Uma artista que não compreende a arte sem uma aproximação à vida

Para certos artistas, a relação entre arte e vida é tão imbricada que não há como separar uma da outra; não há como buscar compreender a arte sem uma aproximação à vida. Este é o caso de Louise Bourgeois. Em mais de uma entrevista e depoimento no decorrer de sua longa existência — ela morreu aos 98 anos em 2010 —, a artista afirmou que tudo que fazia era inspirado em sua infância. Dizia ainda que a arte, para ela, funcionava como uma espécie de catarse ou sublimação — para usarmos um termo psicanalítico caro a Louise Bourgeois. Por isso, ela falava provocativamente: “Se uma pessoa é artista, é uma garantia de sanidade. Ela é capaz de suportar seu tormento”. Ou ainda: “Ser artista é uma garantia para nossos semelhantes de que as dificuldades da vida não deixarão que você se torne um assassino”.

Quando pequena, Louise Bourgeois trabalhou com os pais na restauração de tapeçarias antigas. Tanto o pai quanto a mãe se tornam figuras importantes em suas obras. “Meus pais são monumentos”, dizia ela. Mas monumentos bastante singulares: não exatamente objetos de elogios, mas de problematização ou, talvez mais precisamente, de acerto de contas, como podemos ver em obras como essas da série Spider.

 

 

A imagem que a artista devia guardar da mãe tecendo não deixa de ser evocada nesta Spider que pertence à coleção do Itaú Cultural. A mãe da artista, que morreu quando Bourgeois tinha 20 anos, é a aranha. Não esqueçamos que outra série muito parecida com esta, mas que traz em seu bojo ovinhos de aranha feitos em mármore, se chama Maman, “mamãe” em francês. No poema de 1995, que acompanha a publicação de nove águas-fortes, todas representando aranhas, Louise Bourgeois escreve: “A amiga (a aranha — por que a aranha?) / porque minha melhor amiga era minha mãe e ela / era decidida, inteligente, paciente, tranquilizadora, racional, / encantadora, sutil, indispensável, arrumada e útil como uma / aranha. Ela também sabia se defender, e a mim”.

Para o crítico Paulo Herkenhoff, as aranhas de Louise Bourgeois “representam as qualidades pessoais da mãe da artista”, as quais ele sintetiza em dois adjetivos aparentemente paradoxais: “frágil e forte”. A fragilidade e a força se conjugam nesta versão de Spider. À primeira vista, é uma peça imponente, até um tanto monstruosa: ela é toda em bronze, com três metros e meio de altura, oito longas patas e um núcleo central duro, todo torcido em espirais, que faz as vezes de cabeça e ventre — um grande ventre capaz de armazenar os ovos. Numa olhada mais atenta, percebe-se como, apesar da força e da rigidez do bronze, ela também é frágil, delicada: suas patas são longas e muito finas, dando a impressão de serem insuficientes para sustentar o pesado corpo da aranha. E essa fragilidade foi constatada ao movimentá-la para participar da exposição Modos de ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos. Uma parte de sua estrutura cedeu e a instituição decidiu enviá-la para restauro em Nova York, no mesmo ateliê de fundição que produziu boa parte das obras escultóricas de Louise Bourgeois. Agora reaparece restaurada para o público.

A referência à tecelagem não se encerra na própria figura da aranha. Se olhamos com atenção, percebemos que as oito patas da escultura terminam em forma de agulha. Bourgeois lembra que, em sua infância, todas as mulheres da casa usavam agulhas. Daí, ela sempre ver nesse objeto um certo poder mágico: “A agulha é usada para consertar danos. É um pedido de perdão”, disse ela em 1992. Para a artista, a agulha “nunca é agressiva, não é uma ponta perfurante”. No entanto, as longas e finas patas da aranha parecem ser capazes de perfurar algum inimigo. Afinal, a própria Louise Bourgeois costumava frisar que a aranha fêmea “tem má reputação — é uma mordedora, uma matadora”. E é justamente por esta razão que a artista a reabilita: “Se tenho de reabilitá-la é porque me sinto criticada”.

Toda aranha traz consigo a imagem da teia. É como se fosse seu atributo. Na teia, há também ambiguidade: trata-se de uma imagem ao mesmo tempo de violência (serve para a morte da presa) e de proteção (a morte da presa serve de alimento para si e seus filhotes). É ao mesmo tempo ofensiva e inofensiva. No mito de Aracne, que, em grego, quer dizer precisamente “teia de aranha”, Aracne é uma jovem que desafia a deusa Atena a um campeonato. Atena aceita o desafio. E Aracne apresenta uma tapeçaria melhor e mais perfeita que a da deusa. Como Aracne era, ainda por cima, mortal, desperta a ira de Atena, que, não só pelo despeito do desafio, mas também por vingança, a transforma em aranha.

O crítico americano Donald Kuspit, num ensaio sobre Louise Bourgeois, partindo do mito de Aracne, afirma que, nas obras da artista, “a aranha também simbolizará a audaciosa competição de Bourgeois com a mãe e sua paranoia de tentar ser melhor tecelã que ela, tecelã mais sutil, porque mais fiel à vida interior, como também simbolizará o ato de abraçar a competência da mãe e o amor primitivo que isso carreava”.

Não podemos perder de vista que Spider é também, em certa medida, uma reatualização da tradicional figura da madonna com bambino, da mãe com seu filho. Seu grande ventre — o elemento central desta escultura — poderia estar repleto de ovos, como estão os ventres da série irmã Maman. Nesse sentido, Spider pode ser vista em comparação com uma escultura anterior da própria Louise Bourgeois, a She-fox, realizada dez anos antes de Spider. She-fox também é uma espécie de madonna, dedicada à mãe da artista. Aqui, a mãe se transforma numa raposa, com vários seios, mas sem cabeça. Em seu colo, muito pequenina, jaz a escultura Fallen woman, que, para Louise Bourgeois, era um autorretrato.

Aquele acerto de contas com os pais de que falei no início e a rivalidade com a mãe evocada por Kuspit ficam muito claros numa peça como essa. Ainda mais se lembrarmos o que disse Louise Bourgeois em entrevista de 1988: “She-fox é uma peça muito terna. O fato de você ter tentado ou quase conseguido matar seus pais não significa que eles não gostem de você. Você pode confiar neles”. Há sempre uma violência implícita nas obras da artista, uma violência que se conjuga com uma ternura muito particular. Disse ela em 1992: “Em minha arte sou a assassina. Sinto o sofrimento do assassino, o homem que tem de viver com sua consciência”.

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Spider (Aranha), de Louise Bourgeois a Coleção Itaú Cultural

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