Na década de 1970, o educador e filósofo Paulo Freire concede entrevista ao Jornal da Tarde. Em sua casa, na cidade de São Paulo, ele fala sobre o movimento pedagogia crítica (imagem: João Pires/Estadão Conteúdo)
Para compreender a bem-sucedida experiência “40 horas de Angicos”, prática – e marco – educacional responsável por alfabetizar 300 pessoas em 40 horas, é essencial conhecer alguns momentos da trajetória escolar e acadêmica de Paulo Reglus Neves Freire.
Nascido em 1921, no bairro de Casa Amarela, em Recife (PE), ele obtém, em 1937, bolsa de estudos para cursar o ensino secundário no Colégio Oswaldo Cruz, onde se torna professor de língua portuguesa – sua primeira experiência com a docência. Na década de 1940, ingressa na Faculdade de Direito do Recife, onde se forma em 1947. Apesar do curso, ele nunca exerceu a profissão.
Já em 1962, Paulo Freire e o reitor João Alfredo criam o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, em Pernambuco, uma ação de caráter pioneiro: é a primeira atividade sistemática de extensão universitária no Brasil.
A lei que nomeia o professor como Patrono da Educação Brasileira data de 13 de abril de 2012.
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O educador Paulo Freire relata como foi se dando sua vocação como educador e relembra as primeiras experiências como professor, pontuando sua importância para o enraizar na prática pedagógica. A arte-educadora Ana Mae Barbosa, aluna de Paulo Freire, conta sobre os caminhos que a levaram até ele e relembra como era sua postura como professor, ressaltando a importância que teve o educador em sua trajetória pessoal.
Na década de 1970, o educador e filósofo Paulo Freire concede entrevista ao Jornal da Tarde. Em sua casa, na cidade de São Paulo, ele fala sobre o movimento pedagogia crítica (imagem: João Pires/Estadão Conteúdo)
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O educador Paulo Freire fala do convite e das exigências feitas para participar da experiência em Angicos, Rio Grande do Norte. As condições impostas pelo educador permitiram que a Aliança para o Progresso ficasse longe das tratativas – que se dariam apenas entre as universidades e a Secretaria de Educação –, mantendo a autonomia pedagógica e política do projeto. O professor e advogado Marcos Guerra fala da importância da experiência e analisa as diferenças entre o processo de alfabetização tradicional e o método proposto por Paulo Freire.
Após experimentos iniciais no Movimento de Cultura Popular (MCP) e na Campanha de Educação Popular da Paraíba (Ceplar), Paulo Freire sistematizou a alfabetização de adultos no Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife e, em 1963, realizou a experiência de Angicos (RN). O projeto alfabetizou 300 pessoas em 40 horas
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O professor e advogado Marcos Guerra, coordenador do projeto em Angicos, Rio Grande do Norte, desenvolvido por Paulo Freire, relata a disposição do educador para modificar a teoria de acordo com o que fosse analisado na prática. Guerra fala também de sua trajetória de militância política na universidade e das campanhas e movimentos de alfabetização que eram desenvolvidos. O professor relembra as condições impostas por Paulo Freire quando foi convidado para trabalhar em Angicos, uma delas era a plena independência pedagógica e política. Ele comenta sobre o impacto da alfabetização no processo eleitoral, uma vez que somente o cidadão alfabetizado tinha direito ao voto.
1963: O levantamento do universo vocabular do local é parte fundamental do método de alfabetização desenvolvido por Paulo Freire
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Os alunos que participaram da experiência em Angicos, Rio Grande do Norte – Maria Eneide, Maria Lucia da Silva Andrade, Francisca de Brito, Antonio Lopes, Luzia de Andrade e Valdice Ivonete da Costa Santos –, relembram a mobilização com a chegada da equipe de educadores na cidade e a resistência de alguns familiares a frequentar as aulas; também pontuam como foi o processo de alfabetização e como aprender a ler reverberou na sua forma de ser e estar no mundo.
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O educador Paulo Freire conta que o aprendizado com os grupos populares foi um componente importante para sua formação, construindo um entendimento das diferenças de classe do ponto de vista da linguagem. O escritor Frei Betto relembra as experiências de alfabetização no movimento dos estudantes secundaristas, Juventude Estudantil Católica (JEC), ao se aproximarem do método Paulo Freire. Ele fala da força do método para entender a vida como processo histórico e não biológico e sendo um fator importante no resgate da dignidade humana.
por Sérgio Haddad*
Construindo a sua pedagogia a partir do diálogo sobre autoritarismo com um operário
“Agora veja, doutor, a diferença. O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas uma coisa é chegar em casa, mesmo cansado e encontrar as crianças com banho tomado, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às 4 da manhã do outro dia para começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de esperança. Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não ame eles, não. É porque a dureza da vida não deixa muito para escolher.
A fala do operário afetou a todos os presentes, mas Paulo sensibilizou-se de modo bastante particular. Seu constrangimento gerado pela comparação entre o seu mundo e o mundo do trabalhador com o qual dialogava foi tomado como uma lição que transformaria seu modo de compreender o processo educativo.
Paulo já vinha fazendo esforço para aproximar sua linguagem da linguagem dos pais e alunos que frequentavam as escolas do Sesi. Considerava que grande parte da incompreensão que atravessava o diálogo era consequência do distanciamento discursivo e que, portanto, quanto mais ele se aproximasse da linguagem dos operários, maior seria a possibilidade de compreensão entre as partes.
A fala daquele pai e trabalhador fez com que Paulo compreendesse uma outra dimensão: não se tratava apenas de adaptação da linguagem. Era preciso ir mais fundo, conhecer o modo de vida dos operários e a forma como eles interpretavam o mundo em que viviam, afinal, a linguagem dos operários era produto desta realidade.”
Sérgio Haddad é formado em economia e pedagogia e é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Foi professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Universidade de Caxias do Sul, e atualmente participa da coordenação da ONG Ação Educativa. Pesquisador sênior do CNPq, lançou recentemente O Educador: um perfil de Paulo Freire pela editora Todavia.
*O trecho destacado foi selecionado e extraído de O educador, um perfil de Paulo Freire.
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O educador Paulo Freire relembra a precariedade das escolas de São Paulo quando assumiu a Secretaria Municipal de Educação e conta do trabalho para modificar essa realidade, oferecendo uma estrutura adequada, fomentando a qualidade no ensino e democratizando a escola. O filósofo Mario Sergio Cortella conta como os governos anteriores impactaram a educação na gestão de Paulo Freire e quais foram os problemas enfrentados e suas propostas. Os educadores Moacir Gadotti e Ângela Antunes também compartilham relatos, histórias e experiências.
“O educador, num processo de conscientização (ou não), como homem, tem o direito a suas opções. O que não tem é o direito de impô-las. Se tenta fazê-lo, estará prescrevendo suas opções aos demais; ao prescrevê-las, estará manipulando; ao manipular, estará 'coisificando'; e ao coisificar, estabelecerá uma relação de 'domestificação' que pode, inclusive, ser disfarçada sob roupagens em tudo aparentemente inofensivas.”
Extensão ou comunicação?, posição 1226 (livro eletrônico).