Este boletim apresenta uma análise da evolução das empresas criativas entre os anos de 2010 e 2020 baseada no Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Não foi possível efetuar a análise do ano de 2021 em razão de as fontes de dados utilizadas apresentarem uma defasagem temporal em sua publicação. Assim, os dados específicos mais recentes do total de empresas são de 2020, enquanto os dados disponíveis de receita bruta e lucro bruto mais recentes são de 2019.  O universo aqui analisado é composto de um conjunto de empresas cuja composição de trabalhadores é majoritariamente formada por criativos. Essas empresas desenvolvem atividades econômicas identificadas por 18 códigos Cnae e foram agrupadas em dez setores: arquitetura; artes cênicas e artes visuais; atividades artesanais; cinema, música, fotografia, rádio e TV; design; editorial; moda; museu e patrimônio; publicidade e serviços empresariais; e tecnologia da informação.

De uma maneira geral, a pandemia de COVID-19 afetou o setor cultural e criativo de maneira bastante consistente. Estima-se que na América Latina, a redução na quantidade de vendas de para algumas empresas tenham chegado a 80%. Com exceção da China - dados de diversos países indicam quedas de receita entre 20% e 40% para o setor criativo. Especificamente,  -38% na África do Sul, -30% no Reino Unido, - 23% na Alemanha e -27% nos Estados Unidos. No caso brasileiro, o impacto não pode ainda ser totalmente compreendido, devido aos dados de receita bruta e lucro bruto ainda não estarem disponíveis para 2020; contudo, o panorama apresentado a seguir confirma tendências não muito positivas para alguns setores quando analisamos o total de empresas.

As empresas criativas e o contexto econômico mais amplo

O total de empresas criativas em relação ao  total de empresas do Brasil no período de 2010 a 2020 se manteve em torno de 4%. A diferença de participação vem caindo desde 2013 e chegou ao seu menor patamar em 2020, cerca de 3,6%. A tendência de queda parece ter sido consolidada, com a média nacional de total de empresas decaindo em -1% por ano, enquanto a dos setores culturais e criativos decrescendo em torno de -3% ao ano.  A diferença entre a média nacional e a dos setores culturais e criativos já se tornou um fator importante, considerando seu impacto no longo prazo.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Conforme apontado pelo Boletim do Painel de dados sobre empresas criativas 2010-2019 publicado pelo Observatório Itaú Cultural, as empresas criativas têm acompanhado o crescimento do total de empresas de maneira mais alinhada, porém, o ritmo de queda de empresas do setor criativo é mais acentuado que o do total de empresas. Nesse sentido, ao analisarmos a série histórica, 2020 apresenta um valor inferior de empresas criativas em relação a 2010, enquanto o total de empresas do Brasil em 2019 está próximo ao total de 2013. A curva de queda das empresas criativas, conforme ressaltado, se tornou mais acentuada desde 2014.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Como podemos perceber, essa tendência de maior queda em relação ao total de empresas tem colocado as empresas criativas em uma situação de permanente declínio, mesmo quando há sinais de recuperação econômica, como em 2013. Podemos constatar isso a partir da taxa de natalidade e de mortalidade das empresas. Enquanto o total delas teve uma taxa positiva, mesmo que de maneira desacelerada até 2016, as empresas criativas já apresentavam uma taxa negativa já a partir de 2014. A pandemia parece ter acentuado uma eventual recuperação colocando a taxa de mortalidade no mesmo nível de 2016.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Um aspecto interessante é que, ao analisarmos o lucro bruto e a receita bruta das empresas criativas no período, percebemos que há manutenção de uma tendência de aumento, apesar da diminuição do total de empresas. Essa tendência parece ter se revertido somente em 2016, com queda do lucro e receita bruta e em 2019. É possível que seja ainda mais acentuada em 2020 e 2021, quando o impacto da pandemia foi maior no setor. Apesar disso, o percentual de receita bruta das empresas criativas em relação ao total de empresas do Brasil permaneceu relativamente constante desde 2010, cerca de 2%.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Valores corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Uma possível explicação para essa pouca variação nas taxas de receita e de lucro, apesar da queda constante no número de empresas criativas a partir de 2014, é que o setor tem uma composição predominante de empresas de micro (receita bruta anual igual ou inferior a R$ 360.000,00) e pequeno (receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00) portes. Em 2020, um fenômeno que começa a se apresentar, contudo, são taxas negativas de natalidade dessas micro e pequenas empresas -3,5% e -5,3%, respectivamente, em contraposição a um aumento das médias e grandes, 3,5% e 12,4%, respectivamente.  Essa concentração industrial em empresas de maior porte parece ser uma tendência acentuada pela pandemia, em que empresas menores não conseguem manter seu fluxo de caixa. Ao analisarmos a variação acumulada entre 2010 e 2020, temos uma variação de -4% no total de empresas de porte micro, -12% nas pequenas, -4% nas médias e um crescimento de 24% nas grandes.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Distribuição setorial e regional

