Passo a passo

uma constelação de trabalhos de artistas que orbitam ao redor do homenageado complementa a mostra

Com mais de 400 peças, o trabalho de Bispo do Rosario predomina nos três andares do espaço expositivo do Itaú Cultural. Em cada piso, no entanto, tem obras de artistas que, de algum modo, se inspiraram ou foram impactados e influenciados por ele em um diálogo com o seu modo de revelar o mundo

Acompanhe um resumo de cada andar:

1º piso

A expografia de Bispo do Rosário - Eu vim: aparição, impregnação e impacto  alude à maneira como Bispo ocupou o espaço em que viveu, produziu e organizou seus objetos, em sua cela na Colônia Juliano Moreira. Dessa forma, apresentamos o seu trabalho como um só, encontrando inspiração no seu modo de exibir, sem hierarquias.  

A sua obra está no gesto de selecionar coisas que, retiradas de seu lugar no cotidiano do hospício, nas casas da cidade ou do campo, ganham outros sentidos quando levadas às “vitrines”, painéis organizados metodicamente. São itens os mais simples para o sustento da vida os que constituem a obra de Bispo e que, reordenados, formam um monumento à memória, um inventário dos utensílios, das vestes e dos dizeres do mundo. 

A obra
Bispo do Rosario, vivendo em uma cela de manicômio, nos devolveu o mundo recontado por ele através dos objetos que coletou, trocou, produziu e organizou. Vitrines, estandartes, vestimentas, faixas, fichários, utensílios revestidos com fio azul e suas muitas embarcações compõem um arquivo de coisas e palavras inventadas pela (e para a) humanidade e a ela novamente apresentadas. Uma obra endereçada ao fim do mundo, produzida no interior das estruturas pelas quais operou um dos mecanismos mais aniquiladores do programa racista moderno: um hospício. Ele construía essa cosmologia com os materiais que tinha em mãos, conferindo uma estética outra para essa obra caracterizada pela pobreza e pela efemeridade dos materiais, apesar da riqueza dos sentidos. 

Em exposição
Neste espaço, o predomínio de obras é do próprio Bispo do Rosario. O andar contém mais de 200 das 404 peças que permeiam toda a exposição. Mas há lugar para outros trabalhos que dialogam diretamente com o deste singular artista.  

Entre elas, a instalação Vou pedir a louvação para quem deve ser louvado, de Jaime Laureano (2022), duas obras de Rosana Paulino, destaque para Atlântico Vermelho (2016), três de Maxwell Alexandre como a pintura Éramos as cinzas da série Pardo é Papel (2018), que abre a exposição juntamente com a escultura A Negra, de Carmela Gross (1997).

Para mencionar outros trabalhos ali presentes: Viajando no Universo na instalação de meteoros, instalação aérea com linhas e varetas de bambu de dimensões variáveis, de Luiz Carlos Marques, artista integrante do ateliê Gaia, mantido pelo Museu Bispo do Rosario, realizada neste ano. Fernanda Magalhães apresenta a série Natureza da Vida, um registro de performance feita na Colônia Juliano Moreira em 2016.  

Há, também, uma série de retratos do Bispo realizados pelo fotógrafo Jean Manzon e publicadas em ensaio na Revista Cruzeiro, de 1942. E, ainda, fotos do artista feitas em 1982 por Hugo Denizart, autor do filme Prisioneiro da Passagem, dirigido por ele no mesmo ano, com fotografia de John Howard Szerman e exibido na mostra.  

Dos audiovisuais, vale destacar, ainda, Eu Preciso Destas Palavras Escrita, no qual o ator Luciano Quirino interpreta o Bispo, sob a direção da cineasta, antropóloga, artista visual e curadora independente Milena Manfredini e da diretora do Museu Bispo do Rosario Raquel Fernandes, com direção de fotografia de Vinícius Brum. Também, a performance Tresformance de Arlindo Oliveira, integrante do Atelier Gaia no Museu, registrada em 2017 por Margarete Araujo, gerente de Saúde também nesta instituição.

