Força do feminino

Rainhas

Dona Ivone Lara com Maria Bethânia e Gal Costa | imagem: acervo da família

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As mulheres no samba

Desde que surgiram os primeiros batuques do samba, a presença feminina foi fundamental para que essa cultura se perpetuasse. Com a vinda das “tias baianas” para o Rio de Janeiro, o samba ganhou o acolhimento de que precisava para sair da “marginalidade”. Alguns relatos históricos apontam Tia Ciata como a responsável por permitir que o samba fosse tocado sem a presença de repressão policial. Por causa dos seus conhecimentos sobre ervas medicinais, ela teria ajudado a curar a doença do presidente da República na época. Como agradecimento, ela teria conseguido a licença para seguir com os tambores no seu quintal.

De forma geral, a mulher também era a autoridade religiosa que abençoava nos terreiros os primeiros encontros entre os músicos. Era também a anfitriã, que cozinhava deliciosos pratos para alimentar os compositores. Tradição que até hoje se vivencia nas quadras das agremiações e em rodas de samba pelo Brasil.

Mas a visibilidade da mulher só ganhou notoriedade quando ela surgiu como musa inspiradora de grandes poesias que se tornaram clássicas canções. Pelo prazer de amar ou pela dor de ser traído, os compositores sambistas imortalizaram as suas paixões. Com o passar do tempo, a imagem mais marcante e representativa do samba passou a ser o corpo feminino, especialmente o da passista, que carrega a coreografia da dança e a plasticidade da beleza hipnotizante da mulata.

Ao longo da história desse gênero musical, que se tornou a cultura mais icônica do Brasil, as mulheres evoluíram nos seus papéis e atuaram de diversas formas. Seja como pastoras, baianas, passistas, madrinhas, carnavalescas, porta-estandartes, intérpretes ou até mesmo como operárias do samba, elas formam um painel de cores, sentimentos e sons da expressão máxima dessa cultura.

Com a criação das escolas de samba, observa-se um painel bem diversificado da presença feminina, realçando a beleza e a força de algumas mulheres que se tornaram grandes referências para as futuras gerações.

Uma mulher em especial surgiu nesse cenário para não somente mudar a própria história, como também para transformar definitivamente o papel feminino no samba: Dona Ivone Lara.

De origem humilde e com formação musical sofisticada, ela sempre se destacou como grande musicista. Mas, no mundo do samba, a situação da mulher não era fácil. Para romper o padrão, Dona Ivone teve de enfrentar o machismo das rodas de samba e a repressão do próprio marido e conciliar a vida profissional como enfermeira e sambista para finalmente ser consagrada como a grande dama do samba brasileiro.

Ao se tornar a primeira compositora de sambas-enredo, ela rompe com a tradição de que a mulher apenas fazia parte do coro e ganha projeção e respeito no mundo do samba. Com vigor e competência, mostra as suas composições poéticas e harmoniosas, além da sua voz, que hoje é um dos registros mais sublimes e tocantes da música brasileira.

Dona Ivone Lara abriu o caminho para que outras mulheres conquistassem oportunidades na ala de compositores e com isso alcançassem espaço e sucesso no mercado fonográfico.

Assim, essa grande dama fez da música o seu reinado e deixa um legado muito significativo para as novas gerações: como mulher, jamais se restringiu a um papel imposto ou a um lugar predeterminado. Foi à luta, criou a própria oportunidade e se imortalizou com a sua arte.

 

Susanna Lira é diretora, roteirista e sócia da Modo Operante Produções. Em 2013, finalizou o documentário Damas do Samba, feito para a TV Brasil.

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Pioneira e matriarca

Leci Brandão é cantora e compositora e um dos nomes mais importantes do samba e da música popular brasileira, com 40 anos de carreira. Foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira, no Rio de Janeiro, a sua cidade natal. Já gravou 20 discos e três compactos. Desde 2003, também é comentarista dos desfiles das escolas de samba do grupo especial de São Paulo, na transmissão da Rede Globo. Atualmente, é deputada estadual pelo PCdoB, em São Paulo.

