O cantor mineiro apresentou um jeito único de fazer música, com uma mistura de sons e ritmos baseados em suas raízes e vivências pelo mundo
Publicado em 06/04/2023
Atualizado às 03:00 de 11/05/2025
Por Juliana Ribeiro
“Um homem apaixonado pelo Rio São Francisco, pela família, por sua ancestralidade. Tinha muito orgulho de ser um homem negro e de ter em suas veias o sangue indígena. Então, antes de vir o Marku Ribas, ele fazia questão de ser o Marco Antônio. ” É assim que a atriz Lira Ribas apresenta seu pai, falecido há exatos dez anos, no dia 6 de abril de 2013.
Nascido à beira do Rio São Francisco em 19 de maio de 1947, na cidade de Pirapora, no norte de Minas Gerais, o artista apresentou um jeito único de fazer música, com uma mistura de sons e ritmos baseados em suas raízes e vivências pelo mundo. A musicalidade, aliás, esteve presente desde a infância. Com a mãe, Ribas aprendeu movimentos de percussão e sons indígenas, marcantes em suas canções. O pai do artista, que era médico, também cantava. “Meu pai era altamente criativo, e isso desde criança. Minha avó dizia que ele ficava tocando nos copos, que usava colheres e garfos para tocar nas panelas. De tudo ele tirava sonoridade”, diz Lira.
“Acho legal ser filha de rei”
Marku Ribas sempre foi muito ligado à família. Com Maria de Fátima, com quem viveu os últimos 30 anos de sua vida, teve duas filhas: Lira e Júlia, que também seguiram a carreira artística. “Eu e Júlia somos artistas. Ela iniciou profissionalmente antes de mim, porque veio da música desde a adolescência e teve o privilégio de cantar com o meu pai. Eu não cheguei a trabalhar com ele no palco”, conta Lira, que foi atleta por muitos anos – ela jogava voleibol profissionalmente. Aliás, a atriz revelou um lado de Marku que muita gente não conhecia: ele amava esportes. Tanto que fez futebol, natação – nadava muito bem – e judô. Torcedor do América mineiro, adorava assistir aos jogos do time do coração e também aos da seleção brasileira.
“Depois do esporte, me tornei atriz. Eu e minha irmã temos uma referência enorme, a gente tem essa vivência prática, porque desde criança, mesmo acreditando que ele não nos forçava a ser artistas, acho que ele confiava muito nessa coisa de que estar em contato com a arte é fundamental para qualquer pessoa. A gente acabou seguindo por esse caminho, e esse é o lugar em que a gente realmente deve estar”, conta Lira. “O tempo inteiro vou na obra dele para ver algum material para mim. Tenho a honra, o maior orgulho de ser filha do Marku, e não falo para me mostrar, mas acho legal ser filha de rei, isso é muito massa! De fato, ele era um paizão.”
De Pirapora para o mundo
A história artística de Marku e o talento descoberto quando ainda era pequeno ganharam novos capítulos, tanto que a carreira do ribeirinho começou ainda ali, em sua cidade natal. A atriz conta que o pai vivenciava a música com o avô e estava o tempo inteiro muito envolvido com a arte, até que, mais tarde, resolveu criar um grupo com os amigos, inicialmente batizado de Flamingo. “Eles foram para Belo Horizonte algumas vezes para fazer festas da cidade, depois estenderam as apresentações para toda a região, e não demorou para começarem a crescer. Logo, trocaram o nome da banda para The Fellows, passaram a viajar para São Paulo, e a banda foi ganhando ainda mais destaque”, relembra.
Após o fim do grupo, Marku formou dupla com Deo, batizada de Deo e Marco, com quem gravou seu primeiro disco. “Estava naquela época da Jovem Guarda, então eles trouxeram o iê-iê-iê e vários tipos de sonoridade muito presentes no período. Ali, já mostrava que ele era antenado ao que estava acontecendo, mas ao mesmo tempo ele bebia muito das coisas que já tinham vindo antes”, destaca Lira.
