28.3 - 19.5 2019

Avenida Paulista, 149 - São Paulo, SP

Inteligência artificial e computação quântica são duas linhas de tecnologias que se desenvolvem rapidamente. Elas vão além da mera ampliação de capacidades humanas, pois uma nos leva a questionar o que são de fato a inteligência e a consciência; e a outra, nossa própria realidade. Parece-me inevitável que essas duas tecnologias se encontrem em um futuro próximo, o que torna urgente uma reflexão sobre elas.

A textura do real
O modelo quântico envolve uma série de equações matemáticas capazes de antecipar com precisão resultados experimentais. Trata-se do modelo mais preciso desenvolvido pela física até os dias de hoje. De sua aplicação prática resultou, por exemplo, toda a nossa tecnologia digital. Entretanto, o que essas equações matemáticas realmente representam está, na física atual, aberto a diferentes interpretações.

Tomemos como exemplo a “função de onda”, um descritor de estado no modelo quântico. De modo muito geral, uma das interpretações (a “de Copenhague”) considera que dessa função resulta a probabilidade de um evento ocorrer. Em outra interpretação (chamada “dos muitos mundos”), a função de onda resulta na probabilidade de nossa consciência estar no universo específico no qual aquele evento ocorreu. Em termos matemáticos, nada muda; essas são apenas interpretações do que a mesma função significaria. Mas visões tão diferentes têm grande impacto no que pode ser a nossa realidade: vivemos num universo em que as possibilidades quânticas são apenas virtuais, e a realidade única, ou o universo que percebemos, é apenas uma fração de um multiverso muito maior, no qual cada possibilidade diferente de um fenômeno quântico se realiza, de forma determinista? Como pode um mesmo modelo resultar de realidades tão diferentes sem que ocorram inconsistências matemáticas?

Resumindo: o modelo matemático funciona (sabe-se disso por quase um século de experiências e de aplicações práticas), mas ainda não se sabe que tipo de realidade ele descreve. Na ciência, essa talvez não seja uma questão relevante – o que importa é que o modelo funcione de acordo com resultados experimentais. Na arte, entretanto, penso que a questão da realidade por trás do modelo deva ser de extrema importância.

A era digital está terminando?
Um computador quântico funciona de maneira radicalmente diferente de um digital. Tais computadores talvez não passassem de curiosidades de laboratório há poucos anos, mas seu desenvolvimento vem ocorrendo de maneira acelerada, fato comprovado tanto pela recente comercialização de máquinas da empresa canadense DWave como pelos últimos modelos experimentais da IBM. Ainda estão um tanto distantes da “máquina de Turing quântica universal”, proposta por David Deutsch em 19851, mas são evidências suficientes da viabilidade desse novo modelo de computação.

Enquanto um bit digital pode conter os valores 0 ou 1, um bit quântico (1 qbit) armazena 0 e 1 simultaneamente. Dessa diferença resultam comportamentos que desafiam nosso senso comum. Uma variável composta de qbits armazena todos os valores possíveis para aquele número de qbits – e o faz de maneira simultânea. Uma imagem construída por qbits conteria todas as imagens possíveis para aquele número de pixels (absolutamente toda e qualquer imagem: desde ruído gráfico até fotos que ainda não foram feitas). Um arquivo quântico de texto seria algo similar à “biblioteca de Babel”, de Jorge Luis Borges2 (todas as combinações possíveis de texto estariam lá), porém com uma diferença importante: o espaço de armazenamento seria similar ao de um arquivo digital comum – não seria necessária uma biblioteca de dimensões infinitas, como a descrita no conto.

O processamento desses qbits também pode ser desconcertante: quando um algoritmo atua sobre uma variável quântica, o faz sobre todos os valores possíveis simultaneamente. É difícil prever como algoritmos quânticos mudarão nosso dia a dia, mas o campo da inteligência artificial será afetado radicalmente.

Algoritmos digitais de inteligência artificial são construídos para testar um grande número de soluções numéricas e encontrar, segundo determinados critérios, a mais apropriada delas. Assim é com os algoritmos genéticos – que criam e testam um grande número de soluções possíveis, em “gerações”, para selecionar as melhores – e com o treinamento de redes neurais, que busca multiplicadores, ou “sinapses”, que minimizem o erro entre numerosos conjuntos de problemas e suas respectivas soluções.

Consciência Cibernética [?]
Grande parte desses códigos digitais é dedicada a gerar possibilidades diferentes, para que possam ser sequencialmente avaliadas, uma a uma. Populações de algoritmos genéticos, por exemplo, não dão conta de todas as possibilidades – isso seria muito custoso em termos de processamento digital. De fato, parte desses algoritmos se dedica a tentar fugir dos chamados “mínimos locais”, de soluções que ficariam “presas” a certas regiões do campo de soluções exatamente por se tratar de uma amostra desse campo, e não de todas as possibilidades.

