Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea: Carol Fernandes

Carol Fernandes, pedagoga, escritora e ilustradora mineira, faz das águas atlântico-oceânicas da memória mais do que uma metáfora

Publicado em 09/09/2021

Atualizado às 18:37 de 16/08/2022

A série Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea apresenta o trabalho de escritores da cena literária recente, com uma seleção atenta à produção de todas as regiões do país. Neste ciclo, a curadoria e a apresentação são da pesquisadora Fabiana Carneiro da Silva.

A perda da imagem de si é uma problemática que circunscreve as experiências das pessoas negras na diáspora. Em face a isso, olhos despertos apreendem como são plurais os caminhos percorridos por artistas negras em suas buscas por autodefinição. Ao escolher o livro ilustrado como principal configuração de seu trabalho e a técnica da aquarela como linguagem visual que estabelece intrínsecas relações com o texto verbal, Carol Fernandes, pedagoga, escritora e ilustradora mineira cujo trabalho apresentamos hoje, faz das águas atlântico-oceânicas da memória mais do que uma metáfora – que usualmente pode remeter a um repositório de procedimentos e conteúdos de criação em poéticas pretas. Com suas pinceladas, os pigmentos em interação com a água borram contornos previamente estabelecidos e vão ao encontro de uma literalidade que, enquanto palavra, tem seus sentidos preenchidos pela sensibilidade das composições imagéticas.

As infâncias, e sobretudo, as ainda tão pouco visibilizadas e cuidadas infâncias negras, despontam como principal horizonte de interlocução do projeto estético que, então, se faz prisma para o autorreconhecimento da própria autora, das crianças que nele se podem ver representadas e de nós leitoras que aceitamos o convite de mergulhar num retorno do tempo para embalar e nutrir a criança que fomos e ainda podemos ser (Kiusam de Oliveira nos lembra de que, desde uma perspectiva africana, a infância é um continuum acessível a qualquer momento). O fazer de Carol Fernandes é, assim, performance que em sua riqueza e complexidade questiona o lugar menor a que a literatura categorizada como “infantil’ é relegada no arquivo da literatura brasileira. Partilhamos aqui fragmentos do primeiro livro da autora Coração do Mar, cuja circulação primeira se deu em terreiros e quilombos, e do livro Se eu fosse uma casa (TUYA, 2020), concebido durante o período do isolamento social, no qual a autora poeticamente tece a casa-corpo como organismo atravessado sinestesicamente por ruídos, sujeiras, infiltrações, medos, mas, ainda assim, ou talvez por isso mesmo, fonte de pulsão de vida. Além disso, publicamos na íntegra o poema visual Mulheres que guardo em mim (2019), por meio do qual Fernandes presta homenagem à sua linhagem feminina e, por contiguidade, a toda força-mulher que fecunda, gesta e pari o que existe. Imaginemo-nos.

Retrato colorido da escritora do busto para cima. Ela é uma mulher negra, está com o cabelo preso em um turbante colorido, está de brinco, tem um piercing no septo, está de batom magenta e veste camiseta preta. Ela sorri de boca fechada para a frente. O fundo é amarelo.
Carol Fernandes (imagem: divulgação)

Carol Fernandes nasceu em Belo Horizonte (MG), cidade onde mora e trabalha como autora, ilustradora e artista visual. Graduada em pedagogia, conheceu e se apaixonou pela literatura infantil durante seu percurso acadêmico na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como professora da educação infantil, desenvolvendo projetos de mediação e promoção da leitura literária entre as crianças e suas famílias. A relação direta com as crianças pequenas, mediada pelos livros ilustrados para as infâncias, foi o ponto de partida do desejo de criação de seus próprios textos e imagens. Escreveu e ilustrou o livro Coração do mar (2019), publicado em parceria com a Crivo Editorial, o fanzine Mulheres que guardo em mim (2019), lançado de maneira independente, e o livro Se eu fosse uma CASA (2020), financiado coletivamente e publicado em parceria com a Tuya Edições.

Neta de Amada e de Quiteria, filha de Lourdes e mãe de Imani, Fabiana Carneiro da Silva tece um caminho que alinhava docência, pesquisa e ações artísticas no campo dos saberes contra-hegemônicos, sobretudo a partir do eixo constituído por literatura, corpo e experiência comunitária. Doutora em teoria literária e literatura comparada pela Universidade de São Paulo (USP), atua como professora adjunta do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Compartilhe