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Pesquisa mostra que cinema é a atividade cultural que mais faz falta na pandemia

O cinema está em primeiro lugar quando o assunto é a atividade cultural que mais faz falta na pandemia. Plataformas de streaming crescem e a produção nacional é a favorita entre os mais jovens

Publicado em 31/08/2021

Atualizado às 14:32 de 01/10/2021

por Cristiane Batista

Na telona ou na telinha, os brasileiros estão ligados e logados no audiovisual. É o que atesta a pesquisa “Hábitos culturais II”, realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto Datafolha, cujo objetivo é investigar o comportamento dos brasileiros no pós-pandemia. Foram entrevistados 2.276 homens e mulheres, com idade entre 16 e 65 anos, integrantes de todas as classes econômicas, de todas as regiões do país.

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Confira a pesquisa

Os cinemas tiveram de fechar as portas em março de 2020 e só reabriram em abril deste ano, com uma série de protocolos e restrições necessárias para impedir a propagação do novo coronavírus. No período, deixaram saudades: as salas de exibição lideram as atividades culturais que mais fizeram falta no período mais restritivo de isolamento, com 67% das respostas, seguidas por apresentações artísticas (32%), bibliotecas (21%), atrações infantis (20%) e centros culturais (17%).

Em paralelo, o consumo de música, filmes e séries on-line, em alta nos últimos dez anos, cresceu ainda mais durante a pandemia, com 79% de citações entre os entrevistados. Do celular, do notebook, da TV ou do tablet, os brasileiros estão ligados nas plataformas de vídeo, com sete em cada dez entrevistados afirmando acessá-las.

Parte desse sucesso pode ser explicado pelas facilidades que as plataformas de streaming – tecnologia de transmissão de dados de áudio e vídeo pela internet – oferecem, como variedade de conteúdo, praticidade de poder vê-los por diversos dispositivos na hora desejada, sem precisar baixar nada, de forma legal e a baixo ou zero custo.

A redatora publicitária Marina Roxo, 22, foi uma das cinéfilas que sentiram na pele a ausência de seu programa preferido desde os 12 anos. Ela, que frequentava salas de exibição mesmo sozinha pelo menos uma vez por semana, na pandemia investiu nos filmes e nas séries on-line, mas não troca uma experiência pela outra. “O cinema sempre teve a função de arejar minha cabeça e me deixar menos ansiosa”, diz Marina. “Eu costumava brincar dizendo que a arte alimenta minha alma e não poder estar nesses espaços foi bem sofrido. Na verdade, foi péssimo. O streaming não supre e nunca vai suprir a experiência da sala de cinema. Por outro lado, senti a bolha estourando: ao mesmo tempo que foi horrível, vi uma possibilidade de maior acesso à cultura como jamais tinha visto”, analisa a publicitária, em referência à profusão de lives e eventos digitais.

Mulher jovem está com casaco cor de rosa-choque em cima de uma malha rosa clara. Ela está com um dedo indicador na boca, seus brincos são em formato de cabeça de boneca. Ela usa um coque no cabelo e apenas sua franja é cor de rosa. Seus cílios também estão pintados de cor de rosa.
A redatora publicitária Marina Roxo, 22, foi uma das cinéfilas que sentiram na pele a ausência de seu programa preferido desde os 12 anos (imagem: acervo pessoal)

E Marina tem razão. O levantamento atesta que cresceu entre os brasileiros o consumo de atividades culturais no ambiente on-line durante a pandemia, com 76% das pessoas acessando a internet todos os dias, um aumento de 5 pontos percentuais em relação a 2020. Vale lembrar que cada ponto representa cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Dos entrevistados 44% acessam as plataformas de vídeo sob demanda diariamente e 23% afirmam ficar cinco horas ou mais conectados, sendo o perfil de público maior entre os que têm entre 17 e 25 anos e 30 e 45 anos. Entre os dispositivos mais utilizados para a navegação estão o celular (83%), o notebook e a televisão (empatados com 6%) e o tablet (4%).

