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Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo: Antes e Depois de Sara Ramo

A normalidade, a progressão no tempo, a lógica são desestabilizadas no trabalho de Sara, caos e ordem se misturam em uma “disciplina libertária”

Publicado em 13/08/2020

Atualizado às 17:41 de 16/08/2022

Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo destaca produções de criadoras presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.

Sara Ramo
Antes, Agora, Depois, 2012
fotografia
Acervo Banco Itaú
Imagem: Arquivo da artista/Itaú Cultural

por Duanne Ribeiro

Testemunhamos o mundo a partir de uma série de hábitos. Hábitos de raciocínio, das formas de organizar o espaço e o devir do tempo. Antes, Agora, Depois, tríptico da artista visual Sara Ramo, parece brincar com isso. Primeiro, talvez, por esse ateliê com tudo em ordem nas mesas, folhas com anotações dispostas linearmente na parede – e o atulhamento suspenso, cobrindo a maior parte da imagem, de papéis e plásticos. O lugar não tem motivos para ser assim.

O título avança essa desestabilização inicial. Não temos a tendência de atribuir a cada fotografia da sequência um momento do tempo? Aliás, até mesmo pela disposição das imagens seria algo típico pensá-las assim. Entretanto em Antes, Agora, Depois, a progressão “lógica” não está dada: alguns elementos mudam de uma foto para a outra, mas não é como se houvesse um começo, meio e fim, uma causa e um efeito, um início e uma conclusão. Houve mudança – e só.

Esses abalos da lógica e das maneiras pelas quais o costume constrói os ambientes reaparecem em pelo menos uma outra obra de Sara: a série Como Aprender o que Acontece na Normalidade das Coisas. A também artista visual Luisa Paraguai comenta que há nela uma contraposição “às representações herdadas ou ensinadas", pelo deslocamento dos "objetos de um banheiro doméstico dos seus lugares”. Já Inhotim ressalta “o contraste entre o antes e o depois, mesmo que não saibamos exatamente que ação, gesto ou acometimento se deu em seu intermédio”. E, ainda mais:

Ramo propõe ao espectador aprender sobre a normalidade, desafiando com sutileza e precisão o entendimento do que seria o normal, assim como as ideias de sapiência e controle que impregnam o dia-a-dia comum. Há em sua obra a revelação de um universo de objetos animados, acontecimentos surpreendentes, transformações que se dão como que por mágica, em instalações, esculturas, fotografias, colagens e vídeos.

Que fazer sem o habitual, que fazer sem a norma? Sara parece apontar para essas questões, a partir – como diz um texto curatorial do Fortes D’Aloia & Gabriel – de uma “disciplina libertária”, em que “os objetos do mundo, que para Ramo funcionam como extensões de nós mesmos, são reorganizados, criando novos sentidos”. Tudo se passa como se o desapego da organização de agora, a imaginação de outras organizações, sugerisse práticas de liberdade para a vida.

Ademais, no fundo das questões implicadas por esses trabalhos parece estar uma antiga tensão: aquela entre ordem e caos. É o que percebe o filósofo e curador Cauê Silva. Se, na tradição filosófica, esses conceitos são opostos, em Sara eles se articulam entre si, posto que “as forças do universo estão em constante movimento” e que “para modificar a regularidade do mundo não é necessário destruí-lo, mas apenas realizar mínimas alterações”. Acima de tudo, essa dialética ocorre cotidianamente, podemos flagrá-la no que é rotineiro. Citando obras da artista, diz Cauê:

No microuniverso do trabalho, restrito aos limites de um quartinho dos fundos de uma casa, a ordem não é soberana. Bolhas da parede com infiltração e tufos de poeira (cósmica?) dividem o vazio do ambiente com a regularidade e geometria dos tacos do piso. As imagens, como em pôsteres didáticos, são seguidas de definições científicas e, não sem ironia, uma mancha de leite no chão, a desordem por excelência, é convertida em Via Láctea do mesmo modo em que um balão furado torna-se um buraco negro.

O caos e a ordem se distribuem no nosso dia a dia. Após Sara, talvez possamos ver a sua dança.

Sara Ramo cria fotografias, esculturas, vídeos e instalações. É influenciada por criadores como Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988). Antes, Agora, Depois participou da mostra Singularidades/Anotações – Rumos Artes Visuais 1998-2013, com curadoria de Aracy Amaral, Paulo Miyada e Regina Silveira. Leia uma entrevista com a artista no El País.

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