Foto: Marcus Steinmeyer

Passo a Passo

Uma vida que faz intersecção com desenvolvimento intelectual, ativismo e vasta e potente produção

Uma simbólica árvore no centro da exposição reina soberana, enquanto  ao seu redor se revela a história de Sueli Carneiro. Plantas e ervas recebem  o público para conduzi-lo pelo percurso da homenageada até hoje. Aqui, um resumo desta vida fértil que pode ser acompanhada integralmente na exposição, entre fotos da mídia e de seu arquivo pessoal, documentos, textos, matérias, audiovisuais com depoimentos e outros de arquivos.

Para entrar na Ocupação Sueli Carneiro, o público atravessa plantas e ervas, simbolizando a sua ligação com os orixás no Candomblé, um dos pontos altos da vida da homenageada. Na sequência, o visitante acompanha o seu desenvolvimento desde antes de seu nascimento até a atualidade, passando pela chegada da filha Luanda e suas relações com familiares, amigos e companheiros de luta.  

Os primeiros registros são dedicados à sua origem, antes, até, do seu nascimento e conduzem pela intersecção que foi a sua vida com um desenvolvimento intelectual, ativista e produção de vasta e importante obra. A mãe, Eva, veio de Campinas para São Paulo. O pai, José Horácio, nasceu em Ubá, Minas Gerais, estabelecendo-se posteriormente em São Paulo. Nascida em 1950 e filha única até os quatro anos de idade, a pequena Aparecida Sueli Carneiro foi a primeira de sete irmãos. Cresceu na Vila Bonilha, bairro de maioria branca, aprendendo com os pais a não aceitar o racismo. Sua mãe a ensinou a ler, em casa, antes de ingressar na escola e ela sempre foi boa aluna.   

Aparecida Sueli Carneiro começou a trabalhar em 1972, como auxiliar de escritório na Secretaria da Fazenda de São Paulo. Ali conheceu Sônia Nascimento, que viria a ser a grande parceira com quem, quase 20 anos mais tarde, fundaria o Geledés – Instituto da Mulher Negra, importante organização de combate ao racismo e ao machismo.  

Com Maurice Jacoel, judeu nascido no Cairo e emigrado para o Brasil ainda criança, fotógrafo e apaixonado por cinema, ingressou no curso de filosofia da Universidade de São Paulo, a USP. Eles se casaram em 1973. Em 1980, nasceu Luanda, cujo nome homenageia a capital de Angola e as lutas por libertação na África. O casal se separou, mas segue unido em torno da amizade e companheirismo e do vínculo com a família Carneiro. A filha hoje é artista, dançarina e performer e mora na Noruega.

O público acompanha o envolvimento de Sueli com o movimento negro, já na vida universitária e quando conheceu o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), fundado em 1971 sob a liderança de Thereza Santos (1930-2012), escritora, atriz, dramaturga, professora e ativista brasileira pelos direitos de mulheres e homens. Ali, ela entendeu que a consciência racial precisava de uma organização coletiva para ser levada adiante.   

Na faculdade conheceu Rafael Pinto, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, em São Paulo, e importante em sua formação política. Em meados da década de 1970, quando foi fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, conheceu o trabalho de Lélia González (1935-1994), intelectual, autora, política, professora, filósofa e antropóloga brasileira. Entendeu, então, que há uma conjunção de racismo e machismo sofrida especificamente pelas mulheres negras.    

Em 1983, foi criado em São Paulo o Conselho Estadual da Condição Feminina, composto de 15 mulheres, nenhuma negra. Ao ser questionado sobre sua composição, o Conselho respondeu que a ausência de mulheres negras se dava pela falta de sua própria organização. Em resposta, Marta Arruda, radialista, começou a convocar as mulheres negras a se unirem. No mesmo ano, foi fundado o Coletivo de Mulheres Negras, com participação de Sueli e Thereza Santos, que foi indicada para compor o Conselho.  

A missão bem sucedida de Thereza foi levar as pautas das mulheres negras para dentro de um conselho majoritariamente branco.  Em 1984, quando o Conselho resolveu fazer uma coletânea de livros para a Década da Mulher, ela exigiu um volume sobre as mulheres negras. Sueli, em conjunto com Thereza e Albertina de Oliveira Costa, publica Mulher negra: política governamental e a mulher. O texto dela nessa publicação foi republicado atualmente no livro Escritos de uma vida, de sua autoria. Ali, Sueli fez o primeiro estudo para desagregar indicadores sociais de gênero e raça, explicitando as desigualdades entre mulheres negras e brancas. Ela usou uma calculadora simples, papel e caneta, para tabular os dados do censo.   

Em 1986, Sueli foi eleita para compor o Conselho e criou a Comissão para Assuntos da Mulher Negra. No mesmo ano, passou a coordenar o Programa da Mulher Negra do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e mudou-se temporariamente para Brasília. Em todos os espaços em que estava, ela promovia, além das pautas do movimento feminista negro, o resgate da memória das mulheres negras apagadas e esquecidas.     

Em 1988, centenário da abolição da escravatura, foi organizado um protesto em forma de debate e júri simulado, chamado Tribunal Winnie Mandela, nome da ativista contra o apartheid na África do Sul. Iniciativa de diversas mulheres negras organizadas em conjunto com o Conselho Nacional, o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo e a Comissão da Mulher da OAB, denunciava que a abolição não havia dado as condições de vida necessárias para os negros, que continuavam sofrendo a desigualdade social promovida pelo racismo. O evento chacoalhou o país e incomodou os brancos que insistiam na afirmação de que não existe racismo no Brasil.    

