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Todo mundo

Era final do dia, estávamos exaustas ao extremo, mas esperavam pelo roteiro naquela noite. Então ...

Publicado em 22/01/2018

Atualizado às 14:55 de 21/09/2018

Por Um Por Todos - Fernanda D´Umbra

Era final do dia, estávamos exaustas ao extremo, mas esperavam pelo roteiro naquela noite. Então decidimos morrer juntas e mandar o texto. Não morremos. A internet caiu. Mais essa: nem morrer podíamos.  

Então fomos a um teatro aqui perto de casa. O comércio já fechava, e enquanto caminhávamos apressadas eu dava oi para a menina do hortifrúti, o cara da farmácia, o moço da papelaria, a senhora da banca de jornal que vende cigarros avulsos, a travesti que trabalha na escola, o dono do bar que vende espetinhos, a senhora do pet shop… até que chegamos ao teatro: “Oi! Posso usar sua internet?”.

foto: Edson Kumasaka

Diante da simpatia da bilheteira minha amiga comentou: “Você conhece todo mundo”. “Olha, todo mundo não, mas eu ando muito por aqui e sei quem trabalha ou mora nessa área.” Ela alegou que vivia há dez anos no mesmo apartamento e não conhecia ninguém ao redor. Lógico: ela vai direto da garagem do prédio para a garagem da agência em que trabalha fechada num carro com películas protetoras nas janelas (eu chorei quando inventaram isso). Assim fica difícil.

É impossível conhecer a cidade se você não a engole, se você é um estrangeiro em sua própria casa. Os rostos, as vozes, os latidos, os cheiros, a ginga, o mau humor, o prazer e a raiva têm de fazer parte desse dia a dia passageiro. Sair por aí e encarar o mundo real é fabuloso. Ensina inclusive a não odiar em demasia, porque a rua é um bem comum e todos estão juntos ali, se escondendo da chuva.

A convivência aproxima, as dificuldades unem, nada é exatamente fácil, mas o prazer de estar ao ar livre com outros seres vivos é incomparável.

Andar por aí é divertido e certamente é a única forma que temos de criar uma relação sincera com a cidade e com nós mesmos. Se não tentamos sequer entrar em acordos corriqueiros – por exemplo: quem sobe primeiro no ônibus –, não somos nada, não faremos nada por nós ou por quem quer que seja. Andar pela rua nos deixa fortes e destemidos. Seja no seu país ou em qualquer lugar do mundo.

foto: Edson Kumasaka

Até mesmo na sua cabeça: li um artigo que diz que nosso cérebro não é capaz de inventar rostos. Sonhamos com aquilo com que convivemos. Portanto, se algum estranho aparecer nos seus sonhos, certamente você já viu esse rosto antes. Mesmo as pessoas que nasceram sem o sentido da visão sonham com cheiros, emoções e sons que já experimentaram.

A vida é gigante quando as pessoas respiram o mesmo ar, bebem a mesma água, se ajudam, se atrapalham, estão juntas de fato. Não podemos nos contentar em sonhar sempre com as mesmas coisas. Tudo lá fora espera por nós. Feio ou bonito, o mundo é nosso. E não adianta fugir. Ele sempre estará lá.  

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