João Rabello, que divide os palcos com o pai, compartilha suas histórias e curiosidades sobre um dos mais célebres músicos brasileiros
Publicado em 12/11/2022
Atualizado às 03:00 de 11/05/2025
Paulinho da Viola é o último do quarteto de gigantes formado por ele, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento a completar 80 anos em 2022. Todos eles, ao lado de Gal Costa, Maria Bethânia, Tom Zé, Chico Buarque, Edu Lobo e outros artistas, fazem parte de uma geração de ouro da música brasileira que explodiu Brasil afora na década de 1960. O nome de batismo é Paulo César Batista de Faria, nascido em 12 de novembro de 1942, no Rio de Janeiro (RJ). Compositor, cantor e multi-instrumentista, ganhou o apelido do sambista Zé Keti e do jornalista Sérgio Cabral, por sempre estar com o violão em mãos – nos palcos você também o vê com um cavaquinho em grande parte das músicas.
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Em 1965, aos 22 anos, Paulinho da Viola integrava o grupo que fez o espetáculo Rosa de ouro, ao lado de artistas como Clementina de Jesus, Aracy Cortes, Hermínio Bello de Carvalho e Nelson Sargento. Um ano depois, como integrante da ala de compositores da Portela, sua composição “Memórias de um sargento de milícias” foi escolhida como samba-enredo da escola. Já o primeiro sucesso estrondoso veio em 1970, com a música “Foi um rio que passou em minha vida”. A partir daí, ele deixou de se apresentar sozinho com seu violão e criou um grupo para acompanhá-lo nos shows.
Grupo este do qual seu pai, César Faria, fez parte durante anos. E que hoje conta com a presença de João Rabello, um de seus sete filhos. “É uma experiência que deixa a gente mal-acostumado. É muito seguro estar no palco, porque ele assume a responsabilidade, o público está ali querendo vê-lo. Eu sou quase um espectador no palco, tocando, mas observando a relação dele com o público”, conta Rabello.
João seguiu a carreira de músico, assim como o pai, o avô, a irmã Beatriz Rabello e o tio por parte de mãe Raphael Rabello. Como violonista solo, lançou dois álbuns: Roendo as unhas (2006) e Uma pausa de mil compassos (2011). Começou a tocar na banda do pai substituindo o avô César aos 22 anos. Ter crescido num ambiente musical, com um violão por perto e ensaios de Paulinho da Viola e companhia em casa – “Meu pai sempre tem um violão disponível, como mais um objeto normal da sala”, ele comenta – fez com que Rabello estivesse sempre observando o pai. As primeiras notas aprendidas, no entanto, foram por meio de livros de música: “Meu pai não é exatamente um professor. Eu lembro de tentar entender conceitos muito básicos de música e ele não me explicava. Eu não conseguia entender a diferença entre dó e dó maior. Dó maior é um acorde, dó é uma nota. É uma coisa simples que quem tem esse espírito de professor pode explicar. E para o meu pai era a coisa mais natural do mundo”.
Ainda assim, foi Paulinho da Viola quem o levou para conhecer Turibio Santos, violonista e compositor considerado um mestre no seu instrumento. Um gesto de incentivo e apoio ao interesse do filho. “A partir daí, comecei a ter uma relação mais próxima de música com ele. Entrar para a sua banda também foi uma escola muito importante: aprender todas as músicas, aprender como ele toca essas músicas, estar nos shows e nos ensaios. Sempre que posso, estou presente”, lembra.
Juntos no mesmo palco
João conta que uma coisa é conhecer a música de Paulinho da Viola como ouvinte, e outra é entendê-la como músico. “Depois que você começa a trabalhar com essa obra, quanto mais o tempo passa, mais você vai descobrindo nuances e detalhes – e se relacionando com esses detalhes. Algumas coisas eu não percebia antes. Por exemplo, o meu pai começou a carreira dele tocando violão – por isso ele é o Paulinho da Viola. Se você observar a discografia dele, nos oito primeiros anos, até mais ou menos 1975, o violão era o principal instrumento harmônico dos discos”, diz.