Após um profundo corte nas verbas do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, como protesto, Sueli e as demais mulheres que o compunham renunciaram. Assim, em 1988, Sueli e outras feministas negras fundaram o Geledés. 

O desenvolvimento intelectual de Sueli se estruturou paralelamente ao desenrolar de sua vida. Foi fortalecido, principalmente após se formar em filosofia da educação e prosseguir com suas ações ligadas ao ativismo. Nesse caminho, cresceu o seu interesse pelo pensamento africano. Não havia professores especialistas nesse tema no Brasil e o olhar acadêmico era restrito ao pensamento ocidental branco. O pensamento africano, baseado em tradições orais, não era considerado legítimo ou adotado como objeto de pesquisa.  

Sueli teve duas tentativas de mestrado frustradas por discordâncias com seus professores orientadores. Desistiu dessa formação, mas prosseguiu em sua busca. Em 1980, ela foi aprovada como bolsista em um concurso de pesquisas sobre a mulher da Fundação Carlos Chagas. Em parceria com a socióloga Cristiane Cury, produziu dois artigos importantes sobre o candomblé e as mulheres. Em 1982, no III congresso de cultura negra das Américas, realizado no Brasil pela primeira vez, Sueli apresentou seu estudo sobre o poder feminino no culto aos orixás.  

Durante anos, ela assinou colunas em jornais independentes e de grande circulação, colocando sua escrita a serviço do debate racial e de gênero. Os artigos publicados alimentam o site do Geledés, uma das primeiras instituições a se organizar em uma plataforma digital. Em 2011, Vera Lúcia Benedito, coordenadora da Selo Negro Edições, publicou o livro Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil, coletânea que reúne 35 desses artigos publicados no Correio Braziliense.  

Aos 49 anos, Sueli retornou à pós-graduação, com mestrado em filosofia da educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, orientada pela professora Roseli Fischmann. Durante a banca de qualificação Kabengele Munanga, antropólogo e professor brasileiro-congolês, definiu que o trabalho de Sueli era, na verdade, uma tese de doutorado. Assim, em 2005 a tese foi aprovada com o título A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Ela revela a violência da construção de identidade baseada na defesa, nos lugares inacessíveis e na ausência de direitos.  

Mais recentemente, Djamila Ribeiro, filósofa e ativista do movimento feminista negro, propôs a criação de um selo editorial com o nome de Sueli Carneiro para publicar textos de escritoras negras. O primeiro volume publicado, em 2020, foi Escritos de uma vida, coletânea de artigos da homenageada com prefácio da escritora e poeta Conceição Evaristo.

A extensão da influência e legado que Sueli Carneiro vem construindo, como uma griô, ou seja, uma pessoa sábia, experiente, alguém que detêm o histórico de uma comunidade, se pauta no pressuposto de que a luta sempre é coletiva, não individual.

Uma de suas criações coletivas, que perdura e alimenta novas gerações é o Geledés – Instituto da Mulher Negra. Este é um espaço de solidariedade entre ativistas da geração de Sueli e seguintes. Um dos programas ofertados pela instituição foi o SOS Racismo – Assessoria Jurídica em Casos de Discriminação Racial, com atendimento gratuito. Isso foi possível após muita luta do movimento negro para incluir o racismo como crime inafiançável e imprescritível na Constituição de 1988. Em 1995, o programa começou a atender também mulheres vítimas de violência doméstica e sexual.  

No início, o Geledés sofreu ameaças de skinheads. Como resposta, formou o Movimento de Entidades Democráticas contra o Ressurgimento do Nazismo e Todas as Formas de Discriminação, reunindo cerca de 30 outras organizações na realização de um grande ato de repúdio no Vale do Anhangabaú, com a participação de 10 mil pessoas. Como um dos resultados, em 1993 foi inaugurada a primeira Delegacia de Crimes Raciais no Brasil.  

O Geledés se tornou um espaço de acolhimento das mulheres negras para a discussão de assuntos considerados tabus, como sexualidade e direitos reprodutivos. Em 1991, foi inaugurado o Programa de Saúde. Outro tema abordado pela instituição foi o acesso à informação jurídica para a população, por meio do programa das Promotoras Legais Populares (PLPs), no combate às violências racial, sexual e doméstica. Ainda naquela década, foi criado o Projeto Rappers, coordenado por Solimar Carneiro, uma das irmãs de Sueli com forte atuação no Geledés. O projeto ofereceu aulas de literatura, capoeira, feminismo e capacitação profissional. O site do Geledés também se tornou uma referência de espaço de produção e divulgação de conteúdos sobre a luta antirracista e feminista.  

Uma das principais conquistas do movimento negro foram as cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. Durante o processo no Supremo Tribunal Federal em 2010, foi contundente a fala de Sueli em defesa da permanência das cotas, sabendo que, se por si só não resolveriam o racismo, eram um importante passo para abrir novas portas para a população negra, garantindo-lhe acesso à formação de qualidade.  

Em 2021, foi criado um espaço em sua homenagem, a Casa Sueli Carneiro, instalada em sua antiga residência na Rua Gioconda, no bairro do Butantã, onde viveu por anos. Sempre um espaço de acolhimento de amigos, ativistas e intelectuais, a casa agora se torna um espaço de celebração, formação e memória. Tudo gira em torno do fim da discriminação e da desigualdade social entre brancos e negros e entre homens e mulheres. Para Sueli, este é um fator que pode libertar toda a sociedade.

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