baixou a Instrução Normativa (IN) nº 1.888, de 7 de maio de 2019, com uma ementa que institui e disciplina a obrigatoriedade da prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da RFB. Por ora, destaco o chamado aspecto camaleão dos criptoativos referido na IN,[5] que se justifica, segundo Vainzof e Cunha Filho (2017), por poderem assumir funções diversas:

[...] o fato de a pluralidade de formas assumidas pelas criptomoedas poderem resultar em diversas classificações jurídicas para um mesmo fenômeno, assusta profissionais ainda pouco sensíveis, em sua maioria, aos novos produtos da tecnologia... das manifestações formais ou informais de 29 países acerca da natureza jurídica das criptomoedas, pelo menos 13 classificações jurídicas distintas puderam ser encontradas. Entre elas a de serviço, instrumento financeiro, e-money, sistema de pagamento, substituto monetário etc.

NFT

Antes de falar de non-fungible token (NFT) propriamente, uma palavra sobre o mercado de arte. A economia, a sociedade, as famílias, os hábitos e os imóveis mudaram. O cidadão procura equilibrar o trabalho com a satisfação pessoal, muitas vezes expressa na aquisição de obras de arte, que, além de trazerem prazer, conferem status. Hoje, a média de filhos por família diminuiu, e esses geralmente nascem de pais mais velhos, que utilizaram sua capacidade máxima de trabalho na juventude. O tamanho dos imóveis reduziu, e o colecionismo – que requer o armazenamento de obras de arte físicas, com restrições de umidade, conservação e necessidade de espaço – ficou mais trabalhoso, ao mesmo tempo que o gosto contemplativo clássico destoa do frenético ritmo da sociedade.

Ao reunirmos esses aspectos, percebemos que as obras de arte virtuais são uma resultante direta dos seguintes fatores: artistas novos, mais baratos, com estética contemporânea, falta de necessidade de ocupação de espaço físico, armazenamento do acervo na nuvem e exibição numa fina película digital pendurada na parede. Podemos acrescentar a isso, ainda, a individualidade atribuída pelo NFT a obras de arte imateriais, surgindo assim um novo mercado.

Por sua concepção encriptados e multifuncionais, os chamados tokens são criptoativos que podem assumir várias roupagens jurídico-econômicas, servindo para transações financeiras, identificação de obras de arte (físicas ou digitais), serviços e contratos

Por sua concepção encriptados e multifuncionais, os chamados tokens são criptoativos que podem assumir várias roupagens jurídico-econômicas, servindo para transações financeiras, identificação de obras de arte (físicas ou digitais), serviços e contratos. Uhdre (2021) traz o seguinte conceito:

Michèle Finck aponta que, além das criptomoedas, outros criptoativos emergiram ao longo do tempo na forma de tokens ou moedas (coins, na acepção adotada pela autora). Segundo a autora, um token ou "coins" seria em sua essência um bem digital que é artificialmente tornado escasso e rastreado – ou rastreável – em uma blockchain ou em um protocolo escasso baseado em blockchain. Prossegue, salientando que os tokens podem ter diferentes propósitos e representar qualquer coisa – de bens e serviços a direitos, incluindo direitos de voto (p. 65).

Rodrigues (2021), por sua vez, conceitua o token como uma representação digital de ativos virtuais relacionados ao blockchain que garante ao seu detentor um direito, que varia conforme o modelo de negócio e o projeto da empresa emissora, sem qualquer intervenção de terceiros. O token é um símbolo, podendo ser de obra física ou de obra imaterial. Podia-se supor que a facilidade de reprodução ilimitada dos arquivos imateriais sem perda de qualidade das imagens esvaziaria o seu valor, na medida em que inexistiria escassez.[6]

O NFT é um criptoativo que não pode ser substituído por outro igual, é único. Assim, uma obra de arte imaterial – capaz de ser reproduzida ilimitadamente – pode ser vinculada a um código, o que a torna única e cria artificialmente a escassez ou a individualização do produto no mercado, transformando um bem imaterial, que pode ser compartilhado por todos, num único exemplar.