“Em 1975, ele lança o disco [Paulinho da Viola] que tem a música ‘Argumento’. Essa música abre com ele tocando cavaquinho. Esse é um momento em que ele traz o cavaquinho para a frente.”
Outro aspecto que Rabello compreendeu com essa proximidade foi em relação à harmonia das canções. “Se você pegar músicas que ele gravou no final dos anos 1960 e comparar com as versões dos shows, existem pequenas diferenças de escolhas de acordes, coisas que músicos percebem mais”, explica. Para ele, essa mudança vem da intuição musical de Paulinho da Viola, uma vontade de fugir do caminho mais óbvio: “Quando o vejo cantando ‘Coisas como minha nega’, ele faz escolhas muito particulares. Existe uma forma mais simples de tocar, mas ele já virou aquilo de cabeça para baixo ao longo de décadas”.
Mesmo com tantos anos na estrada, Paulinho da Viola ainda é um artista preocupado e cuidadoso com os detalhes de um show, especialmente do ponto de vista musical. “A gente conversa muito sobre roteiro. Ele gosta de quebrar as expectativas do público, e às vezes acho que ele poderia ser mais indulgente com essas expectativas. Há muito tempo ele não termina um show com ‘Foi um rio que passou em minha vida’, porque ele não quer essa obviedade de terminar com a música de maior sucesso. Por outro lado, o público quer sentir aquela catarse da última música”, conta João. “A gente precisa entender que, ao mesmo tempo que é interessante trazer ideias de outras pessoas, ele não pode perder a própria autenticidade. Ele toca músicas que não estão no roteiro quando está a fim de tocar.”
Um violão, um papel e uma caneta
Rabello compartilha algumas curiosidades sobre um dos mais célebres músicos brasileiros. A primeira é que o violão continua sendo o instrumento pelo qual o pai tem mais apreço no dia a dia. “Às vezes ele pega o cavaquinho quando é algo específico. Mas está sempre com o violão em mãos”, diz.
A segunda – e talvez a mais impressionante até para o próprio filho – diz muito sobre a habilidade técnica e musical de Paulinho da Viola. “Ele tem uma coisa que pouquíssima gente sabe. É muito comum os músicos trabalharem com um gravador, de celular mesmo, para registrar ideias. Mas meu pai não acha prático. A gente já tentou, colocou um gravador enorme no celular dele só para apertar um botão, mas ele acha ruim”, conta.
“Ele escreve suas ideias num pentagrama. É uma habilidade técnica muito específica, geralmente os maestros fazem isso. Ele não grava a ideia que surgiu naquele momento, ele escreve a música.”
Bônus: Criolo e seu “Argumento”
O Spotify lançou recentemente o projeto Atemporais, coletânea que reúne regravações dos quatro artistas que completaram 80 anos em 2022 – Gil, Caetano, Milton e, agora, Paulinho – na voz de diversos artistas da música brasileira atual. Para regravar Paulinho da Viola, foram convocados Criolo, com a faixa “Argumento”, e Emicida, com “Não quero vingança”.
Neste depoimento, Criolo comenta por que escolheu essa canção para o projeto:
“A música diz que é importante que o novo venha, que é importante a gente fazer a música do jeito que o nosso coração pede, que a nossa cabeça pede, porque isso dá continuidade e abre janelas para a criatividade. Mas também sugere e pede que se entenda o samba, se compreenda essa força e energia de um povo que passa por essa estética sonora. Como o samba se deu e como se dá no Brasil. Onde nasceu e por que ser feito de tal jeito. Acho isso incrível, porque faz com que a gente visite os pilares dessa expressão musical maior do Brasil, que é o samba, e ao mesmo tempo acolha o novo”.
Ouça as regravações nesta playlist.