Não é assim num algoritmo quântico. Cada variável quântica contém todos os valores possíveis; portanto, a busca por soluções é completa – e sem que isso acarrete limitação de processamento (os valores “já estão lá”, não é preciso gerá-los e testá-los um a um).

Se na atual tecnologia digital o aprendizado de máquina já nos impressiona e, em muitos casos, nos supera, o que esperar de um futuro próximo em que algoritmos de inteligência artificial avaliarão simultaneamente todas as opções possíveis? Quanto da realidade realmente percebemos? Ora, se a consciência humana está limitada a apenas uma entre essas realidades diferentes, como seria uma consciência cibernética que transcendesse esse horizonte estreito, operando na vastidão do multiverso?

1 DEUTSCH, David (July 1985). “Quantum theory, the Church-Turing principle and the universal quantum computer” (PDF). Proceedings of the Royal Society A. 400 (1818): 97–117. Bibcode:1985RSPSA.400...97D.CiteSeerX 10.1.1.41.2382. doi:10.1098/rspa.1985.0070.

2 BORGES, Jorge L. (1944). A biblioteca de Babel. In: Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Marcos Cuzziol é engenheiro mecânico com doutorado em artes pela Universidade de São Paulo (USP). Desenvolvedor de games, é gerente do Observatório Itaú Cultural e do Núcleo de Inovação do instituto. Atua principalmente em temas relacionados a games, à realidade virtual, a comportamento artificial e à arte e tecnologia.

Ficha técnica

EXPOSIÇÃO
Concepção e realização Equipe Itaú Cultural
Conceito Marcos Cuzziol
Pesquisa Rejane Cantoni
Projeto expográfico ST Arquitetura (Barbara Ginjas, Maria Stella Tedesco Bertaso, Renata Fernandes e Vitoria Paulino)
Projeto de acessibilidade Mais Diferenças

EQUIPE ITAÚ CULTURAL
Presidente Milú Villela
Diretor-superintendente Eduardo Saron
Superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki

NÚCLEO DE ARTES VISUAIS
Gerência Sofia Fan
Coordenação Juliano Ferreira
Produção-executiva Nicole Plascak

NÚCLEO DE INOVAÇÃO
Gerência Marcos Cuzziol
Coordenação Fernando Oliveira e Luciana Modé
Produção-executiva Ediana Borges e Rafael Figueiredo
Desenvolvimento de software Kenzo Okamura e Tuany Dias Pinheiro
Construção sonora Tomás Franco

NÚCLEO DE AUDIOVISUAL E LITERATURA
Gerência Claudiney Ferreira
Coordenação de conteúdo audiovisual Kety Fernandes Nassar
Produção audiovisual Ana Paula Fiorotto e Paula Bertola
Edição Karina Fogaça
Animação de teaser Vivian Dall'Alba – Facilitação Gráfica (terceirizada)

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO
Gerência Valéria Toloi
Coordenação de atendimento educativo Samara Ferreira
Equipe Amanda Freitas, Andressa Santos Menezes (estagiária), Antônio Tallys (estagiário), Caroline Faro, Diego Pinheiro Vieira (estagiário), Edinho dos Santos, Edson Bismark, Elissa Sanitá Silva, Gabriela Lourenzato Guarda (estagiária), Livia Lima Moraes (estagiária), Lucas Cardoso dos Santos (estagiário), Monique Rocha dos Santos (estagiária), Roberta Suzi Correia (estagiária), Sidnei Junior, Tayná Maria Santiago da Silva (estagiária), Victor Soriano, Vinicius Magnum e Vitor Luz

NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS
Gerência Gilberto Labor
Coordenação Vinícius Ramos
Produção Carmen Fajardo, Érica Pedrosa Galante, Natiely Santos (estagiária), Rodrigo Vasconcelos (terceirizado) e Wanderley Bispo

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO
Gerência Ana de Fátima Sousa
Coordenação Carlos Costa
Produção e edição de conteúdo Amanda Rigamonti e Milena Buarque
Redes sociais Jullyanna Salles e Renato Corch
Supervisão de revisão Polyana Lima
Revisão de texto Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)
Revisão de tradução Denise Chinem (terceirizada)
Identidade e comunicação visual Mily Mabe
Produção editorial Pamela Camargo
Edição de fotografia André Seiti

EXPEDIENTE
Coordenação editorial Carlos Costa
Edição Amanda Rigamonti e Milena Buarque
Conselho editorial Ana de Fátima Sousa e Marcos Cuzziol
Organização editorial Luciana Modé e Rafael Figueiredo
Projeto gráfico e diagramação Mily Mabe
Produção editorial Bruna Guerreiro e Pamela Camargo
Supervisão de revisão Polyana Lima
Revisão Rachel Reis (terceirizada)
Revisão de tradução John Norman, Marisa Shirasuna e Tatiana Diniz