Nesse sentido, o NFT se assemelha, por exemplo, a uma camisa da seleção brasileira de futebol autografada pelo jogador Pelé. Todas as camisetas vindas de fábrica são iguais, mas, a partir do momento em que uma é autografada, ela ganha um diferencial que a identifica, que a faz única e aumenta exponencialmente seu valor em relação às outras camisetas vendidas. Transpondo para o mundo imaterial, o quadro Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, vinculado a um token do Museu do Louvre, se tornaria a Mona Lisa imaterial, a única.

Tão logo surgiu a onda de NFT no mundo, com a venda do trabalho do artista Beeple em março de 2021,[7] criei um NFT com um desenho da artista Giovanna Sgarbi. Nele, ficaram destacados o tempo do registro – com data, hora, minutos e segundos – e a obrigação de pagar à artista 10% do preço de venda, a título de royalties, em caso de alienação desse NFT. Então, o bem físico, o desenho, pode ser transferido pela artista, mas a representação digital está registrada em meu nome, é única (Figura 1). O fenômeno da tokenização, tão alardeado neste momento, equivale à vinculação de uma obra, um serviço ou um produto a um código no blockchain, o que permite a sua utilização econômica e a sua transferência pelo titular.

O fenômeno da tokenização, tão alardeado neste momento, equivale à vinculação de uma obra, um serviço ou um produto a um código no blockchain, o que permite a sua utilização econômica e a sua transferência pelo titular.

Basicamente, temos dois tipos de NFT: aquele vinculado a uma obra originariamente digital (chamada nato digital); e aquele atrelado a um bem físico, ou serviço, como um quadro, um imóvel ou uma visita a uma vinícola. No caso da obra digital, embora possa ser replicada indefinidamente, aquela que foi objeto do NFT tem como que uma tatuagem na alma, é sua e é única (WACHOWICZ, 2021).

Faço uma comparação com a invenção da fotografia, que enfrentou várias resistências até ser considerada arte e protegida pelo Direito. Uma simples máquina retratava a imagem que, até então, era objeto de quadros trabalhosos com plano, tela, tintas, tons, texturas, estética e toda uma ambiência.

Desde 1839, ano oficial da invenção da fotografia, os fotógrafos lutam para que suas imagens sejam reconhecidas como criações originais, a fim de que possam se beneficiar da proteção conferida pelos direitos autorais. Esse reconhecimento foi gradualmente consagrado na jurisprudência da Europa e dos Estados Unidos após um amplo debate público sobre o estatuto da fotografia. Esse processo, porém, não foi fácil, já que a fotografia ainda era uma nova plataforma e tinha o potencial de romper com toda a tradição de criação e difusão de imagens. Por seu princípio de realidade e por sua qualidade serial, a fotografia gerava problemas até então desconhecidos (GIRARDIN, 2008, tradução nossa).

Mutatis mutandis, a arte imaterial vai ganhando adeptos, justamente na geração digital, caracterizada por essa mudança de suporte, tantas vezes referida neste artigo, em substituição aos hoje convencionais. Na linha do fenômeno Beeple, mais artistas aderiram à produção de obras digitais, e o público, principalmente das gerações mais jovens, passou a demonstrar interesse por elas, de modo que as galerias começaram a receber ofertas de trabalhos e pedidos de colecionadores. Toda uma economia em torno desse tipo de arquivo digital vai sendo construída e legitimada, popularizando os NFT seja entre artistas produtores, seja na nova geração de colecionadores.

Mutatis mutandis, a arte imaterial vai ganhando adeptos, justamente na geração digital, caracterizada por essa mudança de suporte, tantas vezes referida neste artigo, em substituição aos hoje convencionais

E como é possível adquirir um NFT? Para obter uma obra pronta, ou seja, um arquivo digital já atrelado a um código no blockchain, o comprador deve possuir bitcoins disponíveis. Caso não tenha, pode adquirir via Exchange, uma corretora de criptomoedas. Depois disso, ele se dirige a uma plataforma de comercialização de obras – como Rarible, Open Sea, Mintable e Enjin, entre outras – e paga pelo preço anunciado, ou participa de um leilão. Concluída a transação, o processo é finalizado e a obra passa a possuir um dono registrado no blockchain.

E se uma pessoa deseja criar um NFT? Nesse caso, é necessário escolher uma plataforma de blockchain, criar uma carteira digital, transferir dinheiro oficial para essa carteira, fazer o upload da imagem a ser agregada ao NFT, pagar o preço exigido e deixar a imagem em exibição, ou colocar o NFT à venda, estipulando um preço fixo ou informando que será feito um leilão.

