Depoimentos

“Emanar”, “livre”, “iluminar”, “cantar”, “sonhar”: palavras que definem Bethânia segundo artistas ouvidos pelo IC

As cantoras Alice Caymmi e Fabiana Cozza, o cantor Chico Chico, o músico João Camarero, o fotógrafo Jorge Bispo, a diretora e encenadora Bia Lessa e o poeta Marlon Vieira deram depoimento para o site da Ocupação dedicada a ela, respondendo três perguntas: que verbo e música a definem e o que conversariam com ela.

As respostas às três perguntas dos jornalistas do Núcleo de Criação e Plataformas do Itaú Cultural dadas por personalidades do universo artístico – Alice Caymmi, Fabiana Cozza, Bia Lessa, Chico Chico, João Camarero, Jorge Bispo e Marlon Vieira – têm em comum uma profunda reverência a Maria Bethânia, seu cantar, sua expressão e sua fé. Cada qual a define de diferentes maneiras em seus depoimentos. Mesmo assim, eles traçam uma linha única que forma o perfil e a arte da cantora. Confira abaixo ou em itaucultural.org.br/ocupacao, que, além de materiais da exposição, reúne conteúdos exclusivos sobre ela, a partir do dia da abertura da mostra, em 13 de março.

ALICE CAYMMI
Cantora e compositora

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
O verbo emanar. Bethânia emana vibrações, energias e luz que são capazes de mudar a cena. Ora temperando com uma emoção, ora com outra, ela vai emanando ondas que mudam a situação cênica como uma maestrina, como uma Yabá.

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Sem dúvida sobre Iansã, o orixá que rege nossos destinos. Sua energia e sua transformação, o que agrada ou desagrada Iansã. Gostaria de tirar dúvidas sobre como me aproximar mais do orixá. Tirar dúvidas sobre meus sentimentos mais profundos e o que fazer com eles. Perguntar sobre a vida e suas escolhas.  

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos?Sem sombra de dúvidas, a música Iansã, que foi feita para Bethânia e deu título ao meu disco de maior sucesso, Rainha dos raios (um dos versos dessa canção).

BIA LESSA
Diretora, encenadora e curadora da Ocupação Maria Bethânia

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Ser livre. Liberdade no sentido que ela tem. Liberdade de ser o que ela é. Isso é uma coisa fundamental e dificílima, porque a gente vai cedendo a todas as coisas. Ela não. Bethânia estabeleceu com si própria a liberdade de ser quem ela é, fiel a si mesma.  

Exceto música, que assunto você gosta de conversar com Bethânia?
Música é sobre o que menos conversamos. Gosto de falar com ela sobre a vida, tudo da atualidade, o que está acontecendo, as coisas que vi, as coisas que ela viu, o poema que acabamos de ler. E sempre com uma noção de projeto. A ideia do que ainda não foi feito talvez seja a mais presente na nossa relação. Qualquer coisa que a gente faça tem como intuito o projeto, qualquer projeto – uma festa, um encontro para discutir um livro, o próximo trabalho.

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos?
Reconvexo, porque ali, para mim, é meio quando tudo se dá: o carinho, a mãe, o que é, como é.

CHICO CHICO
Cantor e compositor

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Cantar, cantar, cantar.

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Adoraria tomar uma cervejinha com ela.

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos?
A música Em nome de Deus.

FABIANA COZZA
Cantora, escritora, pesquisadora e intérprete

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Acho difícil defini-la. Particularmente, tenho dificuldade em definir as pessoas, mas acho que seria iluminar. Maria Bethânia é dessas raríssimas artistas que tem potência e amorosidade, um respeito tão grande que é capaz de transformar sua arte num archote, numa luz, num farol. Um farol que ilumina a todos de arte, de uma brasilidade que ela traduz com muita peculiaridade, com singularidade.  

Você se lembra da primeira vez que se viu impactada pela música de Bethânia?
Tenho claramente isso na minha memória. Antigamente, em São Paulo, existia uma casa de shows muito famosa, chamada Palace. Fui junto com Marcelino Freire, um grande amigo, escritor e fã de Bethânia, para assisti-la lá. Na época, tinha  21 ou 22 anos. Não me recordo o nome do espetáculo, mas me lembro que quando Bethânia entrou, eu me debrucei na mesa e não parava de chorar. Fiquei um tempo chorando, tanto que não consegui nem ver uma parte do show, porque  aquilo foi de um impacto tão grande, um tremor, uma catarse. Nunca tinha visto uma artista com tamanha força, tamanho domínio, uma percepção de onde estava e, ao mesmo tempo, uma potência para trabalhar com o que não era visível. Acho que isso me impactou também porque eu, chorando, olhava para ela e parecia que ela iluminava o que não era possível de ser visto a olho nu. Fiquei completamente embasbacada. Quando terminou o show, aquela multidão saindo do teatro, eu recordo que me sentei na escadaria e fiquei ali, num canto, pensando e tentando entender o que havia acontecido. Lógico que, depois, vi Maria Bethânia outras vezes, e essa sensação do novo, do fresco, da força, de um corpo que se manifesta em muitas naturezas também voltava. Então, para mim, até hoje, assistir Maria Bethânia é sempre uma inauguração.