1º subsolo - as instituições

Colônia Juliano Moreira
Na primeira década do século XX, psiquiatras do Rio de Janeiro defendiam a criação de uma colônia agrícola que substituísse as duas da Ilha do Governador, então com superlotação. Numa antiga fazenda em Jacarepaguá, encontrou-se uma região para a sua instalação. Ali, a Colônia de Psicopatas foi inaugurada em 1924 e, em 1935, passou a chamar-se Colônia Juliano Moreira, recebendo pacientes do sexo feminino e masculino adquirindo a função de tratar casos crônicos. Na década de 1940, cresceram as oficinas oferecidas no contexto da praxiterapia (tratamento por meio do trabalho), movimento que propiciou a criação de um espaço dedicado às práticas do desenho e da pintura, denominado Colmeia de Pintores.

Hospital do Juquery
Inspirado nas ideias do Congresso internacional de alienistas de Paris, em 1889, o diretor do Hospício de Alienados de São Paulo, Francisco Franco da Rocha, defendia a criação de uma instituição psiquiátrica do tipo colônia agrícola na várzea do Rio Juquery, a pouco mais de 30 quilômetros da capital. Sua ideia levou à construção, em 1898, do Hospício do Juquery.  

Na década de 1920, ali foi criado o Serviço de Ergoterapia, no qual foram introduzidas diversas atividades (mecânica, elétrica, obras, pintura, marcenaria, sapataria etc.). As oficinas artísticas eram consideradas auxiliares no tratamento das doenças mentais, abrindo espaço para a pesquisa que o psiquiatra Osório César desenvolveu a partir de 1924.  O Hospital do Juquery chegou a internar mais de 15 mil pessoas na década de 1970.

Hospital Psiquiátrico Pedro II
Em 1911, devido à superlotação na assistência psiquiátrica da capital federal, então Rio de Janeiro, foi criada a Colônia de Alienadas, no bairro de Engenho de Dentro, destinada a receber o excedente de mulheres do Hospício Nacional de Alienados. Nos seus primeiros anos, a instituição já havia introduzido na sua rotina ofícios voltados para a agricultura, a avicultura, a colchoaria e a cozinha. Em 1938, a colônia passou a ser chamada de Centro Psiquiátrico Nacional, recebendo pacientes agudos, homens e mulheres. Na década de 1940, tornou-se o Centro Psiquiátrico Pedro II. Nesse período, Nise da Silveira recuperou seu cargo de psiquiatra no serviço público – após ter sido perseguida pela política do governo Vargas. Em 1946, ela assumiu a coordenação da Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação. Entre os 17 núcleos de atividades terapêuticas implementados, o ateliê de pintura e modelagem ganhou destaque, mudando a história da psiquiatria.

Hospital Psiquiátrico São Pedro
Inaugurado em 1884 com o nome de Hospício São Pedro, em Porto Alegre, era conhecido como “o fim da linha do bonde”, explicitando de maneira simbólica o destino das pessoas ali aprisionadas. Em 1925, passou a chamar-se Hospital São Pedro e, em 1961, Hospital Psiquiátrico São Pedro. O lugar desenvolveu, na década de 1930, o tratamento por meio do trabalho, com a criação de uma colônia agrícola para os internos crônicos, e, na década de 1950, inaugurou o seu Serviço de Terapêutica Ocupacional, no qual teriam sido implementadas as primeiras atividades artísticas. Estas foram ampliadas a partir de 1960, por meio da Campanha de Reabilitação de Pacientes Crônicos.

Em exposição
Outras quase 200 peças do Bispo estão entre as cerca de 300 obras que ocupam este piso com trabalhos de outros artistas impactados por sua produção. Entre eles, Djanira com a obra Mina de Ferro, de Itabira (MG), 1976. Retratos feitos por Maria Leontina de Marcelo Grassmann, na década de 1940, Maria Eugênia Franco, em 1947, Os Episódios VI, de 1959, ou Estandarte, da década de 1980. De Flávio de Carvalho tem obras como um nanquim sobre papel, chamado Procissão, sem data. De Abraham Palatnik tem Objeto Cinético, 1990-1999, e outras obras. Encontra-se, ainda, os trabalhos Espaço Branco e Gesto II, de Regina Silveira, datados de 1966, de quem também estão outras peças como uma série de xilogravuras de As Loucas e As Velhas, de 1962. Há outro conjunto de Geraldo de Barros, como Tatuapé, de 1948, e Cemitério do Tatuapé, de 1949. Ainda, Hiroshima, de Ivan Serpa 1965 e outras obras deste e outros artistas.

