Exposição traduz a produção
de Lorca como uma múltipla
declaração de amor à fotografia

A ideia da curadoria para organizar esta retrospectiva foi sintetizar a larga e rica
vivência do fotógrafo em um conjunto de imagens que tivesse a capacidade
de estabelecer uma narrativa coerente e contemplar sua visão de mundo.

Não é tarefa fácil pensar uma exposição a partir de um gigantesco inventário fotográfico produzido nos últimos 70 anos. Por outro lado, é desafiador elaborar um conjunto de imagens capaz de dar conta da potência da obra do reconhecido fotógrafo German Lorca, uma das poucas unanimidades da fotografia brasileira. Suas fotografias expressam de modo exemplar toda a experiência do período modernista e chegam aos dias de hoje com o mesmo frescor que o aproxima de algumas manifestações e de alguns procedimentos da arte contemporânea.

A ideia para organizar esta retrospectiva foi sintetizar, dessa larga e rica vivência de Lorca, um grupo de fotografias que tivesse a capacidade de estabelecer uma narrativa coerente e contemplar sua visão de mundo. É um grande desafio orquestrar tantas variáveis temáticas, além dos diferentes formatos por ele utilizados, mas, dentro do possível, formatamos alguns núcleos que pudessem tanto valorizar suas fotografias mais representativas quanto evidenciar as imagens que foram de circulação mais restrita. Na verdade, o maior trabalho foi organizar e articular os núcleos para despertar no espectador pequenos desdobramentos, tais como coincidências, surpresas, choques de temporalidades, lembranças.

Para concretizar o desejo de German Lorca, tivemos que superar alguns dilemas para tornar esta exposição uma verdadeira declaração de amor à fotografia. A montagem foi idealizada para mostrar alguns elementos que participaram de sua vida e alavancaram sua trajetória profissional: porta-retratos familiares, certificados de premiação, troféus, medalhas e homenagens são objetos banais, destituídos de singularidade, mas que marcam os momentos importantes de sua carreira. Ao lado dessas conquistas, uma vitrine exibe as principais câmeras que pontuaram seu percurso na fotografia. São as informações distintas que deixam clara e transparente nossa verdadeira intenção: elaborar um exercício de presentificar o passado, seja exibindo seu mundo técnico e afetivo, seja ocupando o espaço com a magia das imagens.

Evitamos uma leitura linear de sua obra, optando por mostrá-la dividida em grandes núcleos que circunscrevem sua incrível pluralidade temática, o que permite uma compreensão mais ampla e qualificada da extensão do seu trabalho. Com isso, consegue-se vislumbrar o artista German Lorca, um homem inteligente e sensível, perspicaz e talentoso, que desenvolveu plenamente sua criatividade. Os núcleos da exposição agregam momentos e temas que foram essenciais em toda sua dinâmica e agitada trajetória. Assumimos enfatizar como seus principais pontos de visibilidade a produção desenvolvida no Foto Cine Clube Bandeirante; os retratos, que evidenciam sua conexão com o mundo das artes; as imagens da publicidade que marcaram época e tornaram-se emblemáticas; a cidade de São Paulo, cenário de suas mais importantes fotografias; e a fotografia autoral, como Lorca denomina sua produção não associada aos trabalhos comissionados.

Com isso, German Lorca: Mosaico do Tempo, 70 anos de Fotografia sintetiza milhares de fotografias realizadas ao longo da mais longeva produção de um fotógrafo brasileiro. De fato, não temos conhecimento, na história da fotografia brasileira, de alguém que tenha trabalhado por mais de 70 anos. Um mosaico é a reunião de peças – no caso, fotografias – com a finalidade de formar uma imagem síntese; é uma possibilidade de harmonizar a combinação de diferentes fotografias e séries fotográficas a fim de construir uma unidade. A palavra “mosaico” vem do grego mouseîn, raiz também da palavra música, derivada de musa. E a fotografia é a grande musa de German Lorca.

Sua aventura com a fotografia teve início em 1947, ano em que adquiriu sua primeira câmera fotográfica, com o amigo de infância e de brincadeiras no Brás, Alberto Arroyo, que na ocasião era balconista da tradicional loja São Paulo Photographico, instalada no centro histórico havia décadas. A máquina era uma Welta Welti, objetiva Tessar 2.8/50, Carl Zeiss, formato 35 mm. A ideia inicial era fazer alguns retratos, registrar as viagens e os passeios da família. Mas foi o tio de sua esposa, Manoel Rodrigues Ferreira, que o estimulou a procurar mais conhecimento técnico para aprimorar sua iniciação. Antes disso, fez suas primeiras fotografias memoráveis datadas de 1947, como Horto Florestal e Fogo nos Bondes – Revolta dos Passageiros. Nesse período, o jovem contador sonhava com a fotografia e já carregava a câmera em sua maleta a fim de registrar algum acontecimento inusitado.

