A poeta do movimento

“A dança é para todos, e não só para o individual. É para todos e para tudo.”

Aula na casa do Sumaré | Acervo Centro Cultural São Paulo

[Fala de Maria, em entrevista para o documentário Maria Duschenes  O Espaço do Movimento (2006)]

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Dona Maria e a doçura de dançar adiante

Por Janice Vieira e Andréia Nhur

Aquilo que dançamos é sempre uma dança coletiva, pois convoca outras danças e outros corpos numa comunhão infinita de memórias e transmissibilidades em movimento. Lembrar a mestra Maria Duschenes (1922-2014) é festejar esse caráter coletivo da dança como forma polifônica de arte e educação pelo movimento.

Portadora de saberes advindos de sua experiência com Rudolf Laban (1879-1958) e Kurt Jooss (1901- 1979), dona Maria abriu um campo inesperado para a dança feita no Brasil nos anos 1940, disparando conversas férteis entre os corpos daqui e as noções labanianas aprendidas com seus mestres. Sua ação agregadora difundiu preceitos das danças modernas europeias e plantou em São Paulo um caminho irreversível para as danças que fazemos hoje. Danças sempre no plural, como aprendemos com ela.

Criadora de experiências inovadoras que despontaram no cenário paulista entre os anos 1960 e 1970, dona Maria fundou o grupo Móbile em 1964, em parceria com Maria Esther Stockler (1939-2006), Helena Villar e Lili Pudles; coreografou memoráveis produções, como Magitex (1978) e São Paulo Madrugada (1978); desenvolveu projetos como Dança/Arte do Movimento (1990), que culminou na reunião de 150 pessoas na dança coral Origens I, apresentada no palco do Teatro Municipal de São Paulo; e, em 1978, trouxe Lisa Ullmann (1907-1985) ao Brasil. Principal colaboradora e continuadora da obra de Laban, Lisa conduziu um encontro marcante que reuniu artistas e alunos de dona Maria numa grande vivência labaniana.

A casa de Maria e Herbert Duschenes (1914-2003) no bairro do Sumaré, em São Paulo (SP), recebeu inúmeros artistas, intelectuais, educadores, psicólogos,  crianças e jovens, tornando-se um local de encontros, conversas, aulas práticas e teóricas. Difícil seria mapear o desdobramento do trabalho de Maria Duschenes, haja vista a quantidade de alunos que passaram por seus ensinamentos.

Ruth Mehler, Yolanda Amadei, Norma Ribeiro, Helena Villar, Maria Esther Stockler, Analívia e Fabiana Cordeiro, Juliana e Paula Carneiro da Cunha, Lia Robato, Lidia Chamis, Cybele e Cecília Cavalcanti, Lili Pudles, Rosemarie Mafei, Suzanna Maturi, Vera Kumpera, Irinia Klaiss, Janice Vieira, Denilto Gomes (1953-1994), J. C. Violla, Lenira Rengel, Regina Faria, Augusto Rocha, Miriam Dascal, Lala Deheinzelin, Patrícia Noronha, Maria Mommensohn, Cilô Lacava, Joana Lopes, Ucha Xavier, Cleide Martins, Acácio Valim, Renata Macedo Soares, Karen Müller, Regina Machado, Tuca Pregnolato, Jéssica Portela, Anna Maria Barros, Alice Takakura e Silvana Garcia, entre muitos outros nomes, foram atravessados por essa memória.

O maior legado de dona Maria foi, sem dúvida, passar sua dança adiante. Suas aulas eram um espaço de formação para a arte e a vida. Pioneira no modo de tratar o ensino da dança no Brasil, fazia largo uso de improvisação, aprofundamento teórico e estudo do movimento, quando a dança ainda não era vista como produção de conhecimento. Mas, muito além dessa contribuição efetiva, ela marcou pessoas e foi reconhecida como mestra. Muitos de seus alunos se consideram discípulos, denominação rara nos tempos atuais, em que os vínculos são cada vez mais rarefeitos.