Fabiana Cozza é cantora. O seu primeiro álbum, O Samba É Meu Dom, é de 2004, e ela tem cinco discos lançados, além de dois DVDs. Em 2012, foi a vencedora do Prêmio da Música Brasileira – Melhor Cantora de Samba. Já dividiu o palco com diversos artistas, como Dona Ivone Lara, Elza Soares, João Bosco, Ivan Lins e Luiz Melodia.

Luiza Dionizio é cantora, nascida na Vila da Penha, Rio de Janeiro. A sua primeira gravação se deu em 1999, no CD independente Conexão Carioca, uma coletânea com repertório que vai do baião ao blues.

Zélia Duncan é cantora e compositora. Começou a cantar profissionalmente no início dos anos 1980 e a sua estreia em disco se deu em 1994, com um álbum que leva o seu nome e tem no repertório o sucesso “Catedral”.

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Única mulher, mulher única

Dona Ivone Lara tocando cavaquinho com grupo em gravação do primeiro disco, produzido por Adelzon Alves (1977) | imagem: Teixeira

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Influência feminina e centenária

Maria Teresa Bento da Silva, conhecida como Vovó Teresa, era tia de Dona Ivone Lara, irmã da sua mãe, Emerentina, e mãe de Mestre Fuleiro e Tio Hélio, os seus primeiros parceiros. Viveu muito mais que 100 anos e exerceu uma grande influência na sobrinha, especialmente no que diz respeito ao amor pelo jongo.

Ex-escrava, Teresa tinha muitas histórias para contar. “[…] Tinha festa. Eles davam muita festa pros escravos. Muito. Eles davam São João, Santo Antônio, tudo. Eles davam… Natal. Tudo eles davam festa. No Natal eles davam roupa… Os fazendeiros é que dava. Dava tudo. Graças a Deus! Dava tudo mas… Era aquilo […]”.

Neste link, você pode ler na íntegra a entrevista que Teresa concedeu a Spirito Santo e ao Grupo Vissungo, em 1973, na quadra de uma escola de samba entre Cascadura e Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.

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Herança

Fabiana Cozza é cantora. O seu primeiro álbum, O Samba É Meu Dom, é de 2004, e ela tem cinco discos lançados, além de dois DVDs. Em 2012, foi a vencedora do Prêmio da Música Brasileira – Melhor Cantora de Samba. Já dividiu o palco com diversos artistas, como Dona Ivone Lara, Elza Soares, João Bosco, Ivan Lins e Luiz Melodia.

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imagem: acervo da família

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Mito feminino

Adelzon Alves é jornalista, radialista e produtor musical. Apresenta o programa O Amigo da Madrugada desde 1966, à meia-noite, tendo estreado na Rádio Globo e estando atualmente na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Um grande marco da sua carreira foi o trabalho como produtor de Clara Nunes, mas Adelzon também lançou outros grandes nomes, como Dona Ivone Lara, João Nogueira e Roberto Ribeiro.

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Encantada

Fabiana Cozza é cantora. O seu primeiro álbum, O Samba É Meu Dom, é de 2004, e ela tem cinco discos lançados, além de dois DVDs. Em 2012, foi a vencedora do Prêmio da Música Brasileira – Melhor Cantora de Samba. Já dividiu o palco com diversos artistas, como Dona Ivone Lara, Elza Soares, João Bosco, Ivan Lins e Luiz Melodia.

Luiza Dionizio é cantora, nascida na Vila da Penha, Rio de Janeiro. A sua primeira gravação se deu em 1999, no CD independente Conexão Carioca, uma coletânea com repertório que vai do baião ao blues.

