Muito além das palavras



Vinícius Campos, autor do primeiro enhanced book brasileiro concebido diretamente para a internet (Foto: André Seiti)

Há muito a aprender, Maltez reconhece. Editora da Peirópolis, Renata Borges explica que a fragilidade do conceito, da forma e da linguagem desse novo formato é uma preocupação constante. “Ele nos obriga a repensar o livro em papel, com suas características que atravessaram séculos”, afirma. Segundo ela, as vendas ainda são insignificantes. “O aprendizado, porém, é imenso, não só para editores, autores e ilustradores, mas também para o leitor”.


Novo, Já Velho

Um megapixel extra na câmera do celular, o gadget da nova rede social, o tablet mais fino e potente, em intervalos de um ano ou menos. A rápida obsolescência é uma marca dos tempos atuais. Mais que o algoz do livro de papel, o appbook já foi apregoado como o assassino do e-book tradicional. Para o pesquisador de e-books e membro da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira Ednei Procópio, do Livro essa é uma grande besteira. “É como afirmar que, com o surgimento dos livros de capa dura, o livro brochura também iria morrer”, diz.

Os livros-aplicativo são apenas uma das possibilidades de publicação de livros eletrônicos, afirma Procópio. “Há vantagens como, por exemplo, o aplicativo utilizar o máximo de um determinado sistema ou hardware. Mas há desvantagens, pois os aplicativos ficam presos e comprometidos à plataforma para as quais foram criados”, exemplifica. Num mundo – o digital – em que compartilhar parece ser o verbo-chave, este pode se tornar um grande problema.

Procópio se arrisca a uma profecia: acredita que o futuro do livro eletrônico está na Web Standard. “Utilizar o padrão web permite que um determinado aplicativo rode em qualquer navegador independentemente do sistema de hardware ou software”, justifica. A verdade é que, com o aparecimento do appbook, um número imprevisível de possibilidades se abre. Alargar os limites do possível, aliás, é uma das marcas do mundo contemporâneo.


De Volta a 1922

Por enquanto, o mercado brasileiro ainda aposta em adaptações para aplicativo de livros já publicados em papel. É o caso da escritora carioca Ana Teresa Jardim, que lançou em 2001 o romance No Fio da Noite. A primeira edição se esgotou e o livro não foi reeditado. Ana optou, então por uma versão da obra em livro-aplicativo. A história se passa durante uma noite do Rio de Janeiro de 1922. Lá estão o cais do porto, as ruas do centro e da Lapa, um circo, uma roda de samba e um terreiro de macumba. As ilustrações e os sons transportam o leitor para a Cidade Maravilhosa do início do século passado, ambiente no qual a trama se desenrola.

Ana Teresa logo percebeu que seu texto tinha um visual cinematográfico. “É um pouco inspirado nos filmes noir de gângsteres dos anos 1920 e 1930, portanto tem marcas visuais fortes. Queria experimentar essas possibilidades, que são novíssimas. Não só a ilustração, mas principalmente o som”, revela. Para dar vida ao Rio de Janeiro de 1922, a autora convocou uma atriz, que fez a leitura do texto integral, disponibilizado no app. Contou ainda com a ajuda de um ilustrador e de um músico, que compôs uma trilha de sons e vinhetas musicais.

Ana fez seu app por encomenda. Ela acompanhou a produção e seu editor, a FDigital, lhe mandou uma amostra final para aprovação. Responsável pela programação, Anfilofio Furnkranz, um brasileiro que mora há 15 anos na Inglaterra, comenta: “O mercado brasileiro é muito mais sensível aos custos, se comparado ao mercado americano ou europeu. Mas não há dúvida que o livro-aplicativo tem um grande futuro no Brasil”. O processo de produção é relativamente rápido. Recorda Furnkranz que, depois de receber o material multimídia enviado por Ana Teresa, em menos de um mês o livro estava pronto. Ele tem duas versões. Uma só com imagens, já disponível no mercado. O app com trilha sonora, porém, só poderá ser comprado quando a Apple tiver sua loja no Brasil.


O Primeiro 100%

“Sou quase um Mickey”, brinca o escritor Vinicius Campos, ao falar de seu trabalho como apresentador de um programa infantil de televisão. O paulistano de 32 anos mora em Buenos Aires desde 2005, e conta que nunca foi um leitor voraz. “Meus pais não eram leitores, então eu lia pouco e ainda leio pouco. Sempre fui viciado em TV, geração Xuxa”. Seu primeiro livro, O Amor nos Tempos do Blog, foi lançado no Brasil em maio de 2012 pela Companhia das Letras. A inspiração veio do clássico de Gabriel García Márquez, O Amor nos Tempos do Cólera. “O Ariza do García Márquez escrevia cartas de amor, enquanto o meu Ariza escreve um blog de amor”, compara. Para Vinicius, mudam as gerações, mudam as tecnologias, mas o amor é o mesmo.

Conta, ainda, que nunca foi blogueiro, ou versado nas artes cibernéticas. O título de seu primeiro livro, no entanto, estimulou essa falsa impressão. Resolveu tirar partido do mal-entendido. Tornou-se, assim, o primeiro autor brasileiro a pensar um livro inteiramente para a web. As Pessoas do Prédio da Frente, com previsão de lançamento em fevereiro de 2013, não possui nenhum suporte impresso. A obra é uma encomenda da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro para a Educoteca, biblioteca 100% virtual que integra a Educopédia, uma enciclopédia exclusiva da web. O acesso é livre, bastando que o usuário preencha um pequeno cadastro antes do primeiro login.


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Imagem do topo: O bom e velho livro sempre será o bom e velho livro (Wikimedia Commons)