“Passo mais tempo no celular, que marca a média diária de uso, então, costumo ficar umas duas horas, mas coloquei um limite de tempo de meia hora, uma hora, porque a gente precisa lembrar de comer e dormir, né?”, brinca Clarice Lion, 18, estudante de geografia. Com mais tempo em casa, ela e a mãe, a fotógrafa Andrea Nestrea, 50, têm assistido a mais séries e filmes juntas, ao lado da gata Gatinha, que às vezes fica na frente da TV e tumultua um pouco o programa – o que não costuma ser um problema.

Para Andrea, seu consumo de streaming aumentou muito na pandemia e, além de filmes e séries, ela é fã de podcasts. A fotógrafa afirma ainda que não voltou ao cinema após a reabertura e pondera: “Amo, mas ainda não sinto vontade. Lugar fechado, com ar-condicionado... O cinema também é um local de conversa para antes e depois, e acho que ainda não é o momento”, acredita. Esse comportamento reflete um dado do estudo de 2020, que indicava interesse de cerca de dois terços das pessoas em realizar atividades culturais após a reabertura. É possível, no entanto, que a continuidade da pandemia tenha frustrado as expectativas da maioria de retomar atividades na reabertura parcial.

Foto preta e branca mostra uma adolescente e uma mulher adulta. A menina usa toalha na cabeça. A adulta, grisalha, carrega um gato no colo.
Andrea Nestrea, 50, e Clarice Lion, 18, estudante: com mais tempo, mãe e filha têm assistido a mais séries e filmes juntas (imagem: acervo pessoal)

Enquanto não se sente completamente segura para voltar à sala escura, Andrea divide com a filha o sofá, as mesmas contas de assinatura e o gosto pelo cinema nacional, do qual Clarice é fã: “Gosto de conhecer a nossa história, a nossa cultura. Tenho preferência por produções com um viés político, tipo uma maratona que minha mãe e eu fizemos com filmes do Eduardo Coutinho”, conta Clarice. “São obras muito mais próximas da minha realidade do que as norte-americanas ou europeias. Essa prática devia ser muito mais incentivada na pré-adolescência, porque a gente precisa conhecer narrativas semelhantes às nossas para não cair em contos de fadas”, acredita a estudante.

Cinema nacional

No ranking geral da pesquisa, os filmes nacionais estão na terceira posição na preferência do público, antecedidos por filmes estrangeiros e séries, respectivamente. Das produções brasileiras, o gênero comédia é o mais popular em todos os segmentos entrevistados, refletindo o sucesso de recordistas de bilheteria como Minha mãe é uma peça 3 (2019), protagonizado por Paulo Gustavo (1978-2021), ator morto em decorrência da covid-19. O filme se tornou o mais visto da história do cinema do país, acumulando mais de 11 milhões de espectadores – e foi lembrado no levantamento por 21% dos entrevistados.

Os irmãos Camilla, 18, e Gabriel Aloi, 19, estão entre os fãs da franquia. Camilla assistiu ao filme pelo menos três vezes: “A primeira no cinema e as outras em casa”, diz ela. “O que eu mais curto no filme nacional é a representatividade brasileira, a trilha sonora, reconhecer ou conhecer as locações”, conta. Gabriel, por sua vez, gosta do gênero e também dos filmes de ação e tem interesse em conhecer mais sobre outras produções brasileiras. Além do aspecto cultural, ele frisa o ato de ir ao cinema como uma atividade social. “Desde criança, cinema para mim é um evento: significa assistir a um filme e, depois, comer um lanche em família. Ainda não voltei após a reabertura das salas, até porque hoje gosto de ir com uma gata e, com a pandemia, não deu”, afirma o estudante.

