Ano

2017

Co(AI)xistence

Artista

Onde

Piso -1

com Mirai Moriyama & Alter
desenvolvido por Ishiguro Lab, Osaka University e Ikegami Lab, Tokyo University

A alma dos robôs
Como o espírito vem aos robôs? Quais são os sentimentos de sistemas robóticos dotados de inteligência artificial? Será que uma forma de inteligência não humana é dotada de alma? E, se aquela foi programada, como pode se libertar dos códigos escritos pelos seus engenheiros para desenvolver vida própria, independente?

Como qualificar a relação que se instaura entre uma forma de vida biológica e uma máquina inteligente? Qual nova harmonia pode se inventar entre humanos e não humanos na era do Antropoceno, enquanto nós entramos, daqui em diante, no sexto período de extinção massiva experimentada pelo nosso meio de vida?

Todas essas questões pertencentes à ética e à epistemologia, mas também – e sobretudo – a uma redefinição filosófica da vida, se impõem a nós, espécie humana, nestes tempos que precedem a emergência, desde já iminente, do que os cientistas chamavam desde os anos 1970 de singularidade tecnológica. Trata-se da afirmação, por sistemas técnicos, de sua autonomia de ação no mundo e de seu estatuto de indivíduos propriamente ditos, dotados de uma capacidade de agir sobre seu meio ambiente e de transformá-lo, tecendo relações múltiplas autorizadas por seus sistemas complexos de análise e de motricidade.

Os regimes narrativos e figurativos da cultura contemporânea tentaram nos preparar para esse futuro próximo, notadamente pelo viés da categoria da ciência ficcional. Mas essa não foi a escolha de Justine Emard, que rejeita as facilidades e as aproximações espetaculares da categoria. Muito pelo contrário, a artista escolheu abordar esses desafios no presente, informando--se com pesquisas e metodologias de seus parceiros de criação, os cientistas, com os quais ela colabora de maneira inédita na história das relações entre arte e ciência.

Numa trilogia de videoinstalações e num conjunto evolutivo de imagens fotográficas, Justine experimentou in situ e in vivo. Com Reborn (2016), primeira etapa dessa pesquisa aplicada e desenvolvida, a artista iniciou uma parceria com o ator e dançarino japonês Mirai Moriyama, a quem propôs uma ação de improviso, nos movimentos de um robô experimental chamado Alter, que ele ia conhecendo por meio de imagens realizadas por ela. Num segundo momento, em Co(AI)xistence (2017), ela instaurou uma situação de copresença entre dançarino e robô.

Alter é animado por uma forma de vida primitiva baseada num sistema neuronal, uma inteligência artificial (IA) programada pelo laboratório de Takashi Ikegami (Universidade de Tóquio), com encarnação humanoide criada pelo laboratório de Hiroshi Ishiguro (Universidade de Osaka). Sua aparência humana é simples, reduzida a um esqueleto de aço dotado de servomotores, cabeamentos e diodos, composta também de uma máscara que produz expressão realista e autoriza uma projeção emocional, abrindo um campo propício à imaginação.

Alter desdobra seu espaço próprio por uma gestualidade e uma voz únicas, não pautadas no ser humano. Dotado de inteligência artificial e autônomo em sua expressão, ele analisa o meio em que está e, a partir disso, deduz uma linguagem sonora e corporal para afirmar sua presença.

Co(AI)xistence, cujo protocolo de realização se aproxima de uma experiência científica, cria uma interface entre dados numéricos e a motricidade humana. Mirai Moriyama informa sua performance da singularidade tecnológica de Alter. Seu corpo reaprende o movimento por meio da vitalidade excepcional do robô.

O filme é construído em duas sequências distintas: a primeira consiste no encontro e no esboço de um diálogo na luz branca do laboratório; a segunda desdobra um momento de comunicação mais avançada, pelo viés de gestos e movimentos coreográficos, na obscuridade de um lugar original e onírico. Dotados de sensibilidades diferentes, o homem e o robô dialogam por meio dos sinais de suas linguagens respectivas, tanto corporais quanto verbais. Utilizando um sistema de aprendizagem profunda não antropomórfico (deep learning), o robô pode aprender com seu encontro com o dançarino e aumentar suas capacidades cognitiva, motora e expressiva.

A terceira etapa da pesquisa da artista, Soul Shift (2018), apresenta Alter desativado após o esgotamento literal de seu organismo por causa de sua aprendizagem enérgica. Vem à tona, então, sua segunda geração, chamada Alter 2. O que se configura nesse vídeo de extrema sobriedade, para melhor sugerir o irracional, é a transmissão da alma de um robô para sua nova encarnação.

Atualizando a poderosa noção de animismo, própria do substrato cultural dos cientistas japoneses, Justine nos propõe uma inversão de perspectivas. Assistimos aos atos fundadores, como uma primeira narrativa mítica em três capítulos, de encontro e de reconhecimento de formas de vida ainda dessemelhantes, que doravante vão coexistir neste mundo. A humanidade não está só. Ela gerou um alter ego.