Os DJs da Literatura

 



Amerika, referência mundial

Formado em 2004, Daniel Campello fez parte do grupo que, entre 2007 e 2010, estruturou a Reforma da Lei dos Direitos Autorais, reescrevendo ele mesmo do artigo 49 ao 54. “A consulta do Leo me obrigou a parar e estudar. Para lidar corretamente com o remix, dependeríamos de uma jurisprudência sobre o assunto que nós não temos.” Daniel recorda a incompatibilidade entre a legislação brasileira e as questões propostas hoje pelo ambiente digital. Existem, além disso, as limitações da legislação brasileira. Basta lembrar que, em abril de 2012, o Consumers International, organização mundial de auxílio ao consumidor, divulgou um ranking dos países regidos pelas piores e mais restritivas legislações de direitos autorais. Nela, o Brasil ocupa o quinto lugar.


Correndo riscos

Conversando com Daniel Campello, um ansioso Leonardo descobriu que a experiência do remix inclui, sempre, algum risco, já que os autores envolvidos podem contestá-la. O advogado o aconselhou a, no caso das publicações impressas, buscar sempre uma autorização. Quanto à prática do remix na internet, tem uma posição diferente: “Acho que você deve arriscar. Se alguém reclamar, você tira o texto do ar”, ouviu Leonardo. O advogado não descarta a possibilidade de um caso de remix parar em algum tribunal. “Talvez o Leo seja um mártir! É um risco. Mas, sem dúvida, um risco bem interessante”. Em uma interpretação literal da lei, o autor do remix seria obrigado a citar todas as fontes que utilizou. “Mas isso, para mim, é até uma vantagem”, avalia Daniel, “pois exporia o trabalho árduo, quase de ourives, de alguém que sabe muito de literatura.”

Quando esteve no Brasil para uma palestra, o artista e pesquisador Mark Amerika, uma grande referência internacional na pesquisa e produção do remix, fez questão de experimentar cada aspecto da pátria verde e amarela. Vegetariano, não resistiu ao acarajé das baianas de Salvador; sensitivo, viu os pelos do braço se arrepiarem ao chegar ao topo do Pelourinho. “Que energia!” O professor da Universidade do Colorado traz no espírito marcas de sua arte aberta e inovadora. Em setembro de 2011, ele lançou o livro Remixthebook, onde remixa a partir de obras como as do beatknik Allen Ginsberg e do abstracionista Ad Reinhardt.

O livro tem uma versão na web, com código aberto, na qual leitura, teoria e prática se misturam. Em remixthebook, o site, o escritor espera que os visitantes remixem o livro que ele escreveu, usando o material-fonte para produzir vídeos, novos textos, músicas, ou tudo junto, a gosto do DJ. Em seus escritos teóricos, Amerika exibe uma crença quase esotérica na remixologia. Sua matéria-prima, acredita, é o que chama de Source Material Everywhere (Material-Fonte em Qualquer Lugar). Para ele, não existem motivos para se surpreender com a técnica, uma vez que colagens são tão antigas quanto os sonhos. Além disso, medita, o remix combina com o mundo contemporâneo, que, ele acrescenta, se define pela desconstrução do escritor como um gênio individual e pela compreensão da obra como colaboração. Uma Era de Aquarius da literatura, por assim dizer.

Outro importante pensador do remix, Kenneth Goldsmith é professor de escrita não criativa na Universidade da Pensilvânia e autor de Uncreative Writing (Escrita Não Criativa), editado pela Columbia University Press. Suas aulas tratam do uso na literatura de processos criativos não originais, que incluem, entre outros, a cópia, a colagem e o remix. Goldsmith acredita ensinar uma das técnicas literárias mais democráticas e libertárias já inventadas, que possibilita a livre circulação de escritos preexistentes. “O mundo já está cheio de textos, uns mais – outros menos – interessantes. Eu não quero acrescentar mais nenhum”, diz. “Como percorro essa quantidade de informações, a organizo, a distribuo, é o que diferencia a minha escrita da sua.”


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