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Gostaria de conversar com Bethânia sobre comida, sobre comer. Porque acho que comer é celebrar, é doação, muito próximo da maneira como ela canta e da forma como gosto de pensar o canto. E a comida equivale, para mim, a um lugar absolutamente afetivo, já que venho de uma família de pessoas que cozinham muito bem, e esse encontro para celebrar a comida sempre foi amoroso. Então, acho que conversaria sobre comida. Não sei se Bethânia gosta de cozinhar, mas tenho essa curiosidade.

E sobre música?
Eu vou te confessar uma coisa: quando a gente tem uma admiração grande por uma artista dessa potência que é Bethânia, ficamos sempre constrangidos. Já tive a oportunidade de conversar com ela por telefone sobre uma apresentação linda que ela fez para um álbum meu e, depois, por conta do convite para participar de um disco da Dona Ivone, que ela prontamente aceitou com generosidade. Confesso que quando falei com Bethânia não foi nada fácil, e eu falei isso para ela, que achou engraçado – ela é muito simpática. Fiquei nervosa de imaginar que estava conversando com aquela que me desperta tanta emoção. Mas, se fosse para falar de música, acho que perguntaria a Bethânia o que ela gostaria de gravar em outras línguas, que compositores poderiam permear o universo dela em outras línguas e qual ou quais línguas seriam essas.

Qual canção você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos? Por quê?
Uma das canções que Bethânia gravou, que é de uma artista mais jovem e que eu acho avassaladora no campo das coisas do amor, é Depois de ter você, de Adriana Calcanhoto. E tem uma outra que eu acho de uma beleza ímpar, de Roque Ferreira e do sobrinho de Bethânia, J. Velloso, que é Foguete. Quando ela canta aquilo, coloca os balões nos nossos olhos, a gente vai imaginando a presença desse amor. É lindo. Tudo o que Bethânia cantou do Gonzaguinha também é absolutamente devastador. Para mim, é sempre uma novidade, porque a intérprete tem sempre uma opinião sobre aquilo que ela diz; a intérprete não é só uma cantora, ela é uma coisa a mais, está numa outra dimensão do cantar. Bethânia está em outra dimensão do cantar. Ela defende aquilo que diz, essa defesa faz da palavra uma ponte. A palavra deixa de ser palavra e ganha um trânsito que é para além do texto em que ela está. Bethânia faz isso e, por essa razão, ela é imensa. Para mim, enquanto uma cantora que busca nesse caminho de intérprete o seu sol, Bethânia é um norte, um farol, um sul. Para nós, que estamos aqui no hemisfério sul, ela é o nosso sul.  

JOÃO CAMARERO
Violinista e compositor

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Definir Bethânia em um verbo é impossível, mas, pensando em um sentido amplo, uma palavra que desenha bem o que eu sinto é o verbo sonhar. O sonho pode ser uma experiência, uma ideia, fora tudo que representa no sentido figurado da palavra – sonhar alto, almejar, desejar. Acho que tem muitos significados distintos. Dá para envolver religião, espiritualidade, cultura, ciência, culturas tradicionais – que têm uma tradição muito forte com os sonhos, como os yanomamis –, o candomblé também tem isso, além do próprio cristianismo. Não sou conhecedor do cristianismo, mas sei que a Bíblia fala sobre maneiras de se comunicar com Deus e receber recados. Essa palavra é muito abrangente e diz muito sobre Bethânia. Um sonho, um sonho bom.

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Gosto de conversar com Bethânia sobre esses assuntos oníricos e espirituais. Gosto muito de ouvi-la falando de religiões de matriz africana, sobre candomblé, sobre a fé dela, sobre os santos. Acho muito bonita essa devoção, essa força que ela tem. É muito impactante e magnético. Isso tudo demonstra como faz sentido ela ser quem ela é artisticamente, sendo essa pessoa com conexões tão profundas. Também gosto de conversar com ela, em papos de camarim, sobre amenidades, como qual cerveja ela gosta de tomar, onde vai passar o final de ano. Essas conversas com ela são muito boas.  

