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Revista Observatório 32 | O funk e o rap em números

Revista Observatório 32 | O funk e o rap em números

Através de dados quantitativos e do histórico do Rap e do Funk no Brasil, artigo debate sobre a participação desses gêneros musicais na indústria cultural no país

Publicado em 14/06/2022

Atualizado às 15:52 de 14/10/2022

por Leonardo Morel e Vitor Gonzaga dos Santos

Resumo: O funk e o rap se popularizaram no Brasil graças ao barateamento do acesso aos meios de gravação, produção e distribuição de música. A difusão em plataformas como o YouTube e em aplicativos como o TikTok contribui para dar voz a esses gêneros, tradicionalmente marginalizados pela indústria cultural no país. Dados fornecidos pela distribuidora digital de música ONE Revolution People's Music (ONErpm) exclusivamente para a elaboração deste estudo permitiram aprimorar o entendimento do atual cenário do rap e do funk. Apesar dos avanços em termos de popularidade, ainda é cedo para afirmar que ambos irão se massificar a ponto de atingir os níveis de difusão observados em estilos como o sertanejo e a pisadinha.[1] Ademais, há predominância de artistas do gênero masculino, e que ainda enfrentam barreiras discriminatórias estabelecidas por parte da sociedade brasileira.

Capa da Revista Osbervatório 32, com as cores terrosa e verde claro.

>> Acesse aqui o índice da Revista Observatório 32

Introduzindo a batida

O rap e o funk são movimentos culturais e dois dos principais estilos musicais capazes de traduzir as diferentes identidades e realidades da periferia brasileira. Ambos vêm se popularizando, ganhando cada vez mais relevância no mercado nacional de música e competindo por espaço nos rankings ao lado de ritmos como o sertanejo[2] e a pisadinha.

Existe, no entanto, uma carência de estudos sobre o rap e o funk que abordem dados quantitativos e mercadológicos, uma vez que grande parte das pesquisas sobre esses gêneros se concentra nas suas características socioculturais. Este levantamento tem como objetivo apresentar e analisar dados mercadológicos do rap, do funk e das suas ramificações no Brasil. Como fontes de informação, foram utilizados livros, artigos acadêmicos e relatórios de mercado. A análise de dados de plataformas digitais como Spotify Charts Brasil e YouTube Charts Brasil permitiu traçar o atual cenário do consumo desses estilos. Por fim, esta pesquisa teve a relevante contribuição de informações quantitativas e qualitativas exclusivas, gentilmente fornecidas pela ONE Revolution People's Music (ONErpm). Aproveitamos para agradecer a Thiessa Torres, Arthur Fitzgibbon e toda a equipe da empresa pela atenção que nos foi dada durante elaboração deste trabalho.

Entendendo a pista

O barateamento do acesso às tecnologias de gravação, produção e distribuição musical permitiu que artistas de segmentos musicais como o funk e o rap, historicamente marginalizados, se inserissem na indústria cultural. Ademais, a difusão em plataformas como o YouTube e em aplicativos como o TikTok deu voz a artistas desses estilos, abrindo caminho para a sua expansão no Brasil.

A difusão em plataformas como o YouTube e em aplicativos como o TikTok deu voz a esses artistas historicamente marginalizados pela indústria cultural, abrindo caminho para estilos musicais como o funk e o rap no Brasil (Leonardo Morel)

Além dessa contribuição, a distribuição pelos serviços de streaming tornou-se a principal responsável pelo aumento das receitas geradas pelo formato digital de música gravada. Esse cenário vem proporcionando uma gradual recuperação financeira dos agentes da indústria fonográfica, após um longo período de perdas. Em termos de receitas, em 2020, por exemplo, o mercado brasileiro de música gerou uma receita estimada de 1,4 bilhão de reais, o que representou um crescimento de 15% em relação ao ano anterior.[3]

Aplicativos como o TikTok tornaram-se poderosas ferramentas de marketing do mercado musical, por permitir que seus usuários criem conteúdos utilizando trilha sonora. Quando uma música se populariza – ou “viraliza”, de acordo com o termo usado por esses usuários –, os artistas têm a possibilidade de expandir sua base de fãs, atingindo pessoas de outras regiões do país e de diferentes classes sociais. Esse fenômeno vem sendo amplamente observado nos segmentos do rap e do funk.

De onde veio essa batida?

