A menina

Nascida em 4 de março de 1925, Inezita Barroso se orgulhava de ter vindo ao mundo à noite, já ressaltando em si a boemia, uma das características que a afastariam do ideal de mulher da época, submetido a tradicionalismos. A paixão pela música caipira e folclórica começou na infância, nas férias que ela passava nas fazendas da família, no interior de São Paulo. Foi ali que começou a ter contato com as modas de viola, os causos e a cultura defendida por toda a vida.

Ainda criança, durante as aulas de piano, harpa, bandolim e violão das tias, Inezita sempre dava um jeito de se esconder atrás do sofá não só para ouvir atentamente as lições, mas também para surrupiar o violão assim que ele fosse deixado de lado e cantar. Filha de uma família tradicional paulista, foi a primeira a se arriscar na carreira artística.

Quando criança, Inezita não era o melhor exemplo de menina que segue as boas maneiras. Deixava as bonecas de lado e preferia as pipas, o futebol e as bolinhas de gude | foto: acervo pessoal

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Seção de vídeo

Lembranças da infância

Imagens cedidas pela Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) para a Ocupação Inezita Barroso

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Inezita Barroso, a vida [Capítulo: A menina]

Por Paulo Freire*

*Curador da Ocupação Inezita Barroso, Paulo Freire conta aqui a história de uma vida. Uma vida de 90 anos, muitas músicas e muitos “causos”. Dividida em seis capítulos (A menina, A família, A artista, A pesquisadora, Eta programa que eu gosto e Um legado), essa história se espalha pelas seções do site. Um passeio pela vida e pela obra daquela que é uma das artistas mais importantes da cultura popular brasileira. Seja bem-vindo: começa aqui essa linda viagem!

No dia 4 de março de 1925, no bairro da Barra Funda, na cidade de São Paulo (SP), nasceu Ignez Magdalena Aranha de Lima (“Para que tanto G?”, brincava Inezita), filha de Olyntho Ayres de Lima e Ignez Almeida Aranha. Era Carnaval, e no instante do nascimento passava na rua de sua casa o bloco que depois viria a se tornar a escola de samba Camisa Verde e Branco. Esse foi o primeiro som que Inezita escutou. E ela dizia que, a partir daí, nasceu também a sua paixão pela música.

De família tradicional paulistana, estudou piano desde criança. Quando viu sua tia tendo aulas de violão, encantou-se com o instrumento. Tocava escondida de todos, pois o violão não era considerado um instrumento “para meninas”. Nas férias, Inezita ia para as fazendas da família, no interior de São Paulo. Ali cresceu uma paixão maior: a menina começou a ter contato com a cultura caipira, a prosa do povo da roça, a música e a viola. Em uma entrevista para o produtor Aloísio Milani, Inezita falou sobre os seus dias na fazenda: “Eu fugia com meus primos para irmos ver os caipiras, os colonos tocarem. Inventava: vou com o Geraldo ver a vaca nova que chegou, dizem que é linda; vou lá e já volto. Já volto nada, eu ia para a roda de viola”.

Um mundo novo se oferecia. Nas fazendas ela via as diferentes manifestações populares, aprendia as modas de viola, cururus e catiras. Quando voltava para a capital, tocava em festas, reuniões da sociedade, fazia parte de alguns grupos de crianças tocando violão e cantando o repertório daquela época: Chico Alves, Orlando Silva, tangos e valsas.

Se tocar violão não era bem-visto pela sociedade, imagine pontear uma viola! Nem pensar… Apesar da resistência da família, quando a menina se apresentava, com sua bela voz e o repertório da cidade e do campo, todos se rendiam a ela.

Aos 10 anos, Inezita montou uma biblioteca na garagem de sua casa e começou a desenvolver outro grande fascínio: os livros. Encadernava os exemplares, emprestava para os amigos e lia para os primos. Mergulhou na obra de Monteiro Lobato.

Estudou na Escola Caetano de Campos, no centro de São Paulo. Ali mesmo cursou a Faculdade de Biblioteconomia. Fez um estágio na biblioteca da faculdade e começou a devorar as obras de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo. Tinha uma tia que era vizinha de Mário de Andrade. Desde menina Inezita se encantara com aquele homem alto, grande, moreno. Com o tempo, começou a ler todos os livros do escritor. Firmava-se em seu caráter uma consciência brasileira definitiva. Ela conta que tremia quando o via passar na rua. Leu e releu Macunaíma. E dizia: “É um livro encantador, envolvente, usa muito bem situações que fogem da lógica para representar cômica e seriamente a formação do Brasil. Macunaíma era o anti-herói. Um texto que rompia com a ideia de que as coisas possuem apenas lugares certos”.

Inezita inventou um lugar, um novo lugar para a mulher que vivia intensamente o século XX.

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Inezita aos dois anos, em julho de 1927 | foto: acervo pessoal

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“Eu odiava boneca. As de celuloide eu queimava, para ver a fumaça e sentir aquele cheirinho de plástico torrando. Gostava mesmo era de jogar pião, bola de gude, futebol e voleibol, empinar papagaio, subir em árvores (e cair delas, é claro).”

Inezita Barroso (Inezita Barroso, a História de uma Brasileira, de Arley Pereira)

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Inezita com o pai Olyntho, a mãe Ignez e o irmão Marcos, em Santos (SP), 1933 | foto: acervo pessoal

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“[...] Eu era a única menina numa faixa de idade que tinha muitos primos. Brincava bastante com eles, logicamente brincadeira de meninos, aprendia suas malandragens e até passarinho cacei com estilingue. Com minha turma de moleques de rua, os primos completavam uma infância realmente feliz, que era olhada com não muito agrado pelas tias carolas.”

Inezita Barroso (Inezita Barroso, a História de uma Brasileira, de Arley Pereira)

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Aluna

Capa do boletim escolar de Inezita | Acervo pessoal

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Aluna (2)

Boletim escolar de Inezita | Acervo pessoal

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foto: acervo pessoal

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Ao longo da vida, Inezita organizou recortes de jornal, fotografias e outros tipos de material em que aparecia. Muito do conteúdo era enviado pelos fãs da cantora, que colava tudo em cadernos com anotações indicando sua identificação, como na seta da imagem acima, ou contestando informações erradas a seu respeito | Acervo pessoal

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Caderno

Caderno de escritos de Inezita, década de 1940 | Acervo pessoal