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos? Por quê?
Pergunta muito difícil. Tenho dificuldade em eleger uma coisa, fazer uma lista. As coisas são gigantes, são muitas. Mas acho que escolheria uma música chamada Lágrima, de Roque Ferreira, que ela canta às vezes no show e na qual fazemos voz e violão, eu e ela. É uma música muito intensa, muito profunda, uma letra linda, uma melodia linda, uma linha melódica muito brasileira, aquela coisa que ela deita e rola. Ela dá um banho nessa música, uma aula! Não só pela relação intensa que ela tem com as palavras e com o verbo, de mastigar as palavras, de dizer com muita intenção, mas porque ela tem uma inteligência musical muito especial também. Ela tem um domínio do silêncio que é uma coisa espantosa. Tocar com ela essas coisas de voz e violão, que são coisas mais soltas, que vou seguindo a respiração dela, é uma aventura. Quase como se eu estivesse me equilibrando numa corda bamba, no melhor dos sentidos. Estou ali equilibrando a sustentação para ela cantar, e cada vez ela canta de um jeito. Claro que ela tem uma interpretação das coisas, mas tem hora que ela muda uma entonação, uma palavra, um sentido de acento melódico, que eu preciso ir junto. Preciso estar muito atento e esse momento é muito intenso. Então, se eu pudesse escolher uma música, seria essa que tocamos juntos.

JORGE BISPO
Fotógrafo

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Embelezar.  

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Eu gostaria de conversar com ela sobre a Bahia e sua infância. E perguntaria “o que a Bethânia tem?”.

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos? Por quê?
Vingança, do Lupicínio Rodrigues, que ela gravou no disco Memória da pele. Juntar Lupicínio na voz da Bethânia é o significado de intensidade.

MARLON MARCOS VIEIRA
Poeta, jornalista e antropólogo

Se você pudesse definir Maria Bethânia em um verbo, qual seria?
Pensando em um verbo, Bethânia é encantar.  

Exceto música, que assunto você gostaria de conversar com Bethânia? Ou que pergunta você faria para ela?
Eu tenho vontade de conversar sobre os impactos da obra de Clarice Lispector no trabalho dela e de como ela se aproximou dessa escritora. Tenho vontade de saber mais sobre a relação que Bethânia tinha com Mãe Menininha, como ela se relaciona com alguns aspectos do candomblé. A minha grande curiosidade é se, em algum momento na vida, Bethânia teve a experiência da possessão, se recebeu um orixá, um caboclo ou qualquer outra entidade. Gostaria de saber como é que ela vê as festas nos barracões, as pessoas iniciadas tendo que fazer roda, participar do xirê, cantar os ingorossis, cantar as rezas, ter acesso à dinâmica de uma filha de santo como ela é, mas com essa experiência de barracão. Desejaria saber também como é que ela sente essa questão da possessão, já que diz que, toda vez que sobe no palco, serve de veículo para essas forças sagradas, sem, contudo, perder a consciência. O tempo todo é ela com ela, ou seja, não tem um orixá tomando a consciência dela, tem o corpo dela servindo de veículo para que essas energias se manifestem. Falaria ainda de bobagens, tomando cerveja. Esse é um desejo meu profundo: sentindo o efeito da embriaguez, conversar com ela a respeito da paixão, do amor, de Roberto Carlos, das coisas mais bobas que a gente fala com um amigo. Eu ali, com ela, tomando cerveja, é um desejo da minha vida.  

Qual música você escolheria para mostrar que você e Bethânia são intensos? Por quê?
A primeira é a interpretação que acho a mais bonita de Maria Bethânia, e olha que ela tem uma carreira de 60 anos e escolher uma música para alguém que tem um trabalho tão bonito é difícil. Acho que Motriz, de Caetano Veloso, traduz a relação com a terra, Santo Amaro (BA), a relação com a família e com a paisagem do Recôncavo. Essa música acorda a minha baianidade, como eu me construí como baiano. Então, quando ouço Bethânia cantá-la, sinto a intensidade dela como cantora e sinto a minha intensidade como ouvinte. A outra música que me comove profundamente e que me chamou para escolher Maria Bethânia como a cantora da minha vida é As canções que você fez pra mim, de Roberto Carlos, que deu nome ao álbum que ela gravou e que foi um grande sucesso em 1993. Essa canção é a que me convida para as coisas da paixão, do amor, e tem um dos arranjos mais bonitos do cancioneiro brasileiro. Essa faixa é de uma apoteose, de uma grandeza. Essas duas canções traduzem a minha intensidade ouvindo a intensidade de Maria Bethânia.  

De 13 de março, às 20h, a 9 de junho de 2024
Pisos térreo e 1º
Concepção e curadoria: Bia Lessa e Itaú Cultural

Shows
Bloco Explode Coração  
14 de março (quinta-feira, às 20h)
Moreno Veloso
15 e 16 de março (sexta-feira e sábado, às 20h)   

Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149 – próximo à estação Brigadeiro do metrô / Piso térreo

Visitação da mostra:
Terça-feira a sábado, das 11h às 20h;
domingos e feriados, das 11h às 19h.
Acesso para pessoas com deficiência física
Entrada gratuita

Apresentações musicais:
Sala Itaú Cultural
Capacidade: 224 lugares
Classificação Indicativa: livre
Entrada gratuita
Reserva de ingressos em
https://itaucultural-eventos.byinti.com/#/ticket/  

Mais informações:
Telefone: (11) 2168-1777
Whatsapp: (11) 96383-1663
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br
site: www.itaucultural.org.br

Estacionamento:
Entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

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