o gestor cultural

Contra o Achatamento do Mundo

Em 1975, Aloisio Magalhães criou o Centro Nacional de Referência Cultural, o CNRC. Fora das esferas governamentais, mas contando com o apoio de 12 instituições públicas, o CNRC tinha como projeto entender o Brasil para, a partir dessa compreensão, criar modelos de desenvolvimento social e econômico.

“Nosso objetivo é estudar as formas de vida e atividades pré-industriais brasileiras que estão desaparecendo. Documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se”, disse ele em entrevista, publicada originalmente no jornal O Globo, em 5 de janeiro de 1977.

O trabalho consistia em documentar, formar um arquivo de saberes do fazer brasileiros que, analisados, eram devolvidos às respectivas comunidades ou instituições com inserções em seu modo produtivo para que pudessem melhorar processos e produto final.

Dessa forma, Aloisio Magalhães vislumbrava uma indústria calcada nos saberes artesanais brasileiros. Pensava em um desenvolvimento igualitário e com isso combater “uma espécie de fastio, monotonia, achatamento de valores causados pelo próprio processo de industrialização muito acelerado e sofisticado. O mundo começou a ficar muito chato”, disse ele à época. “Uma das consequências mais flagrantes do achatamento do mundo é a perda ou diminuição de caracteres próprios das culturas.”

Ao pensar em cultura brasileira, ele não estava olhando, necessariamente, para o tradicional. Desejava, antes, a partir dela, alçar o desenvolvimento econômico do país sem perder de vista os seus rincões – ou seja,  o Brasil se desenvolveria em todo seu território, mantendo suas marcas mais genuínas.

Era um desejo possível. Aloisio Magalhães cita o exemplo do caju. “Na segunda metade do século passado, Pernambuco exportava doce de caju para a Inglaterra ao nível já de procedimento industrial. […]. E isso desapareceu. […] Desapareceu porque o mercado não quis mais ou porque nós não soubemos dar uma trajetória correta a esse mercado potencial”, diz ele. Um dos projetos mais emblemáticos do CNRC era justamente o O Estudo Multidisciplinar do Caju. A resposta estaria contida no próprio processo. “Porque se você identifica o procedimento, você tenta conhecer, você está sentindo a sua dinâmica e você aplica aquilo, ajuda aquilo a se desenvolver naturalmente e é aquilo que vai se explicitar na sua trajetória. Pode vir a dar uma coisa de uma grande complexidade. Aliás, o nascimento de tecnologia é um procedimento dessa natureza”, respondeu em 1979, em entrevista. Por isso mesmo, Aloisio Magalhães também dizia que o CNRC era um projeto de design. “Pois se conseguirmos   detectar, ao longo do espaço brasileiro, as atividades artesanais e influir nelas, estaremos criando um design novo, o design brasileiro.”

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A equipe do CNRC

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Diagrama CNRC

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O homem público

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O diagrama ao lado, elaborado a partir do risco original de Aloisio Magalhães, mostra como atuava o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) – que funcionou em Brasília entre 1975 e 1979. Pesquisa, registro e arquivamento de práticas culturais (memória), estudos e análises em torno dessas atividades (dinâmica) e inserções que impulsionassem reflexões e melhoras em cada contexto cultural (devolução) compunham as etapas ou fases de cada projeto.

Algumas iniciativas do CNRC deram origem a importantes programas da Fundação Nacional Pró-Memória. A indexação e a microfilmagem da documentação em depósito no Museu do Índio, do Artesanato Indígena no Centro-Oeste, os trabalhos sobre cultura e educação, como o iniciado em Tracunhaém, e a recuperação de importantes documentos localizados em arquivos fora do país são alguns exemplos.

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Aloisio Magalhães

Aloisio em reunião na Secretaria da Cultura, em 1982. | imagem: fotógrafo desconhecido / acervo Aloisio Magalhães

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Formulador de políticas culturais

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DINÂMICA DA CRIAÇÃO CULTURAL

Em 1979, Aloisio Magalhães assumiu a direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan, criado em 1937). Nessa casa, procurou resgatar a própria ideia de Mário de Andrade , autor do anteprojeto de lei que propôs a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional, origem do Iphan. Naquela época, o texto já preconizava a preservação de “determinados lugares agenciados definitivamente pela indústria popular, como vilarejos lacustres vivos da Amazônia, tal morro do Rio de Janeiro,tal agrupamento de mocambos no Recife, etc.” Um documento, portanto, que já trazia a ideia de patrimônio como algo que atravessa as contribuições de classes e das diversas etnias que compõem o Brasil.

Importante dizer que antes mesmo de vir a dirigir o Iphan, Aloisio Magalhães já tinha esboçado o que poderia ser a estrutura governamental no trato dos bens culturais. O então Ministério da Educação e Cultura dispunha de uma secretaria de assuntos culturais e da Fundação Nacional de Arte, a Funarte. Poderes de ação executiva entre a secretaria e a Funarte embaralhavam-se e perdiam operacionalidade. Diante disso, Aloisio Magalhães desenhou uma nova ordem institucional, construída sobre o que chamava de vertentes “patrimonial e da dinâmica da criação cultural”.

Uma sucessão de passos para uma modificação da estrutura interna do ministério teve início com a criação da Fundação Nacional Pró-Memória, da qual Aloisio Magalhães foi o primeiro presidente, em 1979, tendo o Iphan alçado à posição de secretaria. Estruturava-se assim a área da cultura no governo federal, em um momento histórico (o estado de exceção, com a ditadura militar) tão improvável. 

Os museus nacionais – o Museu Histórico Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, entre outros tantos –, a Biblioteca Nacional, além do Programa das Cidades Históricas (da Secretaria de Planejamento da Presidência da República), e do próprio Centro Nacional de Referência Cultural passaram a compor a fundação, assim como toda a operação executiva das ações do Iphan. O segundo passo estruturante dessa questão foi a criação de uma secretaria da cultura.

“E assim, de baixo para cima, como era de seu estilo, foi sendo desenhada a Secretaria de Cultura do MEC, criada de fato em 1981”, escreveu Cecília Londres, em texto publicado no livro A Herança do Olhar: o Design de Aloisio Magalhães (Ed. Senac/RJ, 2003).

A partir do CNRC, do Iphan e da Secretaria de Cultura, Aloisio Magalhães trabalhou preservação e incentivo à produção da cultura tanto em esferas práticas como políticas e administrativas. Teve ainda atuação decisiva ao propor as primeiras inscrições brasileiras (Ouro Preto, São Miguel das Missões e Olinda) na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco. 

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Idealização da Fundação Pró-Memória

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Logotipo do CNRC

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Políticas culturais na atualidade