Programação de Teatro

A programação da Ocupação Laura Cardoso conta com leituras dramáticas, intervenção cênica e oficinas. As leituras dramáticas são comandadas por sete mulheres que dirigem textos interpretados por Laura ao longo da carreira no teleteatro e no teatro: Casa de Boneca, Antígona, A Casa de Bernarda Alba, Outono, Inverno, Terra Estrangeira, Vereda da Salvação e Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu.

Nesta seção, as diretoras deixam um registro sobre a relação das peças com Laura Cardoso e sobre como foi trabalhar com cada um desses espetáculos.

Casa de Boneca

por Gabriela Mellão

De personificação de objeto manipulável a símbolo de liberdade e autonomia – esse é o percurso empreendido pelo personagem central de Casa de Boneca, clássico de 1879 do dramaturgo Henrik Ibsen. A obra é a representação maior do primeiro sopro de feminismo dos palcos modernos. Nela, a protagonista Nora Helmer abandona marido e filhos na busca por sua identidade. Também pratica ilicitudes, conduzida por uma moral bastante singular.

A recusa de Nora em viver uma vida de subordinação, juntamente com sua ética particular e a força com que a personagem desvela a hipocrisia social de seu tempo, fez de Casa de Boneca o primeiro sucesso internacional do autor norueguês.

A independência de Nora escandalizou, em escala global, o conservadorismo dos séculos XIX e XX. No Brasil, o papel foi imortalizado por Laura Cardoso. A atriz misturou realidade e ficção ao encarnar a personagem no programa Grande Teatro Tupi, da TV Tupi, em 1958, defendendo a independência dessa mulher ao lado do marido, Fernando Balleroni, que interpretou Torvald Helmer.

Na releitura apresentada na Ocupação Laura Cardoso, a abertura dramatúrgica deixada por Ibsen serve-me de auxílio para tornar Casa de Boneca uma obra essencialmente contemporânea. Apoiada na ambiguidade de Nora e no compromisso de manter-me fiel ao original, procuro revitalizar o clássico inserindo em sua leitura valores determinantes da sociedade atual.

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Antígona

por Luciana Lyra

Em 1966, Laura Cardoso integrou a montagem de Antígona, fabulando o mito cenicamente e descortinando todo o anseio por justiça e questionamento de uma mulher acerca de ordem imposta por um governante, tudo isso na efervescência de um golpe militar em solo nacional. Seguramente, Laura, operária da artesania teatral, aliada aos seus parceiros de cena, não tomou parte desse grito ingenuamente, mas trouxe à superfície as implicações do abuso de poder e da superioridade masculina, revelando um tempo sombrio nos espelhos estilhaçados da narrativa mítica.

A leitura dramática de Antígona, por mim dirigida na Ocupação Laura Cardoso, deseja justamente escavar os princípios de equidade urdidos na peça de Sófocles, agora compreendendo-a no atual contexto político brasileiro, de medidas suspeitas, desarticulação das lutas de mulheres e de outras minorias. Sinto que, a exemplo de Laura, busco firmar o espaço do teatro e da arte, como um privilegiado lócus de re(existência), de compreensão de mundo, de espaço da palavra proferida, do firme discurso ante as diferenças, na batalha pelo que é, indubitavelmente justo.

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Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu

por Renata Soffredini

Uma das experiências mais emocionantes que vivi foi estar ao lado do meu pai, Carlos Alberto Soffredini, enquanto víamos Laura Cardoso interpretando a Mãezinha, personagem de sua peça Vem Buscar-Me que Ainda Sou Teu. Ele pulava da cadeira de satisfação, de alegria e de emoção! A personagem Mãezinha, além de ser a dona da companhia, mãe, esposa e dona de casa, é uma mulher que dedica a vida ao seu ofício, assim como Laura Cardoso! Uma atriz interpretando uma atriz e não uma estrela interpretando uma estrela – não que Laura não mereça o título. Mas o que vimos (meu pai e eu) foi uma atriz com um coração, e as estrelas nem sempre têm coração.

É com gratidão por você, Laura Cardoso, nos tirar do chão inúmeras vezes, sempre que está interpretando, que participo desta merecida homenagem. Comecei no teatro como atriz e me senti confortável nesse espaço onde o feminino é valorizado. Quando passei também a exercer a função de diretora, já não foi tão tranquilo, uma vez que essa área é considerada masculina e, portanto, dos homens. Sim, o mundo é machista, e o teatro não escapa disso.

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Vereda da Salvação

por Malú Bazán

“Vereda da Salvação” é um texto baseado em uma história real ocorrida em 1955, mas, como o próprio Jorge Andrade nos diz em suas rubricas, é e deve ser lido na época atual. Um clássico da nossa dramaturgia e completamente contundente em nossos dias. Poder mergulhar nesse texto e lê-lo com meus colegas de palco sob a bênção de Laura Cardoso – que deu voz e corpo a Dolor em 1993 na segunda montagem de Antunes Filho – é um privilégio e um desafio.

Laura se diz operária da arte. Também me vejo assim. Costumo dizer que vejo o teatro como artesanato. Acredito no ofício, no trabalho de construir um espetáculo ou um personagem “tijolo por tijolo”. E o trabalho de mesa – momento em que os atores se reúnem para ler, estudar, analisar, experimentar e começar a dar corpo-voz a um texto teatral – é uma parte importante dessa construção.

A Ocupação Laura Cardoso sabiamente destaca essa parte do processo de criação colocando em cena a própria mesa, os textos e as anotações de Laura e nos convoca a participar como operários lendo novamente textos importantes da carreira dela. Isso nos dá a oportunidade de dividir esse momento de criação, pesquisa e descobertas com o público.

Só posso agradecer por participar desta construção.