Ao analisarmos o recorte por setor, especificamente aqueles mais ligados à cultura (atividades artesanais; artes cênicas e artes visuais; cinema, música, fotografia, rádio e TV; e museus e patrimônio), tendo como base os anos de 2010, 2019 e 2020, percebemos que houve uma queda em 2020 relativa tanto a 2010, quanto a 2019. O setor que apresentou maior queda, tanto em termos absolutos, quanto em termos percentuais, foi o Artesanato, com uma queda de -3,2% (- 295 empresas) em relação a 2019 e -16% (- 1.633 empresas) em relação a 2010. Quando abrimos a análise para verificar quais as subclasses de Cnae (ou seja, das atividades econômicas específicas sendo desenvolvidas pelas empresas) dentro do agrupamento Artesanato que apresentam maior variação, percebemos que a subclasse atividades de transformação de madeira é a que tem maior queda – possivelmente indicando uma primarização no setor de madeira, focado na extração e exportação mais do que na transformação.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Enquanto isso, ao analisarmos os setores de caráter mais criativo, percebemos que em 2020 houve uma evidente diminuição no número de empresas dos setores de moda (-13.864 empresas em relação em relação a 2010 e – 2.435 em relação a 2019) e editorial (- 3.744 empresas em relação a 2010 e -762 em relação a 2019), o que representa uma variação total de -21% e -12% entre 2010 e 2020, respectivamente. Quando abrimos a análise para verificar quais as subclasses de Cnae dentro do agrupamento Moda que apresentam maior variação, percebemos que a queda se deve principalmente a subclasse de Confecção de Peças do Vestuário, Exceto Roupas íntimas e as Confeccionadas Sob Medida, responsável pela queda de – 8.157 empresas no período.  Essa queda é um reflexo  de uma tendência geral do setor que parece ter sido agravada pela pandemia de COVID-19, uma vez que a cadeia de produção de insumos básicos da indústria têxtil foi uma das primeiras e mais afetadas durante o início da pandemia.

Em relação ao setor editorial, como já explicitado em análise anterior, quando analisamos a perda em termos de subclasse da Cnae para o setor editorial, é possível notar que a hipótese do impacto da digitalização do setor é bastante plausível. Assim, a subclasse denominada Edição integrada à impressão de cadastros, listas e outros produtos gráficos teve uma queda de 1.919  empresas entre 2010 e 2020, cerca de 53% para essa atividade específica e quase 60% do total da queda para o setor editorial.

Ao mesmo tempo, contudo, setores mais ligados à tecnologia, como de tecnologia da informação, que apresentou crescimento considerável no período entre 2010 e 2020 +3.374 empresas ou +12%), apesar da pequena queda entre 2019 e 2020 (-762 empresas ou -2%). No mesmo sentido, o setor de publicidade e serviços empresariais foi o único a crescer quando comparamos os dois períodos, aumento de 7.347 empresas (+69%) entre 2010 e 2020, e aumento de 268 empresas entre 2019 e 2021. Quando abrimos a análise para verificar quais as subclasses de Cnae dentro do agrupamento Publicidade e serviços empresariais que apresentam maior variação, percebemos que o aumento se deve principalmente às subclasses de Marketing Direto (+ 1.854 empresas entre 2010 e 2020) e Promoção de Vendas (+5.905 empresas entre 2010 e 2020). Esse aumento dentro dessas subclasses específicas faz sentido considerando o movimento de aumento das redes sociais e das possibilidades de crescimento do setor nos últimos anos.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Com o mesmo recorte efetuado acima, dos setores mais culturais e dos mais criativos, ao analisarmos a receita bruta, com série temporal de 2010, 2018 e 2019, percebemos que os primeiros representam apenas cerca de 1/5 (20%) dos criativos, tanto em 2010 quanto em 2018 e 2019 (dados mais recentes disponíveis) – tendo perdido em termos absolutos entre os anos de análise e demonstrando uma possível tendência de queda percentual entre 2010 e 2019. Isso tem relação com a quantidade de empresas dos setores mais criativos, mas também com sua produtividade e capacidade de expansão.  

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Valores corrigidos pelo IPCA.

Ao analisarmos a composição específica, percebemos que, houve uma tendência de estabilização e até de recuperação no setor de cinema, música, fotografia, rádio e TV entre 2018 e 2019; assim como do setor de artes cênicas e artes visuais entre 2010 e 2019 O setor de Artesanato, apesar de apresentar situação melhor em 2019 em relação a 2018, ainda não se encontra nos mesmos patamares de 2010.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Valores corrigidos pelo IPCA.

Quando olhamos para os criativos, percebemos que a diminuição do setor editorial foi grande, de cerca de 50% entre 2010 e 2019, com uma leve recuperação de 2018 para 2019. Os dois setores mais pujantes – tecnologia da informação e publicidade e serviços empresariais – tiveram um aumento bastante considerável de receita, tanto na comparação 2018-2019, quanto na comparação 2010-2019. Nesse contexto, em termos absolutos, tecnologia de informação foi o setor que parece ter tido o maior crescimento, com uma variação positiva de 78% entre 2010 e 2019 e de 13% entre 2018 e 2019, o que pode ter mantido a receita bruta dentro da média para a economia criativa como um todo.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural. Valores corrigidos pelo IPCA.

Em relação à distribuição regional das empresas criativas, percebemos que também se mantém mais ou menos estável ao longo dos anos. Com 2010 e 2020 como referência, vemos que a distribuição tem variações muito pequenas, inferiores a 1%. Assim, proporcionalmente, a região Sudeste é a que apresenta o maior número de empresas criativas (cerca de 50%) e a região Norte o menor (entre 2,2% e 2,5%).

 Como já havia sido identificado, o ano em que houve mais empresas criativas no Brasil foi 2014. Em 2018, as regiões Norte, Nordeste e Sul ainda apresentavam um total de empresas criativas superior ao de 2010. De 2019 para 2020, todas as regiões tiveram perdas, mas somente Sudeste, Sul e Centro-Oeste estão em patamares inferiores aos de 2010.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.

Ao compararmos o lucro bruto e a receita bruta, percebemos uma manutenção da distribuição proporcional à quantidade de empresas em cada região. A variação dessa distribuição ao longo dos anos é também bastante estável, com variações sempre inferiores a 1%.

Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.