Aqui também são apresentadas obras de artistas que foram internos nessas instituições, como Edgar Koetz, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, de quem são exibidas diversas obras da série Alienados, em nanquim sobre papel, de 1961. Encontram-se ainda obras de Aurora Cursino e de Ubirajara Ferreira Braga, como o guache sobre papel A procissão, de 1995, ou Fila para o Almoço - Juqueri, de 1993. Outras vêm do Museu do Inconsciente Nise da Silveira – Engenho de Dentro, como uma série de fotografias de Geraldo Lucio Aragão e guaches de Isaac Liberato, só para mencionar algumas.

2º subsolo - O impacto e a impregnação na arte contemporânea

A apresentação da obra de Bispo do Rosario fora do contexto psiquiátrico lançou novas questões para a arte. Fala-se de um “efeito Bispo”. Não se trata de estabelecer uma relação de influência, mas de observar como o seu trabalho reverbera na produção de artistas contemporâneos. Esse impacto é ainda mais profundo se pensarmos em Arlindo Oliveira, Clovis Aparecido, Leonardo Lobão, Luiz Carlos Marques, Patricia Ruth, Pedro Mota e Rogéria Barbosa, integrantes do Atelier Gaia – coletivo de artistas vinculados ao Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea (mBrac), que percebem na arte um caminho de vida, inserção social, alívio psíquico, elaboração e denúncia dos traumas sofridos pela violência institucional. A obra de Bispo, portanto, não é apenas uma criação; ela é também criadora.

Atelier Gaia
O Atelier Gaia é um espaço de arte, formação, convivência e saúde vinculado ao Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro. É integrado pelos artistas André Bastos (in memoriam), Arlindo Oliveira, Clovis Aparecido, Gilmar Ferreira, Leonardo Lobão, Luiz Carlos Marques, Patrícia Ruth, Pedro Mota, Rogéria Barbosa, Sebastião Swayzzer e Victor Alexandre Rodrigues. Criado em 1992, hoje constitui-se em um programa de arte e cuidado, respeitando a autonomia de seus participantes e estimulando a gestão coletiva e o envolvimento dos artistas nos projetos curatoriais do museu.

A experiência moderna de arte nos manicômios
Em 1939, Arthur Bispo do Rosario foi transferido do Hospício Nacional de Alienados, na Praia Vermelha (Urca), para a Colônia Juliano Moreira (CJM), em Jacarepaguá, ambos no Rio de Janeiro. Ali, a assistência psiquiátrica, que tinha como base a reclusão e o trabalho, passou a incluir o uso de psicofármacos, eletrochoques, injeções de insulina, contenção, encarceramento e até lobotomia. Tais procedimentos, defendidos como “modernização” do tratamento, foram fortemente combatidos pela psiquiatra Nise da Silveira, que atuava em outra instituição carioca, o Centro Psiquiátrico Pedro II – onde, em 1946, ela criou, com o auxílio do artista Almir Mavignier, um ateliê de pintura e modelagem. O espaço tinha na linguagem da arte uma ferramenta para a prática do cuidado. Pertencente à Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, o ateliê deu origem, em 1952, ao Museu de Imagens do Inconsciente.

Ainda que consideradas menos importantes, as oficinas de artes produziram interesse no campo da psiquiatria. Desde o final dos anos 1920, o médico e crítico de arte Osório César já estimulava a prática artística entre pacientes, entre eles Aurora Cursino, da Colônia de Juquery, em Franco da Rocha (SP). Por sua vez, as oficinas de artes em instituições psiquiátricas também despertaram atenção no campo artístico, atraindo nomes como Tarsila do Amaral, Flavio de Carvalho, Lasar Segall e Maria Leontina. Em 1933, Osório César, junto com Flávio de Carvalho, organizou a exposição Mês das Crianças e dos Loucos, no Clube de Artistas Modernos; em 1948, ele inaugurou a I exposição de arte do Hospital do Juquery, no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Foram gestos precursores. 

Tão impactante para os rumos da arte brasileira quanto o contato com a Unidade Tripartida de Max Bill, na 1a bienal de São Paulo, em 1951, foi o encontro entre Almir Mavignier, Ivan Serpa, Abraham Palatnik, Djanira, Geraldo de Barros, Mário Pedrosa e Leon Degand com Adelina Gomes, Arthur Amora, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros, Fernando Diniz, Geraldo Lucio, Isaac Liberato e Raphael Domingues, entre outros nomes, no Centro Psiquiátrico Pedro II.