Essa relação mestre-discípulo não somente resta na memória dos que passaram por suas aulas e por seus trabalhos, mas também se edifica nos corpos. Dona Maria ensinava com doçura e respeitava toda diversidade que acolhia. Sua precisão como mestra dava aos alunos a impressão de que estava sempre agradecendo por ensinar – como se, numa ação profética, soubesse que sua dança iria perdurar.

A experiência promovida em suas aulas frisava a importância da dança, a reconquista do corpo e o poder transformador do movimento, sempre num ambiente de troca e de acalanto de sua casa, que era vida, que era dança. Os recursos de movimentação se multiplicavam e o corpo passava a anunciar outras formas de “ser” estética e politicamente. Talvez se tratasse – mais do que uma experiência de formação em dança – de uma filosofia do movimento.

Movimento transgressor, que rompia não só com as normas da dança clássica, mas com qualquer rigidez e aprisionamento do corpo. Movimento que dava a ver o espaço como possibilidade, e não como contorno. Movimento de liberdade que resta na história de quem passou pelas aulas de dona Maria. Movimento que ecoa em muitas danças porque, desde o princípio, se construiu na lógica do compartilhamento. Movimento coletivo para dançar adiante.

Janice Vieira é bailarina, coreógrafa e musicista, vencedora do Prêmio Governador do Estado 2013 por sua trajetória na dança do Brasil. Estudou dança com Maria Olenewa e Maria Duschenes e participou do American Dance Festival (Nova Londres, Estados Unidos, 1975). Fundou o Grupo Pró-Posição nos anos 1970, atuando intensamente ao lado de Denilto Gomes nos principais movimentos da dança brasileira da época. Desde 2007, é parceira de sua filha, Andréia Nhur, na continuidade do Grupo Pró-Posição.

 

Andréia Nhur é bailarina, atriz, pesquisadora e professora do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). É doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com estágio doutoral no Departamento de Dança da Universidade de Paris 8, e graduada em dança pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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Marcação dramatúrgica da dança coral Origens | Acervo Centro Cultural São Paulo

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O Estado do Paraná - 2 de abril de 1972 | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Seção de vídeo

As aulas de Maria – Ocupação Maria e Herbert Duschenes (2016)

O bailarino J. C. Violla, a professora e pesquisadora em dança Cássia Navas e as professoras de dança Cilô Lacava e Renata Macedo Soares contam suas experiências como ex-alunos de Maria Duschenes.

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Acervo de família

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Acervo de família

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Jornal O Estado de S. Paulo - 15 de dezembro de 1979 | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Origens

Acervo Centro Cultural São Paulo

Dramaturgia da dança coral Origens, apresentada na XXI Bienal de São Paulo, em homenagem ao centenário de Rudolf Laban (1951)

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Acervo Centro Cultural São Paulo

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Sentimentos, sensações, emoções

Acervo Centro Cultural São Paulo

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Seção de vídeo

As aulas de Maria – Laban – Ocupação Maria e Herbert Duschenes (2016)

O bailarino J. C. Violla, a professora e pesquisadora em dança Cássia Navas e as professoras de dança Cilô Lacava e Renata Macedo Soares contam suas experiências como ex-alunos de Maria Duschenes.

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Símbolos de Labanotation

Acervo Centro Cultural São Paulo

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Dança criativa ou expressão corporal? Arte do movimento, dança educacional

Programa de aula | Acervo Centro Cultural São Paulo

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“Essas movimentações espontâneas do movimento são muito importantes para o ser humano porque eles conseguem realmente viver todas as aspirações, todos os sonhos, todas as vontades e todas as ideias mais oníricas, da personalidade junto com o agir da maneira mais realística possível, então não tem barreiras.”

[Fala de Maria, em entrevista para o documentário Maria Duschenes – O Espaço do Movimento (2006)]

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Magitex

Foto Adriana Mattoso | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Espetáculo Magitex | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Espetáculo Magitex | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Espetáculo Magitex | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Espetáculo Magitex | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Espetáculo Magitex | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Parte das criações coreográficas de Maria | Acervo Centro Cultural São Paulo

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Mestra respeitada por uma geração de atores e bailarinos

Acervo Centro Cultural São Paulo