Com o falecimento de seu parceiro musical, o piraporense decidiu seguir carreira solo e se mudou para o Rio de Janeiro. Lira explica que, na época, o Brasil estava num movimento artístico intenso, ao mesmo tempo que passava por várias questões, como a ditadura, que silenciava os artistas: “A gente, como artista, gosta de ser provocado, então acredito que os artistas estavam mais provocativos naquele período. Acho que Marku foi isso. Começou em Pirapora, Flamingos, Fellows, Deo e Marco e aí se encontrou como artista solo e caiu no mundo”.
Além de cantar e ter suas composições gravadas por artistas como Alcione, Paula Lima, Elza Soares e João Donato, Ribas atuou no cinema. Entre as obras das quais participou estão Chega de saudade (2008), de Laís Bodanzky; Batismo de sangue (2007), de Helvécio Ratton, no qual interpretou Carlos Marighella; e Lula, o filho do Brasil (2009), de Fábio Barreto.
Influências
Com passagens pela França e pelo Caribe – onde morou por quase cinco anos –, Marku Ribas uniu em suas músicas as características e os sons desses lugares, além de toda a bagagem artística que já trazia de sua terra natal. “É o único brasileiro em que se ouve a sonoridade e pensa: ‘Isto aqui tem um negócio diferente’”, fala Lira, que, inclusive, só foi descobrir um detalhe sobre o artista há pouco tempo.
Acontece que ela sempre observava que o pai tinha a mania de tocar em cima do tambor, montado como em um cavalo. Lira destaca que até aí tudo bem, já que muitos músicos o fazem da mesma forma. No entanto, Ribas costumava passar o calcanhar no couro do instrumento e tinha uma maneira de sambar diferente. “Eu pensava que isso deveria ser de Pirapora, já que a gente tem o lundu, o cateretê, tem várias coisas misturadas. Passou o tempo, meu pai faleceu, e um dia um amigo de São Paulo pediu que eu assistisse a um vídeo – era de uma dança, de um ritmo tocado na Martinica. Quando olhei aquilo, abriu a cortina para mim: ‘É daí que Marku bebe’. Era a forma de tocar e de dançar, era um ritmo muito tradicional daquela Ilha. Aí vi que a diáspora é muito louca”, diz.
Lira acredita que, agora, reconhece de onde Marku tirava parte dessas inspirações. O vídeo a fez entender que o pai tinha mesmo essa referência caribenha em seu trabalho, que nasceu enquanto ele estava por lá. Para o cantor Simoninha, Marku tinha uma essência, uma musicalidade diferenciada: "Uma mistura muito louca da música negra, indígena, daquelas raízes. Era uma coisa poderosa!".
Simoninha, aliás, nunca escondeu sua admiração por Ribas. As músicas do mineiro estavam presentes em sua casa desde a infância, por meio dos discos do pai, Wilson Simonal. Com o passar dos anos, eles acabaram se tornando próximos por causa do Clube do Balanço. “Foi muito legal, porque o Marku tinha muita história de gravações com o meu pai, de encontros e momentos que eles tiveram juntos. Meu pai tinha uma admiração grande por ele, acho que todo mundo, né? Pois o Marku tinha aquela coisa poderosa, ele era gigante e parecia muito maior quando começava a cantar, a tocar”, destaca.
Um presente para os Rolling Stones
A convite do vocalista dos Rolling Stones, Marku gravou o clipe de “Just another night”, carro-chefe de She’s the boss (1985), no Rio de Janeiro (RJ). Em outro momento, num estúdio em Paris, o brasileiro virou uma noite com a banda de rock em um estúdio da EMI, onde gravou sua participação na faixa Back to zero. Na gravação, o artista tocou tambor marroquino e cuíca de boca, mas, para surpresa da família, ele não cobrou pelo trabalho.