É de grande importância compreender a relevância do rap e do funk para o mercado brasileiro de música e para a cultura como um todo a partir da contextualização das suas origens. Ambos os estilos possuem raízes ligadas ao intercâmbio afrodiaspórico ocorrido durante o período colonial no continente americano, e se desenvolveram nos Estados Unidos. Fundamental para entender o surgimento do movimento hip-hop e do funk é discorrer, primeiramente, sobre a black music, gênero que nasceu nos campos de colheita de algodão dos Estados Unidos e que se desenvolveu em um contexto de luta por direitos civis e por igualdade racial com a chamada soul music.[4]

Desenho de um jovem negro fazendo passos de street dance. A imagem mostra o jovem em diferentes posições simulando os movimentos da dança. Ao fundo uma parede em tons de roxo com alguns grafites.
Ensaio Artístico Revista Observatório 32 | Mauricio Negro - Street Dance 

Em função do seu ritmo dançante, a black music podia ser interpretada como apenas uma forma de lazer, todavia, nas letras das melodias, os artistas denunciavam a violência policial, a estrutura educacional não igualitária e outras desigualdades socioeconômicas vivenciadas pelas comunidades negras. Essas ideias encontraram ressonância nos pensamentos e na atuação de alguns artistas brasileiros, como Tim Maia e Jorge Ben Jor, que se tornaram referência do estilo no país. Logo, a black music se espalhou entre as juventudes negras periféricas do Brasil, que viram na cena uma possibilidade de representação e de autoafirmação.

Na batida do rap

Abreviação em inglês de rhythm and poetry, ritmo e poesia, o rap é um dos elementos da cultura do hip-hop[5] e caracteriza-se por mesclar batidas e rimas poéticas. Por causa da ausência de informações sobre o hip-hop estadunidense, a música rap e a dança break[6] foram as principais referências do movimento no Brasil. Segundo Micael Herschmann (2000), a relação entre os brasileiros e o hip-hop se baseou no consumo de produções estrangeiras inéditas no país, reproduzidas por DJs.

A disseminação dessa cultura contribuiu para que os jovens, inicialmente das periferias de São Paulo, se inspirassem no rap produzido nos Estados Unidos. Valores como o enfrentamento do racismo estrutural e a exaltação de África, e referências como Malcolm X, Martin Luther King e Panteras Negras, serviram de inspiração para esses jovens paulistanos, que passaram a desenvolver o rap consciente.[7] Segundo Alessandro Buzo (2010), os atributos da cultura hip-hop foram disseminados na década de 1990 pelo grupo Racionais MC’s e por artistas como MC Thaíde e DJ Hum.

Como destaca Ricardo Teperman (2015), os Racionais MC’s assumiram um posicionamento crítico diante das violências, das discriminações e das desigualdades socioeconômicas sofridas pela população negra na sociedade brasileira, temas presentes no álbum Sobrevivendo no inferno, de 1997, um dos maiores clássicos do hip-hop nacional. Por suas letras politizadas, o grupo se destacou como uma das principais influências para as novas gerações do rap brasileiro.

De acordo com Bráulio Loureiro (2016), uma “nova geração” do rap nacional surgiu no final dos anos 2000, composta sobretudo de rappers vinculados às batalhas de rima – competições que buscam promover o conhecimento, integrar membros e expressões artísticas do hip-hop e estimular a difusão do movimento. Entre os principais nomes dessa geração, destacam-se Emicida, Criolo, Kamau, MC Marechal e Negra Li. Beneficiando-se do acesso à internet e a outras tecnologias, eles foram capazes de compor, cantar e desenvolver seus trabalhos tendo em vista como iriam se inserir nos canais mais centrais e mercadológicos da música brasileira (NARDINI, 2018, p. 36).

A partir da segunda década do século XXI, a cultura hip-hop se expandiu com a popularização de batalhas, saraus e slams.[8] Esses eventos foram porta de entrada para muitos artistas que viriam a se tornar referência no setor, como Djonga, BK, Baco Exu do Blues, Xamã, Matuê, Clara Lima, Cynthia Luz e Flora Matos.

Desenho das cabeças de duas pessoas negras, colocadas em posições invertidas, olhando para lados opostos. Ambas estão com tranças esvoaçantes com miçangas em branco, amarelo e vermelho. O fundo está em tons marrons.
Ensaio Artístico Revista Observatório 32 | Mauricio Negro - Cabeça Feita 

Xamã é um exemplo de artista que vem despontando no mercado. Atualmente, ele possui 9,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify, sendo parte significativa do seu sucesso calcada na música “Malvadão 3”, que lidera os rankings dos serviços de streaming no país. Aos 32 anos, o ex-camelô de Sepetiba, bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro, começou a sua carreira versando sobre as jujubas e os amendoins que vendia nos vagões dos trens da Central do Brasil. O sucesso de “Malvadão 3” foi potencializado por regravações feitas por artistas de outros estilos, como Dodô Pressão (brega), Biu do Piseiro (pisadinha) e Nattan (forró). Esses registros fizeram a música de Xamã se comunicar com outros públicos, expandindo sua base de fãs nacionalmente.