Em janeiro de 1948, o Boletim do Foto Cine Clube Bandeirante de número 21 publicou os novos sócios, e, entre eles, o de número 499, German Lorca, na categoria “novíssimo”. Foi o começo de seu aprendizado técnico e de suas primeiras incursões ao mundo da imagem fotográfica distante daquela ideia inicial de diletante. Sua inserção no clube se deu rapidamente. Atento e observador, logo conseguiu um bom entrosamento, quer participando das excursões promovidas pelo clube, quer apresentando e submetendo suas fotografias às diferentes instâncias de avaliação previstas no calendário interno. Foi assim, rápida e silenciosamente, que foi promovido para a categoria de “fotógrafo júnior”. Sua meta era buscar o máximo de envolvimento possível a fim de aperfeiçoar-se para alçar novos voos.

Seu percurso meteórico e consistente envolveu persistência e disciplina. É inegável que o clube foi uma verdadeira escola de fotografia. Com esse intenso aprendizado, Lorca arriscou, logo abandonando a contabilidade para dedicar-se exclusivamente à fotografia. Primeiro foram os casamentos, em seguida, os retratos e depois vieram a reportagem em geral, a fotografia técnica e industrial e a fotografia comercial. Impetuoso e motivado, montou seu primeiro estúdio, localizado num prédio da Avenida Ipiranga. Sua versatilidade na técnica e nos formatos foi aos poucos sendo reconhecida pelo mercado e cada vez mais foi chamado para trabalhos comissionados.

Tanto no clube quanto em sua atividade comercial, Lorca mostrava-se sempre o mesmo: brincalhão, irreverente, alegre e feliz com a vida. Aproximou-se dos artistas frequentando o recém-fundado Museu de Arte Moderna de São Paulo e estabeleceu boas conexões, que foram fundamentais para ampliar sua esfera de atuação. Também soube muito bem se apropriar dos ensinamentos que adquiria no clube, particularmente com Chico Albuquerque e Geraldo de Barros. O primeiro ensinou-lhe a importância do conhecimento técnico e do controle de todo o processo fotográfico. O segundo mostrou-lhe as possibilidades de tratar a fotografia como linguagem e expressão. Foi com Geraldo de Barros que aprendeu a técnica de solarização e os princípios da boa composição a partir do segmento áureo. Tudo foi incorporado e aprimorado com a finalidade de atender as futuras demandas do seu estúdio.

A paixão pela fotografia tomou conta do cotidiano de Lorca, sempre em busca de mais conhecimento e disposto a fazer o inesperado. Isso talvez explique como sua intuição e sua criatividade o transformaram num dos mais requisitados profissionais de São Paulo após a experiência no Foto Cine Clube Bandeirante. Aliás, aos poucos abandonou o clube e, em 1953, passou a dedicar-se quase integralmente ao seu estúdio, com uma capacidade de trabalho incomum. Certa vez, o fotógrafo confessou que sempre se achou muito corajoso e, às vezes, “inconsequente”. Com essa afirmação, fica claro por que ele nunca recusou um trabalho, por mais difícil que fosse. Assumia projetos complexos como se já tivesse a solução para os obstáculos que iria enfrentar e superar.

Essa liberdade em aceitar os mais incríveis desafios deu a Lorca uma experiência e uma versatilidade que o transformaram em um fotógrafo de qualidades singulares. Quando desenvolvia uma campanha ou um editorial, conseguia naturalmente encontrar uma situação visual inusitada e imprimir sua marca autoral. É graças a essa permanente inquietação que, mesmo após sua saída do clube, temos uma expressiva produção autoral que atravessa toda sua história com a fotografia. Lorca distingue essa produção autoral do seu trabalho comissionado. Para ele, a fotografia autoral é o registro simples de como as coisas se deixam ver, uma maneira pessoal e particular de produzir uma imagem, sem grandes intervenções.

A exposição contempla em dois núcleos a experiência fotoclubista e a experiência da fotografia autoral. Com isso, podemos perceber o artista sensível, intuitivo e racional que Lorca se tornou ao longo do tempo. Atua em distintos universos, mas o tratamento dado à imagem tem a mesma natureza expressiva. Um exemplo é a clássica imagem de sua avó e de seu filho em direção à Oca, no Parque Ibirapuera, que foi produzida em 1954 para uma publicação, a fim de documentar o parque nas comemorações do IV Centenário de São Paulo, uma vez que havia sido contratado como fotógrafo oficial do evento. Essa imagem transcendeu seu uso específico e ganhou uma força misteriosa, permanecendo como uma obra inquietante, que provoca nossa imaginação.

