história

O Rio de Chiquinha: contrastes e desigualdades na cidade que se vendia como vitrine da modernidade

Texto produzido exclusivamente para o hotsite do Itaú Cultural sobre esta Ocupação, traz um retrato da sociedade carioca entre o final do século XIX e início do XX, quando a capital do país passava pela transição do Império para a República. Foi nesse cenário que Chiquinha Gonzaga cresceu e desenvolveu a sua personalidade.

Por Alexandra Lima da Silva*

O passeio pela literatura e pelos jornais em circulação na cidade do Rio de Janeiro nas décadas finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX evidencia uma cidade repleta de contrastes e desigualdades. Nos anúncios publicados no jornal Gazeta de Notícias de 1880, por exemplo, chama atenção a oferta de uma certa Francisca Gonzaga (Chiquinha Gonzaga) – que “leciona em casas particulares e colégios piano, canto, francês, geografia, historia e português” – convivendo lado a lado com anúncios de recompensa pela captura de escravos fugidos, como foi o caso de Manuel, “escravo, preto, pernambucano, 32 anos presumíveis, altura regular, rostos comprido, fala a modo do norte, barba cerrada, sempre feita, usando bigode e pera, é perito pedreiro, intitula-se livre e diz chamar-se Manuel Barbosa” (Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias, 11 de janeiro de 1880, p. 6). Liberdade e escravidão caminhavam na mesma página da Gazeta de Notícias nos anos que antecederam a Abolição.  

Anúncios de escolas abolicionistas estampavam as páginas dos jornais, pois era preciso lutar pelo fim da escravidão e instruir a população liberta do cativeiro e também as ditas classes proletárias. Um trabalhador qualificado era demanda desse novo tempo, que sinalizava para a necessidade de combater os preconceitos em razão da condição social e racial dos sujeitos, em uma sociedade marcada fortemente pelas diferenças étnicas em sua composição (SILVA & MIGNOT, 2017). O Rio de Chiquinha era mesmo uma cidade de contrastes.

O discurso de modernidade também estava a pleno vapor. Era preciso vender a cidade do Rio como vitrine do progresso. A necessidade de investir na formação “das almas” e de educar o cidadão para a modernidade impulsionou discursos reformas, e o movimento de abertura de escolas, para “pessoas de todas as nacionalidades e condições”.

O Rio de Janeiro da passagem do Império para a República era um lugar de muitos contrastes e desigualdades. Segundo o censo de 1872, apenas 15,7% da população do Brasil era alfabetizada. Contudo, a capital do Império e das décadas iniciais da República apresentava as taxas mais altas de alfabetização, mesmo com mais da metade da população analfabeta. Em 1890, havia cerca de meio milhão de pessoas na cidade, o dobro em relação a 1870. Desse meio milhão, 57% dos homens e 43% das mulheres foram registrados como alfabetizados, o que representava em termos numéricos cerca de 270 mil pessoas capazes de ler e escrever. Em 1924, num universo de 1.157.141 de habitantes, 61,1% das pessoas eram alfabetizadas, superando o número de “iletrados” na cidade (Damazio, 1996, p. 125). Estas taxas eram as mais baixas do país e mostram o crescimento contínuo da população alfabetizada no Rio de Janeiro que, em princípio, já dominava as primeiras letras ou, pelo menos, podia ler e ter acesso a textos impressos.  

Neste processo, é preciso reconhecer o protagonismo da população negra, que por meio de enfrentamentos, também demandava direitos básicos como saúde, trabalho, educação e moradia. Muitas foram as lutas e táticas para sobreviver numa cidade desigual e excludente, mas que se apresentava como moderna e maravilhosa. 

É possível afirmar que tanto as escolas como os muitos periódicos existentes tinham a missão de educar os diferentes sujeitos. Além disso, práticas educativas diversas coexistiam, com destaque para as peças teatrais, os espetáculos musicais, amplamente divulgados pela imprensa periódica e com forte presença de nomes como o de Chiquinha Gonzaga. A liberdade se construía efetivamente, com a emancipação plena dos sujeitos, o que incluía projetos de educação, em sentido amplo.   

Nas primeiras décadas do século XX, o Rio de Janeiro estava em um interessante movimento de efervescência cultural, política, social e econômica. A cidade era também um barril de pólvoras. Tendo as ideias eugênicas e higienistas como pilares e fundamento das políticas sociais do período, o Rio foi o palco de reformas urbanas que promoveram a expulsão de negros e pobres para as margens. O aumento no crescimento das favelas nasce destas tensões. Nas lentes de Olavo Bilac, a capital era “uma aglomeração de várias cidades” em que:

“A mais original é a que se alastra pelos morros da zona ocidental, e onde vive a nossa gente mais pobre, denso formigueiro humano, onde habitualmente se recruta o pessoal barulhento das bernardas de motins contra a vacinação obrigatória, contra o aumento do preço das passagens dos bondes, contra a fixação do preço máximo das carroças” (Bilac, 1907).

A vitrine nacional foi polida à custa da retirada de cena da população considerada indesejada. Homens e mulheres negros e pobres não foram convidados para as festas da modernidade e do progresso. Foram colocados às margens da “cidade maravilhosa”.

*Alexandra Lima da Silva é historiadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Este texto foi produzido pela autora especialmente para o hotsite do Itaú Cultural sobre a Ocupação Chiquinha Gonzaga em www.itaucultural.org

REFERÊNCIAS
BILAC, Olavo. Fora da Vida. Correio Paulistano, 25 de setembro de 1907. 
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DAMAZIO, Sylvia. Retrato social do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed UERJ, 1996. Gazeta de Notícias, 11 de janeiro de 1880. 
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina - mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984.
SILVA, Alexandra Lima da; MIGNOT, Ana C. V. Pelos caminhos da liberdade: sujeitos, espaços e práticas educativas (1880-1888). In: Venancio, G. M.; Secreto, M. V.; Ribeiro, G. S. Cartografias da cidade (in) visível. Setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Mauad X, 2017.

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OCUPAÇÃO

Chiquinha Gonzaga

De 24/02 a 23/05 de 2021

Funcionamento: terças-feiras a sextas-feiras, em horários sob consulta para agendamento (obrigatório) das visitas, que deve ser feito pelo link sympla.com.br/agendamentoic 

Abertura da agenda: todas as segundas-feiras, a partir das 9h, seguindo por toda a semana, com o agendamento sujeito à lotação dos grupos. Caso o visitante queira ver uma segunda mostra no mesmo dia, deve verificar a possibilidade de novo agendamento. 

Permanência do público: 50 minutos em cada exposição. Trata-se de uma limitação de tempo máximo no espaço, que considera os protocolos de periodicidade de limpeza para cada ambiente.

Ingressos: gratuitos 

Informações: pelo telefone (11) 2168-1777
Atualmente, esse número funciona de segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 18h, sábados, domingos e feriados das 11h às 16h
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