Leci Brandão é cantora e compositora e um dos nomes mais importantes do samba e da música popular brasileira, com 40 anos de carreira. Foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira, no Rio de Janeiro, a sua cidade natal. Já gravou 20 discos e três compactos. Desde 2003, também é comentarista dos desfiles das escolas de samba do grupo especial de São Paulo, na transmissão da Rede Globo. Atualmente, é deputada estadual pelo PCdoB, em São Paulo.

Zélia Duncan é cantora e compositora. Começou a cantar profissionalmente no início dos anos 1980 e a sua estreia em disco se deu em 1994, com um álbum que leva o seu nome e tem no repertório o sucesso “Catedral”.

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Muito além do samba

A força do feminino extrapolou o samba na vida de Dona Ivone Lara. A convivência dela com a doutora Nise da Silveira, médica alagoana que revolucionou os caminhos da psiquiatria no Brasil, é a prova mais evidente disso. Ivone Lara integrou a equipe de monitoras de Nise na década de 1940. Formada em serviço social e especializada em terapia ocupacional, muito antes de ser sambista profissional, ela trabalhou no Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro durante 30 anos, até se aposentar e ingressar oficialmente na vida artística.

Nascida em 1905, Nise também foi uma pioneira. Única mulher na turma formada em 1926, na Faculdade de Medicina da Bahia, a jovem médica fez a sua carreira toda no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1927. No começo dos anos 1930, foi aprovada no concurso para médica psiquiátrica da antiga Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental, começando ali uma revolução que mudaria a sua vida e a de muitas pessoas.

Para Nise, a arte era salvadora ou, pelo menos, auxiliar indispensável no tratamento de doentes mentais. Proporcionar ao doente um contato com a sua criatividade, em ateliês de pintura, saraus de música e outros ambientes onde a manifestação artística era o “remédio”, era o seu método. Posteriormente, ela passou a apostar também em animais domésticos, cães e gatos, como coterapeutas. O convívio dos doentes com os animais melhorava sensivelmente o quadro clínico deles.

Até hoje, o método de tratamento implantado pela doutora Nise é aplicado no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (antigo Centro Psiquiátrico Pedro II), no Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro. Lá funciona também o Museu de Imagens do Inconsciente, com trabalhos de clientes (como os pacientes são chamados lá) disponíveis à apreciação do público. Exposições virtuais também podem ser conferidas no site do museu.

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A importância de Nise da Silveira

Luiz Carlos Mello começou a trabalhar com Nise da Silveira em 1974 e atualmente é diretor do Museu de Imagens do Inconsciente. Como curador, já organizou várias exposições no Brasil e no exterior. Dirigiu documentários sobre as principais pesquisas do museu. É autor do livro Nise da Silveira – Caminhos de uma Psiquiatra Rebelde, lançado em dezembro de 2014.

Gladys Schincariol é psicóloga e coordenadora de projetos no Museu de Imagens do Inconsciente. Funcionária do Instituto Municipal de Assistência e Saúde Nise da Silveira desde 1974, quando o nome ainda era Centro Psiquiátrico Dom Pedro II, Gladys começou a trabalhar como estagiária da doutora Nise da Silveira.

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Dona Ivone Lara no meio de uma roda de médicos no Hospital Engenho de Dentro, onde exerceu as profissões de enfermeira e assistente social | imagem: acervo da família

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Monitora Ivone

“A doutora Nise inovou introduzindo a terapia ocupacional. O doente ficava à vontade, não tinha quarto forte, choque. Eu já era assistente social e auxiliava buscando informações com familiares do paciente e com ele próprio para ajudá-lo. Ela modificou o tratamento e o doente melhorava bem. A doutora Nise descobriu doentes que eram músicos, escritores, pintores e viviam naquela catatonia. Voltaram a produzir e muitos se curaram.”

(Depoimento de Dona Ivone Lara presente no livro Nise da Silveira – Caminhos de uma Psiquiatra Rebelde, de Luiz Carlos Mello)

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imagem: Guto Costa