Estuário

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Abril Pro Rock

Cenas da primeira edição do Abril Pro Rock, 1993. | Imagens: Aninha de Fátima e Marcos Toledo

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Chico

imagem: Gil Vicente

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Josué de Castro

Médico, cientista social, escritor e professor, Josué de Castro foi um dos pensadores de grande influência no Brasil do século passado. Segundo ele, o mangue no Recife havia sido a Sorbonne para entender a fome e a luta de sobrevivência do homem.

A obra desse pernambucano foi uma das grandes referências teóricas para a construção do Movimento Mangue. Os trabalhos Geografia da Fome e Homens e Caranguejos ecoam fortemente nos textos do movimento escritos por Fred Zero Quatro e Renato L. no início dos anos 1990. As leituras de Josué de Castro marcam a poética construída por Science – não apenas em suas letras mas também na estética visual da banda, e até mesmo na expressão gestual que Chico trazia para o palco, fotos, vídeos. Ele representava o homem caranguejo ou o caranguejo com cérebro.

Os trechos selecionados e exibidos nesta galeria integram os livros Geografia da Fome, publicado em 1946, e Homens e Caranguejos, lançado em 1967.

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fenômeno da fome

O assunto deste livro é bastante delicado e perigoso. A tal ponto delicado e perigoso que se constitui num dos tabus de nossa civilização. É realmente estranho, chocante, mesmo a observação, o fato de que, num mundo como o nosso, caracterizado por tão excessiva capacidade de se escrever e de se publicar, haja até hoje tão pouca coisa escrita acerca do fenômeno da fome, em suas diferentes manifestações.


Geografia da Fome, pag 11
Josué de Castro

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Caranguejo no surdo

imagem: Kleber Mendonça Filho

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fenômeno da alimentação

Nenhum fenômeno se presta mais para ponto de referência no estudo ecológico destas correlações entre os grupos humanos e os quadros regionais que eles ocupam, do que o fenômeno da alimentação – o estudo dos recursos naturais que o meio fornece para subsistência das populações locais e o estudo dos processos através dos quais estas populações se organizam para satisfazer as suas necessidades fundamentais em alimentos. 


Geografia da Fome, pag 16
Josué de Castro

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tucupi, tacacá e arubê

O consumo habitual dos molhos apimentados, dos sucos de ervas fermentadas e misturadas com pimenta, como o tucupi, o tacacá e o arubê, molhos que constituem o sal e o tempero comum do peixe, da caça e dos bolos de mandioca da Amazônia, afasta estas populações dos perigos das carências completas em vitamina C. 


Geografia da Fome, pag 77
Josué de Castro

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Pernas

imagem: Gil Vicente

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Fábio Trummer – De Andada

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Ação do colonizador

…região de floresta tropical, teve o Nordeste a vida do seu solo, de suas águas, de suas plantas e do seu próprio clima, tudo mudado pela ação desequilibrante e intempestiva do colonizador, quase cego às consequências de seus atos, pela paixão desvairada que dele se apoderou, de plantar sempre mais cana e de produzir sempre mais açúcar. 


Geografia da Fome, pag 95
Josué de Castro

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pastoreadores de peixe

Destas populações fazem parte os famosos jangadeiros do Nordeste, pescadores que passam a maior parte do seu tempo em alto-mar, mantendo nas praias simples tendas de folhas de coqueiro que lembram as dos nômades pastores da Ásia, mostrando, através desse característico geográfico, tratar-se também de um povo nômade, de um tipo muito especial de nomadismo – de nômades marinhos, pastoreadores de peixe. 

Geografia da Fome, pag 133
Josué de Castro

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Mangue

imagem: Gil Vicente

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árvores frutíferas

Enquanto nas terras litorâneas as árvores frutíferas são quase silvestres (o caju nasce espontaneamente, formando matas, e o caoco se estende pelas praias com seus frutos e sementes carregados pelas marés e correntes marinhas), na zona dos canaviais essas árvores são concentradas nos pequenos pomares, ao lado das casas-grandes. Pomares ridiculamente insuficientes, quase que decorativos, servindo só para inglês ver, ou quando muito para proveito exclusivo dos senhores ricos, interditados por todos os meios, antigamente, aos escravos das senzalas e hoje aos moradores das redondezas. 