Seu desejo constante de surpreender materializa em cada uma das suas fotografias a possibilidade de se instalar no território artístico. Entendemos que há em sua obra uma espécie de convergência imagética em que é possível perceber uma espécie de matriz ordenadora que tem, simultaneamente, a mesma tradição articulada com as novas proposições que sintetizam o projeto de modernidade fotográfica no Brasil. Há, no conjunto de suas fotografias, uma difusão capilar, como se fossem vasos comunicantes, e por isso mesmo é possível entender a obra como imagens diversas que se conectam, que atravessam os diferentes tempos e se mostram harmoniosas em relação à composição, às sombras misteriosas, às formas insinuantes. Uma estética própria que o acompanha desde sempre.

Sua fotografia aplicada – os trabalhos comissionados – também se mostra diferenciada. Como afirma Susan Sontag, “o tempo termina por situar a maioria das fotografias, mesmo as mais amadoras, no nível da arte”. Então, ao olharmos sua produção na fotografia, incluindo a publicitária e as capas de discos, vê-se que Lorca nunca perdeu seu olhar profundamente estético. Aliás, ele tem uma composição elaborada, minuciosa, e traz a erudição imagética desenvolvida nos tempos do clube. É quase impossível dissociar sua produção desse seu aprendizado inicial, ocasião em que teve a oportunidade de apurar seu olhar e estimular sua percepção visual.

Lorca se inflama ao falar de suas fotografias. Cada uma delas tem uma história, seja um trabalho comissionado ou não. Seu olhar é quase sempre transformador: mais do que nunca, aprendeu a combinar os elementos da cena para apreender uma experiência sensível. Sua curiosidade incessante e sua perícia em resolver problemas em situações adversas denotam que, na verdade, ele não apenas assimilou as lições e o conhecimento gerado, mas mostra-se sempre disposto a questioná-los e a pensar diferente. Toda essa vitalidade fica explícita em sua fotografia, que é um convite à especulação.

Em sua série sobre São Paulo, Lorca deixa transparecer o amor pela cidade. Mudanças avassaladoras provocaram o aparecimento de uma nova paisagem urbana, mas passar os olhos por suas fotografias é uma experiência que nos faz recuperar o tempo vivo da memória. A cidade moderna e pulsante desapareceu. A cada instante, histórias são esquecidas, mas permanecem em suas fotografias.

German Lorca ainda fotografa. E, quando perguntamos o porquê, ele simplesmente responde: “Eu me emociono ao ver uma cor bonita, uma criança fazendo isto ou aquilo, um rosto de mulher, uma luz recortada, uma sombra acentuada. Tudo isso me dá a sensação de uma nova existência”. Nunca se recusou a experimentar as novas tecnologias. Depois do aprendizado no clube, fotografou com câmeras de pequeno, médio e grande formato. Mais recentemente, assumiu a Leica digital e produziu o ensaio Geometria das Sombras (2014), uma experiência lúdica que recupera a força do espanto que suas fotografias sempre provocaram. Em 2017, uma nova série de retratos, desta vez munido de um smartphone.

Agora e sempre, uma trajetória virtuosa, com imagens emblemáticas e inspiradoras, nas quais pulsam ideias, materializam-se formas, dividem-se planos e concretizam-se espaços. Um artista que perseguiu seus sonhos e imprimiu sua marca definitivamente na fotografia brasileira. É justamente esse aspecto moderno e contemporâneo, atemporal e universal da sua obra que torna German Lorca uma das figuras mais importantes da nossa fotografia. Felizmente, temos a sorte de conviver com ele, um artista cuja grandeza e importância a história já consagrou.

 

Rubens Fernandes Júnior
Curador

 

 

Serviço

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Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô

Fones: 11. 2168-1776/1777

Acesso para pessoas com deficiência

Ar condicionado

Estacionamento: Entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108

Se o visitante carimbar o tíquete na recepção do Itaú Cultural:

3 horas: R$ 7; 4 horas: R$ 9; 5 a 12 horas: R$ 10.

Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

 

     

German Lorca: Mosaico do Tempo, 70 anos de fotografia Abertura: Dia 25 de agosto (sábado), às 11h
Visitação: De 25 de agosto a 4 de novembro
Terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 20h, 
com permanência até as 20h30
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Pisos -1 e -2
Classificação indicativa: livre
Entrada gratuita

Assessoria de Imprensa:

Conteúdo Comunicação

Fone:  +55 11 5056-9800

 

 

 

No Itaú Cultural:

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larissa.correa@terceiros.itaucultural.org.br

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