Homem jovem de barba e bigode fotografado de baixo para cima. Ele usa camiseta pólo branca com uma bolsa de alça preta cruzada em cima da camiseta. Ele usa piercing na sobrancelha direita e está bem sério.
Gabriel Aloi, 19 anos, estudante: “Desde criança, cinema para mim é um evento: significa assistir a um filme e, depois, comer um lanche em família" (imagem: acervo pessoal)

Crise no mercado

Mas, se para o público a pandemia representou uma mudança por vezes radical de hábitos, para quem vive do audiovisual (e das artes em geral) o fechamento das salas de cinema e de outros espaços culturais, aliado à demora ou à ausência de políticas públicas de incentivo, levou a uma crise profunda e a busca por alternativas de trabalho, como no caso da atriz Carlota Joaquina, 56. Com 40 anos de carreira em teatro, ela está em cartaz, por streaming, na série Unidade básica, cuja locação é uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na periferia de São Paulo (SP). Desde o início da pandemia, Carlota vive em um sítio com internet via satélite, sem muita qualidade técnica para assistir a séries e documentários com frequência. “Com esse processo e as dificuldades pelas quais passa todo o setor cultural, eu me aprofundei no meu sentido como atriz de teatro que, além de atuar, tem de fazer a luz, o plano, o figurino, a produção e muitas vezes o próprio texto”, explica Carlota.

Mulher negra está de braços cruzados, de pé e sorrindo. Ela usa um turbante estampado na cabeça e um macacão cor de vinho colado no corpo.
Carlota Joaquina, 56,atriz: com 40 anos de carreira em teatro, ela está em cartaz, por streaming, na série Unidade básica, cuja locação é uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na periferia de São Paulo (SP) (imagem: acervo pessoal)

No audiovisual desde os anos 1990, Chica Mendonça, 49, produtora de filmes como Acqua movie (2019), do diretor Lírio Ferreira, o qual estreou nos cinemas em junho deste ano e foi lançado nas plataformas de streaming em 10 de agosto, e Erlon Chaves: o maestro do veneno! (2018), lamenta a atual situação do setor, carente de recursos para implementação e finalização de projetos. “Estamos em busca de parcerias e fontes de financiamento para Deus é mulher, longa selecionado para o Cannes Docs, do Festival de Cannes 2021”, diz ela. “Com esta situação triste, as novas plataformas são uma saída para o cinema nacional. O sonho do realizador é ter seu filme exibido e sendo visto. Esperamos que a chegada de Acqua movie às plataformas alcance mais pessoas e um público mais abrangente”, afirma Chica.

Mulher está sentada, sorrindo, de calça jeans e suéter branco. Ela é branca, usa cabelos lisos, castanhos, na altura do queixo. Está sorrindo.
Chica Mendonça, 49,produtora: no audiovisual desde os anos 1990, ela lamenta a atual situação do setor, carente de recursos para implementação e finalização de projetos (imagem: acervo pessoal)

Diretor dos longas A serpente (2016) e Jardim Atlântico (2012), o cineasta Jura Capela, 45, foi diretamente afetado pela crise do audiovisual. “O cinema é uma arte para a qual é preciso um filme, um projetor, uma tela e espectadores para podermos coletivamente compartilhar e trocar as nossas impressões, contribuindo assim com debates e encontros dos realizadores com o seu público”, acredita ele.

Capela está em fase de pré-lançamento de seu novo filme, Mangue bit.  “Ele foi feito para as novas gerações, para que compreendam a potência do movimento manguebit [bit em referência ao nome original pensado pela cena cultural em Recife, no início dos anos 1990, depois batizado de manguebeat]”, explica Capela. “O material reúne imagens em VHS-C, feitas antes do YouTube ou de qualquer outra rede social. Guardei tudo em caixas de isopor durante 20 anos e foi assim que tive a ideia de fazer o documentário, que será lançado em streaming após o circuito de festivais”, diz o diretor.

Homem branco de mais de 40 anos aparece em uma rua com vários carros estacionados, dos dois lados. Ele está sério. Seu cabelo é liso, curto, mas com uma franja caindo pela testa. Ele usa barba por fazer, em fase de crescimento.
Diretor dos longas A serpente (2016) e Jardim Atlântico (2012), o cineasta Jura Capela, 45, foi diretamente afetado pela crise do audiovisual (imagem: acervo pessoal)

Em película e/ou no ambiente digital. Como registro histórico ou resultado criativo. Se depender do interesse dos jovens e da saudade do público em geral, o pós-pandemia reserva uma nova temporada para o audiovisual. A seguir! 

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