A popularização do artista despertou também o interesse de grandes marcas por parcerias comerciais, e seu nome se difundiu em veículos de comunicação que historicamente dão pouco espaço aos criadores de rap. Além disso, outro fator determinante para o desenvolvimento de seu trabalho foi o TikTok, aplicativo muito popular entre o público infanto-juvenil que permite que os usuários criem seus próprios conteúdos utilizando músicas gravadas. Essas postagens ajudaram a viralizar o trabalho de Xamã, que atualmente soma mais de 1,5 milhão de criações de vídeo no TikTok, ao lado de 511 mil criações de reels[9] e 9,4 milhões de stories, ferramentas semelhantes do aplicativo Instagram.

Essa aproximação com os usuários por meio das redes sociais surtiu um efeito importante na audiência do artista: com dois meses de lançamento, “Malvadão 3” gerou um crescimento de 800 mil seguidores em sua conta no Instagram e de 129 mil seguidores em seu perfil no Spotify, uma variação de 11,61%. Ademais, sua métrica de ouvintes mensais[10] praticamente dobrou. Ao todo, a música já foi tocada mais de 140 milhões de vezes nas principais plataformas de streaming.[11]

Na batida do funk

A sonoridade do funk conhecida atualmente é completamente distinta do gênero de mesmo nome criado nos Estados Unidos na década de 1960, com James Brown como um de seus principais expoentes. A sua popularidade entre os jovens fez com que, aqui do Brasil, na década seguinte surgissem e se espalhassem as equipes de som – como Soul Grand Prix, Black Power e Furacão 2000 –, que tocavam em bailes reunindo os fãs do estilo.

A partir de 1980, surge o funk brasileiro, inicialmente caracterizado por utilizar em sua base as batidas da versão estadunidense do miami bass.[12] À época, artistas nacionais adaptavam para o português as letras desse subgênero, originalmente cantadas em inglês, criando as chamadas melôs.[13] Essa tradução das músicas norte-americanas para a língua portuguesa difundiu-se por meio do trabalho do DJ Marlboro, um dos vanguardistas do funk carioca. Segundo Silvio Essinger, foi ele o principal idealizador da “nacionalização do funk” (2005, p. 84).

Se a popularização dos bailes na década de 1990 contribuiu para que o gênero adquirisse notoriedade no mercado brasileiro, o entendimento do funk como expressão identitária das periferias cariocas, no entanto, não proporcionou um reconhecimento cultural ampliado (SÁ, 2007, p. 11). Ao contrário, foi justamente durante esse período que o preconceito e a difamação midiática cresceram.

Em 1995, o funk carioca alcançou sua fase dourada. Os MCs Cidinho e Doca romperam as barreiras da periferia com o “Rap da felicidade”, que se tornou um hino do movimento. No mesmo período, segundo Mauricio Guedes, “surgem os bons moços do funk, Claudinho & Buchecha” (2007, p. 47). Com letras ingênuas e divertidas, a dupla de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, conquistou o país e vendeu 3 milhões de discos. No mesmo período, outro artista que se consolidou foi Latino, o “príncipe” do funk melody[14] que, com músicas animadas, conquistou parte da classe média e fez com que o gênero se popularizasse ainda mais (GUEDES, 2007).

Desenho de cinco figuras, sendo três utilizando máscaras africanas e acima a figura de uma galinha da angola e uma tartaruga.
Ensaio Artístico Revista Observatório 32 | Mauricio Negro - Mulher

Em paralelo a esse crescimento, o chamado funk proibidão também se tornou conhecido nas comunidades, com letras que falavam sobre o tráfico de drogas e que faziam apologias sexuais, exaltação de facções criminosas locais e provocações a grupos rivais. Inicialmente, essas músicas estavam restritas aos bailes e às rádios dessas comunidades.