Já na Colônia Juliano Moreira, a prática artística convivia com os tratamentos desumanos. Apesar de pouquíssimos internos frequentarem as oficinas de arte, elas funcionaram como uma espécie de fachada, produzindo uma “boa imagem” da instituição. Ainda assim, artistas como Melania José da Silva e Antônio Bragança desafiaram os modelos instituídos. Não há registro de que Bispo do Rosario tenha frequentado as oficinas realizadas tanto na Colônia quanto no hospital do Engenho de Dentro no período em que esteve internado naquela instituição.

No Rio Grande do Sul, entre 1962 e 1964, a artista Regina Silveira foi convidada pelo psiquiatra Isaac Pechansky a implementar as oficinas de arte no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. No mesmo hospício, em 1964, Edgar Koetz, artista de reconhecida trajetória, foi internado e, nesse contexto, produziu uma série de retratos dos pacientes internados naquele manicômio. Apresentamos algumas das pinturas e gravuras produzidas pelos artistas nesse período, cuja intensidade da experiência se revela em suas formas. 

Com a abertura política pós ditadura civil-militar, a luta antimanicomial ganhou o país, construindo as bases para a reforma psiquiátrica. O movimento conclamava a urgência de derrubar os muros e reaver a cidadania e o direito à vida dos internos em sociedade. As ações culturais tornaram-se estratégicas para transformar o imaginário social sobre a loucura. Podemos relacionar esse momento à criação de museus que abrigaram as coleções de artes produzidas nas instituições psiquiátricas, entre eles o Museu Nise da Silveira, criado em 1982 na CJM e que, em 2001, passou a se chamar Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea (mBrac), e o Museu de Arte Osório César (Maoc), criado em 1985 no Juquery. No final de 1980, um ateliê de artes ministrado por arte-educadores e artistas, entre eles Mônica Nador, foi organizado no Maoc para visitantes e pacientes do Juquery, como Ubirajara Ferreira Braga e Maria Aparecida Dias.

Em exposição
Neste andar, as obras de Bispo dialogam com as de outros artistas, como Leonilson, que foi influenciado diretamente por ele, além de Paulo Nazareth, Maria Aparecida Dias, Maxwell Alexandre, Rosana Palazyan, Rick Rodrigues, Sônia Gomes e Pedro Moraleida. Carmela Gross volta a aparecer neste piso com CABEÇAS, de 2021, formada por 42 colagens em nanquim sobre papel e dimensões variáveis. Do próprio Bispo há uma diversidade de peças, como Sem título [Partida de xadrez com Rosangela], sem data. Vale contar aqui que Rosangela Maria foi uma estagiária de psicologia que trabalhou na Colônia e foi amiga dele e a quem ele dedicou algumas de suas peças fundamentais como Cama Romeu & Julieta e a Cadeira.

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De 18 de maio a 02 de outubro de 2022

Terça-feira a sábado, das 11h às 20h Domingos e feriados das 11h às 19h

Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149 – próximo à estação de metrô Brigadeiro / Pisos 1º, 1ºS e 2ºS

Ingressos: gratuitos 

Informações: pelo telefone (11) 2168-1777
Atualmente, esse número funciona de segunda-feira a domingo, das 10h às 18h.
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br

Concepção e realização
Itaú Cultural e Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea  
Curadoria: Ricardo Resende
Cocuradoria: Diana Kolker
Projeto expográfico: Carmela Rocha, Paula Thyse e Sofia Gava  

Seminário
Seminário Cultura, saúde mental e bem-estar 
De 24 a 26 de maio
Das 10h às 11h30
Tradução: inglês/português no dia 25
Libras nos três dias  
Transmissão: página do YouTube do Itaú Cultural
O evento é um desdobramento das reflexões publicadas na Revista do Observatório 31

Protocolos
Seguindo os protocolos sanitários vigentes, o uso de máscara nos espaços internos do Itaú Cultural passa a ser opcional. Contudo, visando a segurança e a saúde de público e funcionários, recomendamos o uso da máscara cobrindo boca e nariz durante toda a permanência nos ambientes internos do prédio. 

Será necessário apresentar comprovante de vacinação para ingressar na sede do IC:   
• Serão válidos o comprovante físico ou o digital (disponível nos aplicativos fornecidos pelos governos federal, estadual e/ou municipal); 
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