Smart contracts

Um conceito interessante no mundo dos criptoativos é o dos smart contracts. Na prática, trata-se da possibilidade de alteração automática de contratos registrados on-line, de acordo com condições preestabelecidas (SANTOS, 2020). Equivaleria a um código autoexecutável que, por exemplo, no caso de venda de uma obra como a que registrei, automaticamente remeteria 10% do valor para a autora sem que fosse necessário qualquer comando. Num mundo ágil como o dos negócios com criptoativos, certas condições ficam previstas nos contratos e, uma vez implementadas, as máquinas praticam os atos estabelecidos sem a necessidade de novos comandos ou ações por parte dos contratantes.

Casas de leilão e galerias de arte

A expansão dos NFT chegou às casas de leilão e às galerias de arte. As mais tradicionais casas de leilão do mundo têm seus departamentos de criptoativos, como a Christie’s, fundada em 1766, e a Sotheby’s, criada em 1744. Ambas já se adaptaram ao mercado dos NFT e promovem vendas regulares on-line com pagamentos em criptomoedas. A Feira de arte do Rio de Janeiro (ArtRio), realizada desde 2017, teve em 2021 a estreia dos NFT, com duas galerias entre as dezenas de expositoras; e a edição de 2023 tem previsão de aumento significativo desse tipo de suporte.

A Feira de arte do Rio de Janeiro (ArtRio), realizada desde 2017, teve em 2021 a estreia dos NFT, com duas galerias entre as dezenas de expositoras; e a edição de 2023 tem previsão de aumento significativo desse tipo de suporte

Em se tratando de suporte, destaco a proteção dos NFT pelo direito autoral. No Brasil, a Lei nº 9.610/98, em seu artigo 7º, diz que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro [...]”. Então, o NFT que corresponda a uma obra imaterial originária é protegido pela lei, não podendo ser reproduzido sem prévia autorização do autor, salvo em exceções legais. Da mesma forma, os NFT que correspondam a uma obra física, ou a uma transposição da obra física para o mundo imaterial, dependem de autorização do autor da obra originária, como estipula o artigo 31º da mesma lei.

Assim, apesar de serem novidades, essas expressões artísticas estão protegidas pela lei, embora necessitem de certo raciocínio jurídico e interpretativo. Imagino que essa onda desmesurada de conversões poderá ser sucedida por algumas demandas judiciais destinadas a coibir abusos ou ilícitos mais explícitos.

Ainda no âmbito da legislação, no momento, existem tramitando no Congresso cinco projetos de lei sobre o tema dos criptoativos, todos visando regular essa forma de direito.[8] As consequências para todo o mercado financeiro são enormes, bem como para os bens imateriais, os serviços e os bens materiais, móveis e imóveis.

A maleabilidade dos criptoativos permite que sejam vinculados a todos os setores da sociedade, potencializando as relações jurídicas e econômicas. Há necessidade de regulação, sim, mas também é preciso que haja uma constante revisão da rapidez com que se propagam.

Considerações finais

O crescimento dos ativos imateriais na sociedade é um fato notório e irreversível. A tecnologia que os inventou foi legitimada pelas criações artísticas, pelos usos comerciais e pelo mercado. O Brasil, segundo a revista Exame, de setembro de 2022, é o país com maior potencial de crescimento do mercado de criptoativos.

Os criptoativos absorveram o mundo jurídico e econômico e isso está gerando uma notória evolução em ativos, e também em questões de fraude. Não é o Direito nem a economia que vão regulamentá-los; há uma situação de aceleração atípica dos fatos. Trata-se de uma nova relação normativa, quase que uma smart law, com gatilhos e mutações darwinianas, em que temos alterações sucessivas por força da evolução das novas tecnologias.

No campo das artes, o Direito terá de se moldar aos mimetismos dos NFT e às características e necessidades do mercado. Este artigo trouxe conceitos básicos, servindo de pano de fundo sempre presente a evolução tecnológica, os hábitos sociais e o fator tempo.

 

Como citar este artigo

ALMEIDA, Gustavo Martins. NFT e o Direito. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 35, 2023.

