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O prazer da escuta no Encontro com o Espectador

Editores do site Teatrojornal irão se revezar na coluna Encontro com o Espectador. Na estreia, texto de Beth Néspoli

Publicado em 05/03/2018

Atualizado às 12:20 de 04/06/2019

Por Encontro com Espectadores – Beth Néspoli

Há lentidão nos movimentos do corpo à saída do teatro. O espectador está imerso em sensações contraditórias e pensamentos difusos. Quem nunca? Se acompanhado, é inevitável a troca de impressões, mais ou menos hesitantes, mais ou menos ligeiras. Porém, mesmo que a experiência ainda reverbere na manhã seguinte, a urgência das tarefas tende a afastá-la do foco.

O mesmo não pode ocorrer com quem se compromete com a crítica teatral. Cabe seguir no exame da criação artística, tenha ela propiciado fruição prazerosa ou provocado recusa. A tarefa é ultrapassar as impressões iniciais em busca de diferentes ângulos de análise, de modo a alargar a compreensão da obra.

Assim, é menos a posse de um saber previamente adquirido que distingue a relação da crítica com a arte e mais o tempo empenhado, após a recepção, para buscar e elaborar conhecimento sobre a cena que inquietou.

É dever de ofício atravessar o campo da opinião para se lançar na lida com os argumentos e, não menos importante, com a clareza da expressão. Afinal, o objetivo é o compartilhamento no espaço público, em que as ideias circulam e são confrontadas. Se bem-sucedida, a crítica pode ampliar as possibilidades de interação com o objeto artístico e contribuir para estreitar elos entre criação e recepção.

O desejo de intensificar a mediação entre arte e público levou à criação, há cerca de dois anos, do Encontro com o Espectador, ação do site Teatrojornal – Leituras de Cena que se configura como uma conversa triangulada entre críticos, artistas e espectadores em torno de um espetáculo teatral previamente escolhido. No dia 25 de março, em sua 17ª edição, o evento passa a acontecer no Itaú Cultural, onde permanecerá, sempre no último domingo do mês, às 15h, durante todo o ano de 2018.

Pagliacci, espetáculo da companhia La Mínima – fundada em 1997 pela dupla de palhaços Fernando Sampaio e Domingos Montaigner (1962-2016) –, foi escolhido para inaugurar esse novo espaço de acolhimento do encontro. Participa da conversa, que será conduzida pelo jornalista Valmir Santos, a dupla de atores Fernando Sampaio e Fernando Paz. Criada como homenagem à linguagem cômico-lírica do circo-teatro, a montagem de Pagliacci pode propiciar um bom debate sobre a arte da palhaçaria e o humor de raiz popular.

Como sempre ocorre, os demais integrantes do elenco e da ficha técnica estão convidados à plateia do encontro. Entre os intérpretes de Pagliacci, que tem direção de Chico Pelúcio (Grupo Galpão), estão Alexandre Roit e Carla Candiotto (Companhia Le Plat du Jour). A dramaturgia é de Luís Alberto de Abreu, que já participou da quinta edição do Encontro com o Espectador, quando o espetáculo em foco foi Cabras – Cabeças que Voam, Cabeças que Rolam, da Companhia Teatro Balagan, cujo texto final é de sua autoria.  

Não é o único retorno. De certa forma, a própria ação volta às origens, uma vez que a concepção do encontro tem sua gênese no Itaú Cultural, quando jornalistas e editores do Teatrojornal – a equipe é integrada por Beth Néspoli, Valmir Santos, Kil Abreu e Maria Eugênia de Menezes – participaram do Camarim em Cena, programa realizado pelo instituto que propõe um diálogo entre entrevistador e artista na presença de uma plateia. Nasceu ali, de um bate-papo de bastidores, o desejo de realização dessas conversas trianguladas.

Não por acaso, Denise Weinberg, entrevistada no Camarim em Cena em maio de 2016, participou da primeira edição do Encontro com o Espectador, em junho daquele ano. Na ocasião, o convite foi estendido ao ator Celso Frateschi, já que ambos estavam em cena com solos centrados em figuras da religião católica – ela, O Testamento de Maria; ele, O Grande Inquisidor –, em abordagens que permitiam paralelos com questões contemporâneas. A dupla inaugurou o Encontro com o Espectador, que transcorreu, por motivos óbvios, no Ágora Teatro, fundado por Frateschi e gerido por ele e sua parceira, a cenógrafa e figurinista Sylvia Moreira – dupla que gentilmente colocou à disposição do Teatrojornal o espaço onde foram realizadas as 16 primeiras edições do evento.

A dramaturgia esteve no centro do debate da segunda edição, que contou com a participação de Cláudia Barral (Hotel Jasmim) e Paulo Santoro (O Teste de Turing), e também da quarta edição, quando Sínthia foi a montagem escolhida e Kiko Marques o autor convidado.

Na edição anterior, a terceira, Luiz André Cherubini, um dos criadores do Grupo Sobrevento – junto com Sandra Vargas –, proporcionou à plateia momentos de encantamento ao reforçar por meio da animação de bonecos e objetos que retirou de uma mala o argumento sobre a passagem do figurativo à abstração na linguagem da companhia.

Mesmo quem não esteve presente pôde visitar esses diálogos, uma vez que todos os encontros são gravados e os áudios transcritos, editados e posteriormente publicados no Teatrojornal. Trata-se de um acervo de ideias que vale ser conhecido.

Ao longo de quase dois anos, participaram coletivos como Folias D’Arte (Solidão), Companhia do Feijão (DaTchau – Rumo à Estação Grande Avenida), Companhia de Teatro Heliópolis (Sutil Violento), Grupo DasDores de Teatro (Uma Peça por Outra), Grupo Redimunho (Siete Grande Hotel: a Sociedade das Portas Fechadas) e Trupe Sinhá Zózima (projeto Semear­­: por uma Arte do Encontro sem Fronteiras), cujos integrantes permitiram conhecer os princípios éticos e estéticos que baseiam as suas criações.

Ainda que tenha atravessado todos os encontros, a atuação ganhou centralidade com a participação de Cacá Carvalho (A Próxima Estação – um Espetáculo para Ler) e Emanuel Aragão (Hamlet – Processo de Revelação), além da atriz Denise Fraga (A Visita da Velha Senhora). O mesmo ocorreu com o tema da condição feminina, com a participação da diretora Eliana Monteiro e da atriz Lucienne Guedes na 13ª edição (Enquanto Ela Dormia).

Nesses tempos de vozes ruidosas e desencontradas tomando o espaço público, o Encontro com o Espectador quer abrir um espaço para o exercício da escuta, sem a qual não há diálogo digno de ser assim definido. Um espaço agora renovado pelo abrigo do Itaú Cultural e para o qual todos os que leem este texto estão convidados.

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