Carlos Zilio produziu um importante conjunto de desenhos e pinturas de caráter diagramático entre 1974 e 1975 – à primeira vista, arranjos formais de figuras de contornos pretos sobre fundo branco, tributárias de algum interesse pela geometria, pela matemática ou pela história das vanguardas construtivas. Algumas poucas palavras pequenas, escritas em letras maiúsculas e posicionadas próximo às bordas das composições, abrem a possibilidade de perceber essas formas como gráficos informacionais. A correspondência entre palavras e símbolos pode ser decifrada como uma equação simples ou como um código condensado das experiências vividas por Zilio e tantos cidadãos na ditadura militar, contexto em que ideias como cerco, morte, libertação e medo ganharam outra concretude e especificidade.
No final da década de 1970, Carlos Zilio se viu exaurido pelo convívio com a vigilância do regime militar e aproveitou sua participação na X Bienal de Paris (1977) para preparar uma estada estendida na capital francesa. Ali, ingressou no doutorado em arte da Universidade de Paris VIII, iniciando sua preparação para o ofício de professor.
Enquanto vivia em Paris, sem grandes recursos ou espaços para produção, Zilio preencheu cadernos com anotações, esboços e reflexões que testemunham seus caminhos futuros. Realizou também o livro de artista Impasse do astrolábio (1978), que reúne fotografias de objetos cotidianos com legendas que fazem as vezes de título e comentário. A operação de recorte e desvio do prosaico pela linguagem escrita já era familiar ao artista, mas aqui ela se libera da refração das tensões sociais e comenta o repertório da história da arte, com fabulação e humor.
Com o acirramento da ditadura após a promulgação do Ato Institucional no 5 (AI-5), em 1968, Carlos Zilio e alguns de seus colegas do movimento estudantil optaram por viver na clandestinidade, integrando movimentos revolucionários dedicados à guerrilha urbana. Zilio participou de uma operação de agitação e propaganda com operários em março de 1970; na saída, seu grupo foi perseguido por policiais. Em fuga, ele foi baleado três vezes e, cercado, rendeu-se. Foi submetido a cirurgia, movido sob custódia e, convalescente, foi interrogado, ficando preso por dois anos e quatro meses, a maior parte do tempo em quartéis da Vila Militar do Rio de Janeiro. Ainda hospitalizado, solicitou material para desenhar e conseguiu uma caixinha de giz de cera e um caderno escolar de desenho. Mais tarde, no cárcere, teve acesso a canetas porosas, guache e folhas avulsas. Começou, assim, a se reconectar com a arte, criando uma obra que é, em si, uma espécie de ápice e de ponto de ruptura do projeto estético de sua geração.
Os desenhos de prisão de Zilio têm cores e composições de forte tratamento gráfico e uma mensagem de denúncia evidente. Ao mesmo tempo, formam um diário de cárcere, que relata o momento em que o artista foi baleado, o fichamento no quartel militar, o isolamento na cela, a perda da noção da passagem do tempo, o medo da morte e assim por diante. Trata-se, portanto, de um trabalho potente em sua fatura e linguagem, mas também melancólico, na medida em que era produzido sem nenhum horizonte de que poderia ser compartilhado como obra de arte. Criava-se uma obra-grito cuja escuta estava interditada.
Com a saída da prisão em 1972, Carlos Zilio decidiu retomar sua produção e o contato com outros artistas e críticos. Ele passou parte significativa da década de 1970 tateando essa possibilidade, tanto no nível da pesquisa de linguagens visuais quanto na esfera da interlocução e do debate no sistema artístico. A sua obra condensou seu repertório de signos visuais, armando equações austeras entre palavras, sinais gráficos e símbolos esquemáticos para relatar a brutalidade do regime de exceção da ditadura e apontar fissuras, contradições e arbitrariedades no campo social de sua época. Tem-se, nesse sentido, uma produção diversa, em que o artista oscila entre abordagens e materiais em uma busca por exprimir algo que não podia ser enunciado diretamente em um estado vigiado.
Em 1982, Carlos Zilio publicou A querela do Brasil: a questão da identidade na arte brasileira, livro baseado em sua tese de doutorado, de 1980. A pesquisa revisa aspectos da história do Modernismo europeu e da discussão crítica da formação das artes visuais modernas no Brasil – esta que sublinha sua retórica de identidade nacional e confronta suas inovações estilísticas e temáticas com a fragilidade de sua posição política e social e a incompletude de seu projeto estético.
Esse trabalho foi decisivo para a atuação de Zilio como professor, primeiro na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e, depois, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ). Também foi um escrito que ressoou em sua pintura realizada na década de 1980, com telas em igual medida mentais, visuais e lúdicas. Informado por sua crítica às concessões e aos compromissos da primeira geração de modernistas brasileiros, atento aos gestos mais radicais (e mais idiossincráticos) de nomes como Paul Cézanne, Henri Matisse e Barnet Newman, Zilio colocou as promessas de identidade e autenticidade da arte em xeque, tratando a pintura como uma forma de ensaio.
Abertura: 19h30 de 25 de março (terça-feira)
Visitação: até 6 de julho de 2025
Terça-feira a sábado, das 11h às 20h
Domingos e feriados das 11h às 19h
Pisos 1, -1 e -2
Concepção e realização: Itaú Cultural
Curadoria: Paulo Miyada
Projeto expográfico: Fernanda Bárbara – Escritório UNA barbara e valentim
Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149 – próximo à estação de metrô Brigadeiro
Entrada: gratuita
Espaços acessíveis: o prédio do Itaú Cultural apresenta facilidades para pessoas com deficiência física
Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108. Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.
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