 

Gustavo Martins de Almeida

Advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com mestrado e doutorado em Direito respectivamente pela Universidade Gama Filho (UGF) e pela Universidade Veiga de Almeida. É professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), conselheiro e advogado do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) e presidente da Associação dos Amigos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Atua nas áreas de direito autoral, direito do entretenimento, responsabilidade civil e direito do consumidor.

 

Referências

BEECH, D. Art and postcapitalism. Londres: Pluto Press, 2019.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 6 maio 2023.

CAPRIOLI, Eric A. Consentement et systèmes informatiques. In: BOURCIER Danièle; HASSETT Patricia; ROQUILLY, Christophe. Droit et intelligence artificielle: une révolution de la connaissance juridique. Paris: Romillat, 2000.

COLLINS DICTIONARY. Glasgow: HarperCollins, 2011. Disponível em: www.collinsdictionary.com. Acesso em: 30 ago. 2022.

CRYPTE. In: DICIONÁRIO Larousse. Paris: Éditions Larousse, 2022. Disponível em: https://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/crypte/20844. Acesso em: 3 set. 2022.

GIRARDIN, D. Controverses. Une histoire juridique et éthique de la photographie. Lausana: Actes Sud, 2008.

RODRIGUES, C. Blockchain e criptomoedas. 2. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021.

RODRIGUES, C. Impactos da inteligência artificial no fortalecimento da confiança nas relações da sharing economy. In: SILVA, R.; TEPEDINO. G. (coord.). O Direito Civil na era da inteligência artificial. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

SANTOS, D. P. P. Do pacta sunt servanda ao code is law: breves notas sobre a codificação de comportamentos e os controles de legalidade nos smart contracts. In: SILVA, R.; TEPEDINO. G. (coord.). O Direito Civil na era da inteligência artificial. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

TAPSCOTT, D. Blockchain revolution. Como a tecnologia por trás do Bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o mundo. São Paulo: Senai-SP Editora, 2016.

UHDRE, D. C. Blockchain, token e criptomoedas. São Paulo: Ed. Almedina, 2021.

VAINZOF, R.; CUNHA FILHO, Marcelo de Castro. Natureza jurídica “camaleão” das criptomoedas. Jota, São Paulo, 2017. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-natureza-juridica-camaleao-das-criptomoedas-21092017. Acesso em: 7 set. 2022.

WACHOWICZ, Marcos; CIDRI, Oscar. Direitos autorais e a tecnologia NFT: esculturas imaginárias e destruição criativa. Boletim julho de 2021, Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial, Universidade Federal do Paraná, 2021. Disponível em: https://www.gedai.com.br/direitos-autorais-e-a-tecnologia-nft-esculturas-imaginarias-e-destruicao-criativa/. Acesso em: set. 2022.

WHITEHEAD, A. N. Adventures of ideas. Lexington: The Free Press, 2012.



[1] Ver: ANDERSON, J.; RAINIE, L. Millennials will make online sharing in networks a lifelong habit. Pew Research Center, Washington, D.C., 2010. Disponível em: http://www.pewinternet.org/2010/07/09/millennials-will-make-online-sharing-in-networks-a-lifelong-habit/. Acesso em: 11 set. 2022.

[2]Abreviatura de Joint Photographic Experts Group, comitê que estuda códigos-padrão de imagens paradas. Ver: https://jpeg.org/about.html. Acesso em: 6 maio 2023. 

[4] Ver: https://bitcoin.org/bitcoin.pdf. Acesso em: 6 maio 2023.

[5] Artigo 6º, parágrafo 2º: “A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir: I – compra e venda; II – permuta; III – doação; IV – transferência de criptoativo para a exchange; V – retirada de criptoativo da exchange; VI – cessão temporária (aluguel); VII – dação em pagamento; VIII – emissão; e IX – outras operações que impliquem em transferência de criptoativos” (IN RFB nº 1.888/2019).

[6] “[…] The second, Jakob Rigi’s theory that the value of digital products tends towards zero because sound files, image files, movie files, apps and so on can be copied instantly, automatically and effortlessly in numberless quantities with an average socially-necessary labour time of nothing, is more closely related to the politics of the commons but also recalls Marxist debates on how the social relations of the capitalist mode of production constrain the capacity of new technologies. (BEECH, 2019).

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