O início do século XXI foi marcado pela expansão do gênero na indústria cultural. Artistas passaram a figurar em trilhas sonoras de novelas e isso acabou fomentando a disseminação do funk pelo país e o surgimento de novas ramificações. Em São Paulo, por exemplo, despontou o chamado funk ostentação, que ganhou notoriedade no mercado musical a partir de 2008, quando MC Backdi e Bio G3, da Zona Leste paulistana, lançaram a faixa “Bonde da Juju”. A letra enaltecendo o tênis do modelo Nike Shox e os óculos Juliet se difundiu pelas periferias e inspirou novos funkeiros por todo o Brasil, como os MCs Guimê, Pocahontas, Nego do Borel e Nego Blue.

A partir de 2011, esses artistas passaram a utilizar os videoclipes para espalhar não só sua música, mas também conceitos estéticos. Da periferia paulistana, MC Guimê, por exemplo, obteve milhões de visualizações no YouTube com o videoclipe de “Tá patrão”. Essa conquista teve o auxílio de Konrad Dantas, criador da KondZilla, atualmente a maior produtora brasileira de videoclipes de funk e a detentora do maior canal de YouTube do país. Assim como aconteceu com o rap, as mídias sociais digitais contribuem para a popularização do funk como um exemplo da cultura periférica nacional.

No entanto, embora o funk e o rap sejam executados em múltiplos espaços e sejam tema de inúmeros estudos acadêmicos, ainda enfrentam barreiras para se consolidar como gêneros culturais relevantes no país. Acreditamos que esse fato se dê em virtude das origens negras de ambos. O racismo produz o desperdício do potencial artístico-cultural dos jovens negros, além de impossibilitar o seu desenvolvimento social e a ampliação de retornos financeiros (SANTOS, 2020).

O racismo produz o desperdício do potencial artístico-cultural dos jovens negros, além de impossibilitar o seu desenvolvimento social e a ampliação de retornos financeiros (Vitor Gonzaga dos Santos)

O rap e o funk em números

O rap e o funk competem com estilos de grande relevância, como o sertanejo, por posições em diversos rankings. Para compreender essa popularidade, foram coletados dados dos rankings das duas principais plataformas de streaming de música no Brasil – Spotify e YouTube – e das faixas mais executadas nas rádios nacionais. Para a análise, foram comparadas as duas últimas semanas de janeiro de 2021 com o mesmo período de 2022.

De acordo com a ferramenta Spotify Charts Brasil, na última semana de janeiro de 2022, artistas de rap, funk e trap[15] ocupavam três das dez primeiras posições, com a faixa “Malvadão 3” liderando o ranking:[16]

Tabela 1 Artistas mais ouvidos no spotify na semana de 21/jan/22 - 28/jan/22 (em milhões)

No mesmo período de 2021, o Top 10 do Spotify Brasil apresentava somente um artista do segmento trap, com as demais posições ocupadas por artistas do sertanejo e da pisadinha:[17]

Tabela 2 Artistas mais ouvidos no spotify semana de 22/jan/21 - 29/jan/21 (em milhões)

No YouTube Charts Brasil, na última semana de janeiro de 2022, três artistas de rap, funk e ramificações constavam no Top 10 da plataforma:[18]

Tabela 3 Artistas mais ouvidos no youtube semana de 28/jan/22 - 03/fev/22

No mesmo período de 2021, também três músicas dos segmentos rap e funk apareciam entre as mais executadas no YouTube: “MDS”, de Kawe e MC Lele JP; “Camisa do flamengo”, de MC Meno K e DJ 2L da Rocinha; e “Xerecard”, de Jeff Costa e MC Danny. As demais posições eram ocupadas por artistas de sertanejo e pisadinha.

Nas rádios brasileiras, de acordo com o ranking da Crowley, empresa que as monitora, na última semana de janeiro de 2022 e no mesmo período de 2021, nenhum artista de funk, rap e ramificações figurou entre os dez mais executados. O predomínio, nesses dois anos, foi de artistas do sertanejo. Isso comprova que o consumo de música gravada no país muda de acordo com o veículo.

No detalhe da batida

A ONErpm, uma das plataformas que lideram o segmento de distribuição digital de música no Brasil, é referência para o rap, o funk e as suas ramificações, servindo de base para a distribuição digital de artistas de pequeno, médio e grande portes e para o desenvolvimento de suas carreiras.

Dados exclusivos compartilhados para a elaboração deste estudo nos permitiram aprimorar o nosso entendimento sobre o atual cenário dos gêneros destacados.

Gráfico em pizza com o top 100 artistas Onerpm.