Geografia da Fome, pag 135
Josué de Castro

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exclusivo regalo

Afirmando e fazendo crer aos negros escravos, e depois aos moradores de suas terras, que não se deve misturar nenhuma fruta com álcool, que melancia comida no mato logo depois de colhida dá febre, que manga com leite é veneno, que laranja só deve ser comida de manhãzinha, que fruta pouco madura dá cólica, que cana verde dá corrimento, os senhores e os patrões diminuíram ao extremo as possibilidades de que os pobres se aventurassem a tocar nas suas frutas egoisticamente poupadas para seu exclusivo regalo. 

Geografia da Fome, pag 137
Josué de Castro

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Movimento Mangue

imagem: Maria F. Moreno/ Acervo Paulo André

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Otto – De Andada

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Salários miseráveis

Este regime agrícola monocultor e latifundiário arrasta as populações locais a um nível de vida terrivelmente baixo. Os salários do cacau sempre foram miseráveis, e sempre foram pagos, na maior parte, sob a forma de gêneros alimentícios de segunda classe, os preços duas vezes mais altos do que nas cidades desta zona; o charque, a farinha e o feijão vendidos pelos empreiteiros com escandalosas margens de lucro. 


Geografia da Fome, pag 153
Josué de Castro

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retirantes

São sombrias caravanas de espectros caminhando centenas de léguas em busca das serras e dos brejos, das terras da promissão. Com seus alforjes quase vazios, contendo quando muito um punhado de farinha, um pedaço de rapadura; a rede e a filharada miúda grudada às costas, o sertanejo dispara através da vastidão dos tabuleiros e chapadões descampados, disposto a todos os martírios. Sem recursos de nenhuma espécie, atravessando zona de penúria absoluta, gastando na áspera caminhada o resto de suas energias comburidas, os retirantes acentuam no seu êxodo as consequências funestas desta fome. Vê-los é ver, em todas as suas pungentes manifestações, o drama fisiológico da inanição. 


Homens e Caranguejos, pag 210
Josué de Castro

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Chico

imagem: Maria F. Moreno/ Acervo Paulo André

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caranguejo

…a lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a maré traz, quando ainda não é caranguejo, vai ser. O caranguejo nasce nela e vive nela. E o homem que aí vive se alimenta dessa lama em forma do caranguejo. 


Homens e Caranguejos, pag 224
Josué de Castro

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Fome

Não é somente agindo sobre o corpo dos flagelados, roendo-lhes as vísceras e abrindo chagas e buracos em sua pele, que a fome aniquila a vida dos sertanejos, mas também atuando sobre o seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta social. Nenhuma calamidade é capaz de desagregar tão profundamente e num sentido tão nocivo a personalidade humana como a fome quando alcança os limites da verdadeira inanição. 


Homens e Caranguejos, pag 225
Josué de Castro

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Chico e percussão

imagem: Maria F. Moreno/ Acervo Paulo André

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Jorge du Peixe – De Andada

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luta contra a fome

A luta contra a fome no Nordeste não deve, pois, ser encarada em termos simplistas de luta contra a seca, muito menos de luta contra os efeitos da seca. Mas de luta contra o subdesenvolvimento em todo o seu complexo regional, expressão da monocultura e do latifúndio, do feudalismo agrário e da subcapitalização na exploração dos recursos naturais da região. 


Homens e Caranguejos, pag 243
Josué de Castro

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passado histórico

A fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários setores de nossas atividades, é consequência, antes de tudo, de seu passado histórico, com seus grupos humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. 


Homens e Caranguejos, pag 266
Josué de Castro

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Fred Zeroquatro – De Andada

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“Cidades inchadas”

O que alguns sociólogos chamam de “cidades inchadas”, como a do Recife, com 200 mil marginais improdutivos, oriundos do interior, é uma demonstração evidente de que, longe de se atenuar, se vai agravando no Brasil nos últimos tempos o desequilíbrio entre a cidade e o campo. 


Homens e Caranguejos, pag 282
Josué de Castro

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Libertação da fome

Nenhum plano de desenvolvimento é válido, se não conduzir em prazo razoável à melhoria das condições de alimentação do povo, para que, livre do peso esmagador da fome, possa este povo produzir em níveis que conduzam ao verdadeiro desenvolvimento econômico equilibrado, daí a importância da meta ”alimentos para o povo“, ou seja, ”a libertação da fome”. 


Homens e Caranguejos, pag 291
Josué de Castro