Lira diz que existem várias versões da história de Marku com Mick Jagger: “Vou contar uma das que eu sei. O que me lembro é que ele teve um contato, antes de gravar o clipe, com o Mick Jagger, aqui no Brasil. Quando ele estava em Paris, os Rolling Stones estavam gravando lá, ficaram sabendo do trabalho dele e o chamaram para fazer a gravação. Ele gravou esse disco, uma parte de percussão, e também fez o clipe em 1985”.
A atriz conta que tem até uma história engraçada da época do clipe. É que, na ocasião, quando Marku chegou para a seleção de músicos, encontrou uma fila gigantesca. Então, pensou em uma maneira de chamar atenção ali: começou a performar e a cantar. No final, a estratégia deu certo. “Realmente é uma banda muito significativa mundialmente, e acredito que para um brasileiro, principalmente naquela época, poder gravar com os Rolling Stones é um marco. Mas, ao mesmo tempo, também está ali o Markus Ribas com toda a sua sonoridade, porque, quando você ouve a música, você vê aquela presença, aquele som de cuíca, vê várias coisas que ele está fazendo ali”, destaca.
Uma curiosidade é que o artista brasileiro de fato não recebeu cachê por esses trabalhos com a banda internacional. Tanto que, quando se procura no disco, não há o nome dele – porque o próprio Marku resolveu presentear Mick.
“Quando meu pai foi receber o cachê, ele disse ‘Não precisa, é um presente’, e minha mãe, obviamente, quase o matou [risos]. Foi maravilhoso gravar com os Rolling Stones, mas eles saíram ganhando também. Isso é a cara de Marku! Para ele, estava fazendo o que mais amava, que é música, e ele colocava essa paixão à frente até da grana. Ele tinha muito orgulho dessa participação”, afirma Lira.
Um artista único
Simoninha considera Marku Ribas um fenômeno, um artista singular. Ele recorda que, quando o cantor apareceu no Clube do Balanço, ganhou uma notoriedade muito grande. Na época, os DJs redescobriram os discos dele, como Marku (1973).
“Quando você coloca aquele disco para tocar, é uma coisa impressionante! Parece que foi feito agora, é muito impactante. Realmente ele virou um ícone, com uma obra poderosa. Então, eu acho que, para toda uma geração, para aqueles momentos ali dos anos 2000, Marku foi uma descoberta de um caminho da música popular brasileira que estava desconhecido e que chegou com uma força muito grande”, diz ele, destacando que é importante falar de Ribas para as novas gerações.
“Há muita gente brilhante que deixa marcas importantes na música, mas que não teve o reconhecimento merecido. Esses personagens importantes acabam sendo inspiração para muita gente. Por isso, eu tento sempre reverenciar esses meus ídolos, por ser uma forma de perpetuar a obra deles. Quando acaba a jornada, a matéria vai embora, mas existem todas as canções aí para a gente escutar, conviver. O Marku não está aqui, mas a música dele estará sempre presente”, afirma o cantor.
Marku vive!
Lira conta que a criatividade de Marku Ribas e a vontade de fazer música eram tamanhas que, mesmo doente – ele tratava um câncer no pulmão –, nos últimos meses de vida o artista chegou a gravar seu último disco, Mais samba. “Ele tinha muita vontade de apresentar aquilo, de criar”, revela.
Simoninha se surpreendeu com a notícia da morte do amigo, que partiu aos 65 anos numa noite de sábado, em Belo Horizonte. É que, meses antes, em novembro de 2012, eles haviam se encontrado pela última vez na capital mineira, quando Marku foi um dos convidados do Baile do Simonal. “Foi a última vez que o vi. Ele cantou com a gente e o último encontro foi ali, no palco e no camarim. O Marku morrer assim... Eu acho meio surpreendente, ele era tão forte! E morreu no dia do meu aniversário”, diz.
Lira, por fim, destaca o orgulho que sempre sentirá por ser filha de quem é. “Quem conhece a obra pode ter certeza de que Marku era aquilo ali, um homem muito apaixonado pela vida, muito apaixonado pelas coisas que vivenciava. E não falo como filha, mas como fã – ele era o meu ídolo!”, conclui.