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Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo: Berna Reale e a violência silente

Na performance “Ordinário”, a artista levou pelas ruas de Belém (PA), em um carrinho de mão, ossos de indivíduos assassinados e sem identificação

Publicado em 02/07/2020

Atualizado às 17:47 de 16/08/2022

Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo destaca produções de criadoras presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.

Berna Reale
Ordinário, 2013
Acervo Itaú Cultural

por Duanne Ribeiro

O noticiário policial apresenta todos os dias uma forma muito característica de violência, que demanda estarmos alertas, que se impõe como urgente. Assassinatos, sequestros e roubos, com frequência em um enquadramento que define heróis e vilões, cobra quem seja responsável, passa à próxima manchete. Essa é uma violência que se faz ouvir, que é até barulhenta. Mas há também uma violência que não se ouve e que desaparece.

Veja também:
>> Todos os textos, nas várias curadorias, sobre obras do acervo do Itaú Cultural

O que há de violento na sociedade e permanece apagado, abafado, é um tema marcante da obra da artista visual e performer Berna Reale. No vídeo que destacamos neste texto, essa problemática é central: Berna leva pela periferia de Belém, capital do Pará, em um carrinho de mão, ossos de cerca de 40 pessoas – vítimas não identificadas de homicídio. A performance afronta a cidade com algo já quase ou totalmente esquecido.

Ordinário foi realizada em 2013, ano em que Belém, segundo o Atlas da Violência 2019 – mapeamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) –, alcançou a sexta posição entre as capitais com o maior número de homicídios por 100 mil habitantes: 60,2. O bairro em que a artista faz sua procissão, Jurunas, era então um dos mais violentos nesse sentido na cidade: de acordo com Rosália Corrêa e Marco Lobo, que fazem uma média de 2013-2015, a localidade estava na faixa entre 50 e 75 mortes por 100 mil.

Esse é o contexto que pode informar a performance. As ossadas que a artista transporta pelas ruas em meio a passantes curiosos ou desatentos são um componente particular desses dados estatísticos: representam aqueles a quem não sobrou história, cuja morte terá pouca ou nenhuma explicação. Como descreve a artista plástica Susana Rocha:

Estes restos mortais sem identificação, são frequentemente encontrados por agentes policiais em cemitérios clandestinos, produto da elevada taxa de homicídios no Brasil. A performance é uma denúncia a esta realidade, e um confronto entre os vestígios de homicídios com o local onde habitam possíveis perpetradores de tais crimes.

[...] assistir ao vídeo da performance faz-nos pensar que mesmo depois da morte, a última indignidade é o esquecimento. 

O confronto com o apagamento que vemos em Ordinário pode ser uma chave para todo o trabalho da artista. Diz ela ao pesquisador Raphael Fonseca: “A violência silenciosa ou a que é observada em silêncio, sem dúvida é a que mais me angustia. Silenciosa no sentido mais amplo possível, silenciosa no que diz respeito à tortura, aquela cometida entre paredes, a silenciosa por parte dos espectadores e silenciosa por meio do poder”. 

Berna Reale é artista e perita criminal, licenciada em artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1996. Suas primeiras produções artísticas são dos anos 2000; em 2009, quando recebeu o Grande Prêmio do Salão Arte Pará, começou a se destacar nesse meio. Foi contemplada pelo Rumos Itaú Cultural em dois editais: 2011-2012, com a série Retratos, e 2013-2014, com Precisa-se do Presente (leia uma entrevista com ela sobre o projeto). Saiba mais na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.

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