O jornalista Jorge LZ fala, na coluna “Na ponta da agulha”, sobre o mais recente disco de Mihay
Publicado em 17/10/2023
Atualizado às 18:15 de 17/10/2023
Cantor e compositor nascido e criado no Rio de Janeiro, Mihay encarna a figura do carioca clássico: encantador, fala mansa, sorriso estampado e aquele jogo de cintura típico de pessoas da cidade maravilhosa. Mas a carioquice de Mihay não se fecha ali: dialoga com além das fronteiras, em uma música que abraça, conforta e enche os ouvidos de bons sons, simultaneamente praieiros e urbanos. Isso fica evidente no recém-lançado Maré vermelha e também nos álbuns anteriores de sua discografia, composta de Respiramundo (2008), Gravador e amor (2016) e Amor em tempos nublados (2018).
Em Maré vermelha, ele desenvolveu um conceito artístico a partir do fenômeno natural em que o mar apresenta manchas escuras causadas pela floração de algumas algas, o que torna, muitas vezes, o ambiente tóxico para a fauna e a flora marinhas e para os seres humanos. Assim como surge, a maré vermelha desaparece. Mihay traçou um paralelo entre esse acontecimento e a pandemia pela qual o planeta passou, que fez com que a humanidade, após uma onda que matou milhões de pessoas, fosse obrigada a rever seus conceitos, alterando as formas de interação entre pessoas e com o meio ambiente.
Formado por dez canções, o álbum reflete a tristeza do momento, mas não renuncia a um olhar para a frente, buscando uma perspectiva otimista com a mudança da maré. A palavra que define o conceito do álbum é impermanência: os ciclos se alternam e é preciso lidar e aprender com eles.
Das dez canções, nove foram escritas por Mihay, três delas em parceria: “Pé”, com Lucina, que, além de ter uma linda carreira solo, formou a dupla Luli & Lucina; “Seu Carnaval descansa”, com Romulo Fróes, um dos principais nomes da música brasileira contemporânea; e “João e Mariá”, com Romulo Ferreira e o eterno João Donato, com quem o artista chegou a desenvolver uma grande amizade e um trabalho assíduo – participou de um disco do mestre, excursionou com ele pela Europa e pôde contar com a sua presença em todos os seus álbuns. A única faixa que não tem a autoria de Mihay é “Anos incríveis”, composição de Giovani Cidreira.
O cantor contou que o universo musical setentista de Jards Macalé foi uma influência para a atmosfera de Maré vermelha, mas é impossível não sentir a presença, nessa atmosfera, do já saudoso Erasmo Carlos, principalmente da fase Carlos, Erasmo, sua obra-prima de 1971.
Com direção artística de Marcus Preto e produção musical de Lucas Vasconcellos (que já havia trabalhado no álbum Amor em tempos nublados) – exceto nas faixas “João e Mariá”, produzida por Guto Brant, e “Palavra cruzada”, produzida por Jongui –, em Maré vermelha, o artista é acompanhado por Lucas Vasconcellos, Robson Riva e Guilherme Held, com as participações especiais de Assucena e Thiago Pethit nos vocais (também responsável pela preparação vocal) e Guizado no trompete de “Coração no lixo”, faixa que antecedeu o álbum e ganhou um videoclipe dirigido por Pri Garcia e Mihay. Há ainda João Donato no vocal e no piano de “João e Mariá”; e Romulo Fróes no vocal de “Seu Carnaval descansa”, ao lado de um coro formado por Sérgio Pererê, Raquel Coutinho, Pedro Morais, Mari Blue, Clara Delgado e Guto Brant. Os arranjos são assinados por Lucas Vasconcellos e Robson Riva.
Versando sobre reconstrução e esperança na transformação por meio do amor, o artista é preciso no discurso e no desenvolvimento de canções maduras que, ao contrário da palavra-chave do conceito do álbum, têm tudo para permanecer ao longo do tempo, independentemente da alternância das marés.
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