O imigrante moderno

Gregori Warchavchik é conhecido majoritariamente por arquitetos e, principalmente, por sua relevância histórica como precursor do Modernismo no Brasil e/ou como autor da primeira casa modernista do país. Exceto os envolvidos na área, poucos indivíduos têm a verdadeira noção do que significou a ruptura provocada por ele na nossa arquitetura.

Não existe nada mais definidor da importância da obra de Warchavchik que a ruptura. Ela é uma constante em sua vida. Na sua infância, em Odessa, sofreu com deslocamentos por conta dos “pogroms” (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovado ou tolerado pelas autoridades locais, sendo um ataque violento maciço a pessoas), depois mudou-se para a Itália e, posteriormente, migrou ao Brasil. Enfim, uma sequência de rompimentos que marcaram sua personalidade e influenciaram sua obra.

Em 1923, Warchavchik chega a São Paulo com toda a bagagem da nova arquitetura moderna, adquirida em sua formação em Roma, adquirindo as  bases da Bauhaus, escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda surgida na Alemanha em 1919.

A arquitetura que ele verdadeiramente acreditava é a de limpeza formal, que excluía os excessos. Era a chamada “máquina de morar”, de casas que poderiam ser construídas em série. Sem excessos, o pensamento do modernismo era servir às reais necessidades do novo homem, que vivia no mundo industrial, crescendo e se modernizando. Arquitetura funcional, portanto.

Ao chegar na capital paulista na década de 20, se deparou com uma cidade embalada por ricos cafeeiros e industriais, repleta de casarões que invadiam as avenidas com adornos rebuscados e rococós pertencentes a uma arquitetura eclética e neoclássica.

A Avenida Paulista, por exemplo, seguia uma lei municipal que obrigava as construções daquela via a terem pelo menos 10m de distância em relação à rua. O entorno deveria ser ocupado por jardins e árvores, seguindo o modelo urbanístico da Av. Champs-Elysées, em Paris.

Havia também as encomendadas estruturas metálicas inglesas da Estação da Luz, as alemãs do Viaduto do Chá, as belgas do Santa Efigênia, além do Theatro Municipal, com arquitetura que se assemelhava à Ópera de Paris.

Ao andar pela cidade, como se percebe, portanto, praticamente só se enxergavam adornos, platibandas, detalhamentos rococós copiados de modelos neoclássicos e ecléticos.

Esse era o olhar pelo qual o paulistano estava acostumado, aconchegado e se sentia enobrecido por isso.

Pouco tempo depois de sua chegada a São Paulo, Warchavchik conheceu sua futura esposa, Mina Klabin, filha de um rico industrial paulistano. Ela e sua irmã, Jenny já estavam totalmente inseridas no circuito cultural da cidade. Lembrando que àquela época, São Paulo estava em plena efervescência, ainda sob reflexo da Semana de 22.

Nesse momento, Warchavchik constrói a casa da Rua Santa Cruz para morar com sua família. Para o projeto ser aprovado na prefeitura, ele desenhou todos os adornos e platibandas característicos da arquitetura da época. Quando a casa ficou pronta, em 1928, alegou falta de dinheiro para poder habitá-la. Esse ato de ousadia, obviamente apoiado por seu círculo de amigos intelectuais, foi altamente criticado, inclusive com debates nos jornais.

Apesar de tudo isso, a casa provocava muita curiosidade. Muitos paulistanos iam para lá só para espiar. Incomodado, ele teve de erguer um muro, tamanho era o movimento provocado.

Há de se entender a arquitetura daquela São Paulo para enfatizar a força dessa ruptura provocada por Warchavchik: o fim do academicismo e das soluções arquitetônicas que ainda povoavam os sonhos da burguesia paulistana.

Pouco tempo depois ele projetou a casa da Rua Itápolis. Nesse caso, ele conseguiu construir inteiramente dentro dos padrões modernistas. Foi nela que ele promoveu a famosa Exposição Modernista de 1930. Passaram por lá Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Lasar Segall, dentre outros nomes. Mais de 20 mil pessoas visitaram a exposição. Dali para frente foi uma série de obras foram construídas: casas, edifícios, clubes em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Uma questão relevante a se destacar quando refletimos sobre  Warchavchik é a estética formal que acompanha todo seu trabalho. Se pararmos para fazermos uma leitura em detalhes de seus projetos, conseguimos perceber a linearidade, a elegância e a força que há em seus traços.

Em detalhes de fachada, de maçanetas, de luminárias e de móveis há uma homogeneidade estética, sempre presente.  Apesar de trazer o estilo modernista internacional, Warchavchik tinha um traço característico dele. Forte e elegante. Residências construídas hoje por vários de nossos arquitetos, com as óbvias melhorias de materiais e acabamentos em relação ao começo do século passado, trazem muitas similaridades com a obra de Warchavchik. Porque o que é bom se eterniza. O que precisamos é fazer com que o público comece a observar a elegância desse traço, além da força de sua importância histórica.

 

Silvia Segall

Compartilhe

Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divisa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno

Acerca da arquitetura moderna, manifesto publicado no Correio da Manhã em 1º de novembro de 1925

Compartilhe

O manifesto

Compartilhe

Seção de vídeo

Gregori Warchavchik e a cidade

José Lira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), destaca a temática do espaço público nas cidades como objeto dos manifestos escritos de Gregori Warchavchik e discute a relação dos projetos do arquiteto nesse contexto.