Em termos de execuções musicais, de acordo com a base de dados da ONErpm, entre outubro de 2021 e janeiro de 2022, o rap e o funk foram os estilos dominantes na distribuidora, correspondendo, juntos, a 55% do seu Top 100.

Gráfico 2 em pizza com o Top 100 ONErpm RAP

Analisando os cem artistas mais executados na base de dados da ONErpm, observa-se uma significativa predominância masculina. No rap, a representatividade de mulheres é de 8%. No funk, esse número sobe para 17%.[19]

Gráfico 2 Top 100 ONErpm FUNK

Para amenizar essa discrepância, Arthur Fitzgibbon, CEO da distribuidora, afirma que se tem buscado fomentar a presença de mulheres nesses estilos nacionais: "Desejamos ver cada vez mais artistas mulheres lançando seus trabalhos no rap e no funk.  A ONErpm trabalha forte para que isso se torne realidade num curto período”

Desejamos ver cada vez mais artistas mulheres lançando seus trabalhos no rap e no funk.  A ONErpm trabalha forte para que isso se torne realidade num curto período (Arthur Fitzgibbon, CEO da ONErpm).

O mercado musical é historicamente dominado por homens. Esse cenário não se restringe aos artistas, sendo observado também entre os profissionais que atuam nas empresas do segmento da música gravada, de acordo com dados da ABMI. Por isso, é preciso incentivar o ingresso de mulheres e de pessoas LGBTQIAP+ e não binárias em todos os segmentos do setor musical para torná-lo mais igualitário em termos de gênero.

Essa necessidade também se vê em termos de raça ou etnia. Entre os artistas negros pertencentes ao catálogo da ONErpm, os mais seguidos na rede social Instagram são Xamã, Mano Brown e Orochi.

Gráfico 4 Artistas das ONErpm com mais seguidores no Instagram (em milhões)

As novas batidas

Novos estilos foram criados a partir do rap e do funk e alguns deles vêm se popularizando, como o grime, que surgiu em Londres no início dos anos 2000, mesclando referências de rap, UK Garage e drum'n’bass. Em termos de andamento[20] das músicas, o grime é marcado pela utilização de 140 BPMs (batidas por minuto) e, em geral, seus MCs fazem uso de oito compassos de rima, diferenciando-se dos 16 compassos utilizados tradicionalmente pelo rap. A partir da década de 2010, o grime se popularizou internacionalmente, com artistas se apresentando em grandes festivais ao redor do mundo.

No Brasil, tornou-se conhecido graças a iniciativas como o Brasil Grime Show, projeto no YouTube que reúne artistas para rimar sobre beats[21] desse estilo. O canal também possui uma ramificação fonográfica e lança artistas por seu selo musical.[22]

Outro estilo que vem se espalhando pelo país é o drill. Criado em Chicago, nos Estados Unidos, no início da década de 2010, é uma variação do trap, gênero muito popular no mundo todo. O drill é marcado por frequências graves oscilantes em suas batidas e, no Brasil, os artistas fazem letras que descrevem a violência observada nas comunidades carentes e nas periferias urbanas. Um dos principais artistas nacionais do gênero é o rapper Leall, que, em 2021, ganhou o Prêmio Rap TV nas categorias Melhor Álbum, Melhor Capa e Melhor MC Masculino. Seu single "Faça dinheiro, se mantenha vivo" atingiu o Top 50 viral brasileiro do Spotify.

Por terem conquistado notoriedade principalmente nos subúrbios, tanto o grime quanto o drill apresentam influências do funk.

Considerações finais

O rap, o funk e as suas respectivas ramificações vêm se popularizando graças ao barateamento do acesso aos meios digitais de gravação, edição e distribuição, que possibilitou o ingresso de seus criadores no mercado musical. O YouTube tem um papel crucial nesse processo, por dar voz a esses gêneros, historicamente marginalizados pela indústria cultural.

Os serviços de streaming de música e aplicativos como o TikTok contribuem para a difusão do rap e do funk, fazendo com que suas bases de fãs cresçam para além das periferias e ganhem adeptos nas classes sociais economicamente mais favorecidas. A popularização de músicas desses estilos e de suas ramificações representa, ainda, uma possibilidade de ascensão social para muitos artistas.

Apesar disso, o sertanejo e a pisadinha ainda são predominantes quando o tema é o consumo de música no país. É cedo para afirmar que o rap e o funk irão se massificar a ponto de prevalecerem nos rankings, pois, apesar da atual atenção que despertam, são gêneros que ainda enfrentam barreiras discriminatórias impostas por parte da sociedade.

