A arte acorda a cidade



Panfleto Perca Tempo, do Coletivo Poro – pra espalhar

Mas as duas oficinas não são as únicas a produzir imagens. Em abril, quatro artistas foram selecionados por concurso, do qual Viviane participou do júri. O intuito era que os escolhidos buscassem conhecer um bairro com o qual não fossem familiarizados por meio de experiências artísticas regulares, ao longo de três meses, que resultassem na criação de novas peças gráficas. Diferentes linguagens foram aprovadas: Marlon Penido trabalha a dança no Jardim Guanabara, Karoline Melo faz arte culinária na Vila Fátima, João Maciel cria esculturas no bairro Floresta e o Coletivo 4E25 experiencia uma habitação artística no Zilah Spósito numa espécie de vivência temporária para manter contato direto com os moradores, no sentido de compreender suas visões de mundo e modos de vida. Esses artistas produzem as peças para os ônibus por meio de fotografias e ilustrações. As etapas dos processos criativos são postadas na página do projeto, que funciona como um blog para permitir o diálogo entre os participantes.


Trajetórias trançadas

Entre um gole e outro de café numa noite chuvosa, ouvi de Elisa e Nian como nasceu o Travessão. Uma história que se confunde com a trajetória de vida deles e com sua relação de amor. Depois de trabalhar juntos em dois projetos que tematizavam a cidade, 111 BH – A Cidade pelo Buraco da Agulha em 2008 e Muros e Fundos em 2010, a dupla começou a idealizar o Travessão. “Fomos sentindo uma gradação de profundidade, de qualidade de presença na cidade no decorrer desses projetos. Primeiro, desbravamos aspectos urbanísticos, fazendo caminhadas e fotografando. Depois começamos a intervir na rua. O Travessão é o ápice dessa imersão”, disse Elisa. As intervenções urbanas pontuais promovidas nos projetos anteriores despertaram a necessidade de interagir mais com as pessoas. “Queríamos um encontro, mais do que choques”, disse Elisa. “Uma troca mais consciente, um diálogo”, completou Nian.

“O transporte público é fundamental para a nossa proposta. Trata-se de uma profunda intervenção nos mecanismos que a municipalidade tem.” Nian esclareceu que, ao contrário de algumas ações efêmeras de arte urbana realizadas geralmente sem relação com o Estado, o Travessão se infiltra na estrutura política da cidade, com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. “Por isso usamos os Centros Culturais. Acreditamos em uma apropriação sistemática dos aparelhos da cidade”, comentou Elisa.

Revitalização de um espaço sucateado. Foi o que vi – e até ajudei a finalizar – na oficina de criação do Centro Cultural Pampulha com a coordenadora Lívia Arnout, junto com Maíra Santos, estudante de arquitetura, e Manoel Andrade, aposentado. Após observarem as redondezas, eles elaboraram uma peça gráfica feita de papel de seda colorido que, aplicada nas portas e janelas do Centro, compôs um jogo de luz nos vidros, modificando o aspecto de abandono da construção. Lívia me explicou: “podemos até trabalhar com técnicas para desenvolvermos instrumentos, mas esse não é o objetivo principal. A meta é conseguir expressar através da arte visual alguma inquietação da gente sobre o bairro.” Menos preocupado com a produção dos busdoors, o grupo se empenha em conhecer bem os espaços, conversar sobre isso e produzir imagens poéticas.

A outra oficina, no bairro Padre Eustáquio, segue a mesma orientação. Para conferir, embarquei com o grupo num ônibus da linha 4100. “Não sabemos se vamos nos deparar com alguma das duas peças já prontas que estão em circulação”, disse Lívia. Conversamos sobre as paisagens do trajeto, atentando para formas e cores. Chamou-me atenção um córrego comprido e cinza, nas redondezas do Centro Cultural da Pampulha, nosso ponto de chegada. Ao descermos do ônibus, vimos, para minha surpresa, a peça elaborada na oficina: um desenho colorido do córrego que avistei minutos antes.


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