Por fim, o mercado da música carece de políticas que o tornem mais igualitário em termos de gênero e etnia. O incremento da capacitação dos agentes de mercado e a ampliação do acesso ao conhecimento são meios indispensáveis para o desenvolvimento do setor como um todo.

 

como citar este artigo

MOREL, Leonardo; SANTOS, Vitor Gonzaga dos. O funk e o rap em números. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 32, 2022. Disponível em: [url]. Acesso em: [data_atual]. DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.32/4

 

Leonardo Morel é mestre em políticas públicas pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED/IE/UFRJ). Pesquisador adjunto do Laboratório de Economia Criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro (ESPM/RJ), coordena o estudo Análise de mercado da música no Brasil, da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), e é analista do mercado latino-americano de música e vídeo na empresa inglesa de consultoria MIDiA Research e A&R manager na distribuidora digital de música Tratore. Escreveu os livros Música e tecnologia (Azougue, 2010) e Monobloco: uma biografia (Azougue 2015).

Vitor Gonzaga dos Santos é graduado em relações públicas pelo Centro Universitário UNA e mestrando em comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Diretor-geral da Encruza Produções, atua como produtor e empreendedor cultural, em produções dentro e fora da capital mineira.

 

Referências bibliográficas

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[1] Ritmo derivado do forró – como o forró de vaquejada, o romântico, o eletrônico, o xote e o baião.

[2] Gênero musical brasileiro produzido a partir da década de 1910 por compositores urbanos e rurais, com predominância do som da viola. Pode ser chamado genericamente também de moda ou embolada.

[3] Estimativa feita pela Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) levando em consideração dados de crescimento publicados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (Ifpi) e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

[4] Soul music, ou apenas soul, é um gênero musical popular que se originou na comunidade afro-americana dos Estados Unidos entre os anos 1950 e o início dos anos 1960. Combina elementos da música gospel, do rhythm and blues e do jazz.

[5]hip-hop tem quatro elementos principais: o rap, o DJ, o break (praticado pelos chamados b-boys e b-girls) e a arte do grafite. Entre as diferentes manifestações artísticas do movimento hip-hop, a música se insere como papel principal, com DJs, MCs - forma abreviada de mestre de cerimônias, pessoa responsável por deixar os convidados entretidos num evento, costuma também ser usada antes do nome de cantores.

[6] Estilo de dança de rua, parte da cultura do hip-hop, criada por afro-americanos e latinos na década de 1970, em Nova York.

[7] Subgênero do hip-hop que trata de questões sociais.

[8] Competições de versos que navegam entre a poesia e o rap e fortalecem a cultura das periferias.

[9] Aplicativo que permite a criação de vídeos de curta duração.

[10] Número atualizado diariamente, que leva em conta a soma de ouvintes únicos que um artista conquistou nos últimos 28 dias.

[11] Dados fornecidos pela distribuidora digital de música ONErpm para este estudo.

[12] Subgênero do hip-hop que se tornou popular nos Estados Unidos e em países da América Latina nos anos 1980 e 1990.

[13] Música que, por ser muito simples e fácil de memorizar, pode ser cantada por qualquer pessoa.

[14] Subgênero do freestyle surgido no início dos anos 1990, com letras centradas em temáticas românticas e sem apelo sexual.

[15] Subgênero do rap/hip-hop surgido na década de 2000 com DJ Paul, no sul dos Estados Unidos.

[16] Disponível em: https://spotifycharts.com/regional/br/weekly/2022-01-21--2022-01-28. Acesso em: 21 maio 2022.

[17] Disponível em: https://spotifycharts.com/regional/br/weekly/2021-01-22--2021-01-29. Acesso em: 21 maio 2022.

[18] Disponível em: https://charts.youtube.com/charts/TopSongs/br/20220128-20220203?hl=pt. Acesso em: 21 maio 2022.

[19] Esse percentual é referente à base de artistas da ONErpm, e não ao mercado como um todo.

[20] Andamento é o termo que designa velocidade, sob o pulso constante, que é o elemento primordial para a consolidação da escrita musical no plano das durações.

[21] Palavra da língua inglesa que significa bater, pulsar, vencer. É o ritmo cadenciado, a batida usada nas batalhas dos rappers.

[22] Selo musical é um tipo de marca utilizada no lançamento de fonogramas em mídias físicas e digitais, no âmbito da indústria fonográfica. O termo também é usado como sinônimo de gravadora, em razão de os fonogramas serem vendidos com selos que identificavam a gravadora que os havia produzido.

 

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